sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Ensaio sobre jazz, literatura e ócio

Frenético. Sôfrego. Inquieto. Estes são alguns dos adjetivos que qualificam o jazz. O gênero, que nascera na década de 1920, nos EUA, carrega o fardo da criminalização social e étnica em suas melodias. Vários músicos, como Thelonious Monk, incrementavam as canções em longas sessões de jam sessions. Django Reinhardt, violonista francês, morto nos anos 50, é considerado um dos maiores instrumentistas do século XX. Anos depois, o rei da guitarra, Jimi Hendrix, disse que Django foi um melhores músicos que viu tocar. Django não tinha um dos dedos em sua mão esquerda. Ele executava seus solos de forma autêntica e sublime, usando apenas três dedos.

No álbum Monk´s Dream, Thelonious Monk sentou-se em seu piano e criou uma nova atmosfera jazzística. Ao colocar o disco, somos introduzidos ao piano suave, simples e poético de Monk. O lirismo das teclas nos leva para ruas desertas, com homens fumando cigarro, prostitutas mal-encaradas nas portas dos puteiros e cafetões com camisas abertas. Na década de 1950, Allen Ginsberg afrouxou o nó da gravata da linguagem poética. Ele e Jack Kerouac – autor de On The Road – foram influenciados pelo jazz. A prosa deles é marcada pelo improviso, pelo fluxo de consciência. Os pensamentos não são censurados, são jorrados ao papel com uma espontaneidade poética que chocara os acadêmicos da época. Ginsberg mostrou que a poesia pode ser declamada no ritmo dos desajustados, dos excluídos, dos inconformados, dos loucos, dos célebres, daqueles que não conseguem ser um simples parafuso na engrenagem.

Chet Baker assoprava o saxofone. Miles Davis o trompete. John Coltrane comovia e impressionava a multidão. Ella Fitzgerald, com sua voz, sensibilizava os fãs. Jazz e literatura. Irmãos distantes. Se os escritores soubessem que as frases possuem ritmos, e eles estão enclausurados nos pontos, nas vírgulas, nas frases a literatura seria outra. Seria menos maçante. Acontece que poucos sabem escrever. A escrita é a música em palavras. Schopenhauer afirmou que a música é a representação sonora da vida. Segundo ele, através dos sons a gente acha um propósito à vida. Vivemos num emaranhado careta. Trabalhamos oito horas por dia. Bem, se pensarmos que há dois séculos os homens tinham uma carga horária de 16 horas, estamos em vantagem. Hoje, trabalhamos oito horas. E aí, chegamos em casa e ligamos a tv para saber o que aconteceu no mundo e temos contato com as novidades da indústria cultural, seus produtos pré-fabricados, sem elegância, sem estilo.

Os meios de comunicação de massa, diariamente, tentam nos vender uma realidade. A gente têm nossas mentes abertas e “informações” são implantadas nela. Digerimos um rock sem guitarra, um filme sem enredo e crítica, uma peça sem atores. Passamos a pensar menos, a consumir mais, a preterir o material ao espiritual. Mas eu quero ligar meu som, e ouvir um jazz. Não quero ouvir Cold Play. Quero escrever meus poemas, em meu quarto escuro e vazio e vácuo.

Jim Morrison disse que a porta é a metáfora para chegar ao conhecimento. “Há o conhecido, o desconhecido, e entre eles há a porta”, disse o líder do The Doors. Porém, quando acharmos o conhecimento pleno, o que iremos fazer com ele? Ah, talvez a vida perca a graça. A gente vive com a esperança de que terá o paraíso e todos serão perdoados e as pessoas serão todas felizes e sorridentes, em seus empregos de merda.  

Viva a sua vida. Viva o agora. Satre disse que “a essência precede a existência”. Só temos essa chance de viver. Vamos gritar. Vamos andar. Vamos amar. Vamos foder. Vamos beber. Vamos, simplesmente, viver. Que mal há nisso? Temos medo de pegar na mão de um desconhecido, e dizer-lhe que o amamos. Vivemos condicionados ao terror. Na tv, vemos imagens de sangue. Mudamos de canal, e o apresentador prega o ódio. Não temos para aonde correr. O livro está fechado. As palavras não vêm à folha todos os dias. O músico não se lembra dos acordes, todos os dias. O ator não decora o texto, todos os dias.

Precisamos da arte. Libertamo-nos na arte. Precisamos de inutilidade. Precisamos e angariamos por ócio, por vagabundagem, por atividades desprezíveis. Queremos rebeldia. Queremos poesia à prosa. Queremos metáfora à metonímia. Queremos sensibilidade à brutalidade. Queremos o amor ao ódio. Queremos o beijo, o abraço, o afago.

Os rebeldes foram embora. É mais fácil ser obediente. Se o fizer, irão falar-lhe sobre as oportunidades de ascender na vida. Mas essas oportunidades não chegam. E o discurso nunca muda. Como eu queria ouvir a voz de Ella Fitzgerald, o saxofone de Chet Baker, o trompete de Miles Davis, a guitarra de Hendrix, a poesia de Ginsberg.

Eles tinham estilo.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Dias estranhos


Nunca me conformei com a rotina que nos foi imposta. Temos de ir ao trabalho, consumir, crer em Deus, não pensar sobre a política e seus rumos. Frases feitas, meias verdades, chavões; se faladas em excesso, melhor.

Recordo-me de estar em treinamento, ainda, em meu trabalho. Haviam algumas pessoas revelando suas expectativas com a empresa. Nada original. Tudo cópia. Eu não estava nem aí. Eu estava ali por que precisava. Havia escrito um livro e quando o terminei, pensei: “Bem, agora eu preciso arrumar um emprego”. Claro, não foi tão fácil assim. Primeiro: eu não tinha disposição para trabalhar. Segundo: por que as pessoas no meio corporativo nunca bradam uma frase autêntica? Será que é difícil para eles? Deve de ser. As garotas, lindas, caminham para o lado deles. Algumas ficam ao seu lado. E pegam em suas mãos. E dizem a você coisas que levam a alma ao êxtase. E questionam-no sobre o mundo, a vida, o amor, o sexo, a arte. Elas existem, acredite. E são poucas. 
Mas uma hora ficamos sozinho, porque temos de ficar sozinho. Deixem-nos com nossas frases, com nossos pensamentos, com nossas loucuras e devaneios, com promessas de que dias melhores virão.

Eu encontrava-me com um livro do Bukowski em mãos. Era Mulheres, cuja capa mostrava o corpo feminino despido. Então, o instrutor perguntou:

- O quê te levou a procurar um trabalho aqui? – indagou ele.

Permanecei lacônico. Fitei-o, e disse:

- Dinheiro.

- Dinheiro?

- Sim. Eu preciso de dinheiro.

- E você não pensa em crescer aqui dentro?

- Não.

Percebi que a aparência do cara mudara. Ele, de repente, ficou impressionado. Talvez eu tivesse sido sincero demais. Porém, eu senti que a maioria das pessoas, que estavam presente, queriam dizer aquilo, mas não conseguiam. Talvez tivessem medo do que pudesse lhes acontecer. Foda-se. Um cara com um livro na bagagem não quer ser condenado à monotonia, ele quer movimento, com confusão, caos. Ele aspira e prospera quando desponta no horizonte o barulho leve e sensual de uma guitarra. A gente liberta-se na arte. E ela é rebelde. E ela leva-nos para uma inspeção sobre a vida, sobre o mundo, sobre os detalhes que foram-nos impostos. É simples, meu caro. Siga as regras. Dance conforme a música. Sorria quando todos sorrirem. Interaja com idiotas. Seja um idiota. Sucesso garantido.

A receita para dar-se bem é simples. Contudo, dar-se bem não é sinônimo de inteligência. Um idiota pode ser bem-sucedido na vida. Eu conheci um par deles ao longo de minha breve trajetória. Eles gostavam de atrair olhares com suas retóricas murchas. E todos os olhavam. E eles sentiam-se num palco, cuja música causava-me asco e revolta e risos. Eu gargalho quando eles veem com seus ensinamentos. Ganhar dinheiro não significa nada. Quando somos contratados por alguma empresa, somos “beneficiados” com alguns cartões de crédito. Eles são aceitos em mercados e lanchonetes. Podemos comprar bebidas alcoólicas neles. Depois, reclamam que o consumo de álcool aumentou. Ora, o álcool é a droga que simboliza nosso estilo de vida. Alguém disse que podemos bebê-lo, e a gente passou a achar aquilo um máximo, sem pensar. Agora, experimente acender um baseado no meio da rua, às 13 horas. Provavelmente, a polícia chegará e irá lhe falar barbáries, e se você for um cara de sorte, poderá escapar sem levar nenhum murro na cara. Policiais, com uma arma na cintura, tem a errônea convicção de que são poderosos. Além de serem insensíveis.

Agora o natal chegou. E nas ruas o maluco quer um tostão para encher a cara. Uns compram e compram e compram e compram. Outros saem de suas camas, pela manhã, pensando em como irão se alimentar. A realidade é dura. Não podemos parar. Não podemos pensar. Sempre temos de estar preocupados com algo. Vivemos impulsionados pelo medo. Temos medo de apanhar o ônibus. Temos medo da polícia. Temos medo de ladrão. Paralelo a isso, precisamos nos alimentar, dormir, copular, beber, fumar. E no final não há tempo. O dia acabou, e a gente vai à cama dormir. E no dia seguinte o roteiro se repete.

Os dias são estranhos.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Um ensaio ao longo de L.A Woman

O mundo da criação. A gente o quer, e o quer agora. A gente não quer ir para nossos empregos monótonos. A gente quer escrever poesia, para ser declamada na rua, de madrugada. A gente quer viver, pura e simplesmente. Já que vocês ficaram com as melhores mulheres, deixem-nos em nossos quartos escuros, sozinhos, com as damas que sobraram e apenas uma folha em branco e um cigarro e um baseado e uma caixa de cerveja para nos acompanhar no emaranhado criativo e poético.

Ao caminhar pelas calçadas, percebo nas pessoas um semblante pálido. Ninguém mais quer viver. Todos querem ficar conectados, para poder postar fotos nas redes sociais. Tudo é fático, frívolo, superficial. Parece que a conversa olho-a-olha sumiu. As pessoas pegam seus celulares, e teclam. Resolvem problemas pessoais, com alguns cliques. Nos ônibus, na fila do supermercado, no taxi, na rua, na calçada; todos carregam um aparelho.

Jonathan Franzen, em Como ficar sozinho, contou que há vinte anos as pessoas tinham maços de cigarros nos bolsos. Hoje, ninguém fuma. O mundo virou careta. Allen Ginsberg soltou o nó da gravata da linguagem poética, nos anos 50, quando lançou Uivo. Van Gogh pirou, enchendo a cara de absinto. Nietzsche afirmou que deveríamos pensar a existência de Deus. Só que não pensamos a existência de Deus. Preferimos engolir Deus, o governo, a ordem, o sistema sem digeri-los.  A gente não pira mais.

Coloco L.A Womam, do The Doors. Jim Morrison diz para nos soltarmos no início do disco. Eu tento. Eu sinto que estou num daqueles textos. Toda ideia quando vem à cabeça tem pressa para sair. Ela pede incisivamente para ser jorrada para fora. Quando Morrison e Ranzarek decidiram fundar o Doors, em Venice, Los Angeles, em 1967, era uma ideia que precisava sair. Quando Henry Miller, aos quarenta anos, escreveu Trópico de Câncer, era uma ideia que tinha pressa em sair. Quando Rimbaud abandonou a poesia, era uma ideia que explodira.

O mundo é constituído por ideias. Porém, não as pensamos. Estamos preocupados com o amanhã, enquanto o agora passa bem em nossa frente e não fazemos nada, porque assistimos ao show de horrores, mostrados na televisão e propagados na internet. Hoje, crianças compram armas com os cartões de crédito dos pais. Hoje, as pessoas são seduzidas pela violência. E matam para ver o sangue escorrer.

Temos tanta preocupação. Temos que pensar em assalto, em comida, em dinheiro, em como sobreviver a mais um dia. E no final não há tempo para a criação. Mas precisamos da criação. Precisamos libertar a alma, e a libertamos através da arte, do ócio, das ideias. Viver é criar. O mundo clama por música, por cinema, por fotografia, por teatro. O mundo não precisa de novos Crepúsculos a serem escritos. O mundo angaria por energia. O mundo não aguenta ficar de gravata. É... fomos jogados nesse tabuleiro, sem saber. E não nos ensinaram como deveríamos montá-lo. Acontece que não queremos jogá-lo. Queremos abrir a janela, e olhar o horizonte e fumar um baseado, ouvindo o barítono de Morrison. Queremos transar, sem preocupação.

Poético Morrison. Ele fundou o Doors, depois de ver que a faculdade não lhe acrescentou nada. Estudou cinema, na UCLA (Universidade da Califórnia). Os professores admiravam-no, por conta da percepção que nutria sobre a natureza humana. Então, formou uma das melhores bandas de rock da história. Lançaram cinco discos memoráveis. Poesia, teatro, filosofia foram misturadas à bossa nova, ao flamenco e ao jazz. O resultado não poderia ser diferente: do caralho!

Em 1969, o conjunto teve de enfrentar o sistema judicial americano. Segundo Jerry Hopkins, em Ninguém sai daqui vivo – biografia de Jim Morrison -, o Doors chocava os bons costumes americanos em suas apresentações. Ray Manzarek, em Mrs Mojo Risin, documentário exibido pelo canal BIS, relatou que eles foram perseguidos depois do julgamento de Jim, em 1969, por exposição indecente. “O sistema nos prejudicou”, disse o tecladista. Eles tiveram, após o incidente, vários shows cancelados.

Morrison foi julgado. E nesse período, final dos 60, começo dos anos 70, escrevera alguns livros de poesia. O poeta e amigo Michael McClure os lera e disse que eram geniais. Jim gostara de ouvir aquilo. Morrison Hotel fora lançado. Era o retorno ao blues. Era o retorno às origens, que iniciaram em Morrison Hotel e que culminaram em L.A Woman.

Que puta som!

Bem, o que quero dizer com essas referências é: o mundo da criação não precisa de suas regras, de suas ordens, de suas imposições. Precisamos de sossego. E do caos. Queremos nosso quarto escuro. Queremos nossa guitarra. Queremos nossos discos. Vocês têm duzentas curtidas em suas fotos nas redes, vocês têm as mulheres mais belas, os melhores carros, os melhores celulares. A gente tem apenas uma carteira de Marlboro e, se der sorte, um baseado para fumar enquanto a ideia não bater à 
porta.

L.A Womam é um disco foda.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Estou farto

Estou farto
Das torres televisivas
E seu discurso persuasivo
Estou fato
Das falácias
Estou farto
De mediocridade
Estou farto
Das falsas ideias
Estou farto
Dos chavões e frases feitas

Eu quero flores em meu jardim
Eu quero sentar num banco na praça
E conversar qualquer coisa com o velho
Que viu toda a vida passar

Eu quero o ócio
Eu quero a luz
Eu quero viver
Eu quero o caos
Eu quero a confusão
Eu quero a cidade do amor
Eu quero a rua do amor

À noite saio de casa
E vou em direção à incerteza
De dia os homens de poder
Estão em seus trabalhos monótonos
Ninguém tem tempo. Todos vivem
Apressados, desvairados, frenéticos, lunáticos
Em seus ternos de mil reais

O burocrata chega em casa. Liga a tevê
Assiste o noticiário, e reclama:
“Porra”, grita, “tá tudo uma merda”
Mas ele esqueceu-se de que a merda
É apenas um detalhe na engrenagem

A torre televisiva contou-lhe sobre o mundo
E ele, sem questionar, achou a história convincente
O trabalho tomou-lhe todo o senso. O amor já não conhecia
Era um amigo distante, desconhecido



quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O resto que se foda

Loucura. Falam tanta essa palavra. Mas quem são os verdadeiros loucos? O artista que procura a solidão, o sossego, a tranquilidade? Ou o homem moderno, cuja vida é sem graça, sem esperança, sem perigo, sem tolice, sem emoção. O homem moderno prefere ficar trancado sob quatro paredes a estar na rua às três da manhã. O homem moderno não sabe o quê é conquistar uma mulher pelo diálogo. O homem moderno acha que sua vida é perfeita e sublime. Então, a escancara na internet. O jantar com um amigo. O beijo na namorada. O grito de bêbado, na madrugada. Tudo está lá, para todos se deleitarem, a qualquer hora. A vida tornou-se um espetáculo, mas não se sabe quem é o protagonista. Ninguém faz tolice. Ninguém tem estilo. Esses homens, reféns tecnológicos, são controlados pelos aparelhos celulares, e não sabem o quê é pegar a carteira e só encontrar uma cédula de dois pila. Nesses momentos só há você e sua velha máquina de escrever e seus discos de vinil e uma mulher – se der sorte. E ela observa-o, com as pernas cruzadas. O sujeito vem em sua direção. Senta-se em sua companhia. Começa a conversar qualquer coisa. Eles se entendem. Ela o entende. E ele pega a mão dela, e dá-lhe um beijo. Olho com olho. Perna com perna, embaixo da mesa. Os dois tentavam celebrar a vida. Os dois queriam a vida, e queriam-na agora. Mas não há dinheiro na carteira. Há apenas sonhos e devaneios na cabeça. Ele chega em casa, fétido da vida boêmia. Sua mulher mandou-o à puta que pariu. Ele pensou. E pensou. E pensou. Contudo, nada podia ser feito. Ele acendeu um cigarro. Fumou-o com a mente carregada de constatações. As palavras que habitualmente escrevia eram constatações sobre a vida. “Careta”, pensava ele, “o mundo é careta demais”. “Meus heróis morreram de overdose”, completava, cantando. As pessoas têm medo do amor. As pessoas querem segurar seus aparelhos de merda, querem falar sobre merda, querem ser uns merdas com alguma grana no bolso. Porque ser um merda com grana no bolso, não é como ser um merda liso. Um homem sem dinheiro sabe que o materialismo patético deixou-nos tolos e idiotas. Agora, a gente acredita que nossas vidas são interessantes, que nada ao nosso redor vale a pena. E aí, um sentimento de medo nos ganha. Somos direcionados à mediocridade, à tolice, às frases feitas e chavões. Sócrates não era medíocre. Nem Nietzsche, nem Rimbaud, nem Henry Miller, nem Kerouac, nem Bukowski; eles tinham consciência, por isso viviam a vida plenamente e unicamente. Não há outra vida. Há o aqui e o agora. Essa é a única certeza de nossa existência. Satre era sábio: “A essência precede a existência.” Primeiro, devo existir. Depois, viverei.  O resto que se foda.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Brasil é preto e branco

O Timão entrou em campo com oito jogadores diferentes. Time misto. Tite estava tranquilo. E o jogo começou calmo. Nós, os corintianos, tivemos de conviver durante o ano todo com falácias sobre do futuro da equipe. Quando Emerson e Guerrero saíram, setores da imprensa esportiva diziam que o Corinthians brigaria para ir à Libertadores. Que engano! O time evoluiu. Melhor campanha em casa. Melhor fora. Melhor defesa. Melhor ataque. Time mais disciplinado. A primeira penalidade máxima que o Timão cometeu na competição foi contra o São Paulo, no último domingo. O pênalti, uma invenção do assoprador de apito, foi defendido por Cássio.

Contra o Vasco, na última quinta-feira, 19, o Corinthians não tinha pressa. Rodava a bola de um lado para o outro, tentando envolver a equipe cruzmaltina. Em um lampejo de descuido da defesa corintiana, os cariocas marcaram o primeiro gol e correram para o abraço. O Timão saiu atrás no marcador, mas não por muito tempo. Tite mexeu na equipe, e logo em seguida o jogo estava empatado. E o São Paulo surrava o Galo, sem saber que seria surrado no final de semana. Bem, a taça – que já tinha dono – caminhava, sedenta, às mãos de Ralf.

Dei um gole em minha cerveja, quando o Vasco fez o primeiro gol, e disse:

- Que merda!

- Gol? – perguntou minha mãe.

- Sim... e do Vasco – falei, com minha lata de Bavaria em mãos.

Nesta partida Renato Augusto aparentava cansaço. O meia havia jogado pela Seleção, 48 horas antes. Eliás, também. Ambos encontravam-se esgotados, aturdidos. Erravam passes que não eram habituais. Então, o brilhantismo de Tite veio à tona. Ele sacou Renato Augusto e colocou Rodriguinho. Imediatamente, o Timão mudou a postura. Parece que de repente o time acordou e gostou do jogo e queria fazer o placar e conquistar o título. O São Paulo fazia a sua parte, no Morumbi. O brasileirão é nosso. O triunfo é nosso. A glória é nossa. O grito é alvinegro. As ruas são alvinegras, noite à dentro.

- Festa na favela! – gritei, na janela de casa.

Um cara berrou:

- Roubado!

- O choro é livre, amigo – eu disse.

Ele parecia não simpatizar com Corinthians. Depois eu descobri o porquê: o sujeito era santista. Eu, bêbado, bradei-lhe:

- Santos o caralho, lugar de peixe é dentro do aquário.

O cara não respondeu nada. Acendi um cigarro, e segui contemplando a televisão. E logo eu que não assisto tv estava vidrado na tela. A massa preta e branca. Meu time. Time do povo. Time da democracia. Os malucos são corintia. Os maloqueiros, que não tem dinheiro para pagar a passagem de ônibus, são corintia. O tio do bar é corintia. O cara na esquina, que fuma seu baseado, é corintia. Ser corintiano é ser contaminado pelo corintianismo. E não há cura! Fazemos um tratado. Mesmo que a bola não entre. Mesmo que o estádio se cale. Mesmo que o centroavante erre o gol. Mesmo que a zaga falhe. Nunca vou te abandonar, porque eu te amo. Eu sou Corinthians. Como diz Adoniran Barbosa: “É bom ser alvinegro”.

Analisei a conjuntura, após a partida. Peguei a tabela do campeonato, visualizei que o Timão enfrentaria, no jogo da taça, um de seus maiores rivais. O São Paulo briga por vaga na Libertadores. E não vai querer amolecer para um Corinthians sem ambições na competição. Para completar: Tite vem a campo com o time misto.

Eu estava no trabalho. Não podia fazer quaisquer manifestações futebolísticas. Mas como não fazê-las? Meu time era campeão. A massa alvinegra estava nas ruas. A massa alvinegra grita, das ruas. E eu, em meu trabalho, não podia dizer um ”vai corintia”? Porra, tenha dó. Fiquei todo o jogo vibrado na televisão. Meus colegas não entendiam aquele ritual corintiano. E nem vão entender. Apenas os loucos conhecem-no.

- Eles querem mostrar serviço – comentou um colega, corintiano, sobre os reservas.

O Timão pressionava o São Paulo.

- Vai dar corintia – falou um outro.

- Não tenha dúvida – disse-me ele.

Não conseguíamos concentrar-nos no diálogo. Ambos estávamos com os olhos presos à televisão. Todo lance, toda jogada, era um suspiro dado. E um grito preso na garganta, que pedia para sair.
Quando marcamos o primeiro gol, após cobrança de escanteio, vociferei:

- Aqui é coríntia – e apertei a mão dos colegas sofredores.

- Vai ser seis – um constatou.

Não acreditei. Seis no São Paulo? Não é possível.


E não é que foi. O Brasil é preto e branco.  

(Texto publicado no Diário da Manhã, em 27/11)

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Que música!

A música. Consolo da alma. Inspiração do poeta. Refúgio dos desajustados. Ouvimos e produzimos, em todos os instantes, algum barulho. O grito da mulher chegando ao clímax. O solo de guitarra do músico que encontrou a nota certa. A chuva que cai no chão. O miado do gato pedindo comida. O quê seria do mundo sem música?

Outro dia, eu caminhava pelas ruas à procura de um bar. Havia um cara, tocando violão, no meio-fio. Ele mandava O dia em que a terra parou, do Raul. Parei, e observei-o. Os acordes penetraram em minha alma.

Quando acabou a música, ele pediu-me um cigarro. Dei-lhe:

- Valeu – disse ele.

- De nada – falei. – Cê toca pra caralho, bicho.

Era um maluco. O cara tinha uma bandana à lá Hendrix na cabeça, anéis no dedo e um violão folk todo esfarrapado.

- Todos acham que sou louco.

- Os melhores são loucos – falei.

Acendi um cigarro. Ele também.

Terminei de fumar. Apertei a mão dele, e despedi-me. Como pode haver pessoas que conseguem ficar sem ouvir um som? A música é a reprodução da vida, disse Shopenhauer. Não há como evitá-la. Não podemos evitá-la. Mas a evitamos. O mundo submete-nos a situações robóticas. Temos, todos os dias, de cumprir horário. Segundo pesquisa divulgada pela Globo News, 92,5% da população brasileira não costuma ir a exposição de arte. E o mais trágico: 70,1% não leem sequer nenhum livro.

E o maluco veio em meu encontro, e perguntou:

- Cê pode me arrumar mais um cigarro?

- Claro, bicho – falei.

Eu podia ver em seus olhos a gratidão. Ofereci-lhe o isqueiro. Ele acendeu, jogou a fumaça para o ar 
e seguiu sua caminhada. Então, perguntou:

- Tá indo beber uma?

- Sim – respondi.

- Aonde?

- Porcão.

- Eu também.

Jamais cogitaria a possibilidade de que aquele maluco, que mandava um Raul, encostado no meio-fio, iria ao Porcão. Somos induzidos a crer em dogmas falaciosos sobre as pessoas. Não podemos olhar um negro, ou um maluco. É imediato: “Marginal. Filha da puta. Bandido”, pensamos.

Deplorável.

Viramos a esquina. Um cheiro familiar veio das mesas. Era maconha. Procurei Raphael, porém não o encontrei. Então, pedi uma cerveja e esperei-o. De repente, ele chegou. Sentou à mesa e fez algumas de suas piadas habituais. Eu falei-lhe sobre o maluco que tocava Raul, no meio-fio.

- Vamos chamar o cara pra fumar um? – sugeriu ele.

- Acho que não vai dar. Olha lá – respondi, meneando a cabeça.

Ele tocava Stairway to Heaven. Todos admiravam-no. Que música!


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

As mulheres

Mulheres. Uma beleza! Elas arrastam olhares ao caminhar. Os cabelos balançam com o ritmo do andar. E os homens ficam vidrados. Seres desprezíveis, insensíveis, os machos. As mulheres sabem o quê fazer, sabem o quê tem de feito, sabem que os machos olham-nas, sabem que são poesia em carne e osso. Os machos olhamos mesmo. Olhamos porque não há nada melhor. Não há nada melhor que uma dama neste mundo. “Elas equilibram o mundo”, disse Truffaut – o cara que nasceu para filmar o amor.

Todas são especiais. Elas guardam dentro de si algo que as diferenciam uma das outras. As mulheres são seres únicos. Elas vêm ao mundo para sofrer. E sofrem. Além da pressão da sociedade, os homens fazem-nas sofrer, com seus discursos de quem durante séculos foi o beneficiado. Elas começaram a votar no Brasil, em 1932. E ainda dizem que a luta por igualdade é pura balela de feminista. Discurssão que bradamos no bar, no final de semana. Eu penso o contrário. O feminismo busca igualdade de gênero. Não podemos condená-las, por quererem igualdade de gênero. Segundo reportagem de O Globo, as mulheres recebem 35% a menos que os homens. E, se ainda não bastasse, elas têm de enfrentar a lógica dos empresários, que preferem não contratá-las, por serem, simplesmente, mulheres. “Elas não sair em licença maternidade, e a gente que terá de arcar com os custos”, pensam.

Sábio Bukowski - o velho safado: “As mulheres vêm ao mundo para sofrer”.

Mudando de assunto. Lembrei-me de uma canção do mestre Jorge Ben Jor. “A crioula é a soma de todas as riquezas”, diz Jorge, em Crioula, canção que íntegra o álbum Jorge Ben, lançado em 1969. A crioula tem o molejo, a ginga, o sorriso, que fisga-nos e deixa-nos paralisados. A ruiva é o verdadeiro fogaréu. A morena têm cabelos negros cintilantes, que protegem-nos da escuridão. A loira – clichê -, mas bela, tem a postura de rainha. A coroa a experiência, o olhar lascivo, o laconismo de quem muito viveu. Todas são belas. O poeta abre o livro, escreve versos, declama-os porque há uma mulher. O bêbado dá um tempo em seu trago, para uma mulher. O mundo para, de queixo caído, ao ver uma mulher.

Em L'Homme qui aimait les femmes ( O homem que amava as mulheres), Bertrand diz que toda vez que olha uma mulher feia entende que não é possível ter todas. O filme é famoso pelos ângulos de câmera do diretor francês, cuja devoção pelos sexo feminino fica evidente em várias entrevistas que concedeu ao longo da carreira. Bertrand, ainda, questiona: “Por que ter apenas uma, se posso ter todas?” O personagem morreu no final da obra, por causa de uma dama. Ele estava internado num hospital e entrou uma enfermeira em seu quarto. Bertand ficou em êxtase, caiu no chão e em seguida morreu.

Não há a mulher. Há as mulheres. 

sábado, 21 de novembro de 2015

Equilíbrio do mundo

E eu que a vi cruzar meu caminho. Estava sentado, matando o tempo, fumando um cigarro atrás do outro e bebendo uma cerveja atrás da outra. Ela chegou, e sentou-se. Fiquei olhando-a. “Quanta beleza”, pensei, medindo seus um metro e cinquenta e cinco de formosura e delicadeza. Ela tinha uma voz leve e afável. Sua alma também era de uma garota sensível. Quanta beleza! Ela foi esculpida a dedo, avaliei. Porra, enquanto algumas são grandes nos lugares errados, ela era perfeita. Pequena nos lugares que tinha de ser. E grande nos lugares certos. Cabelo negro cintilante. Pele branca. Sorriso espontâneo no canto da boca. Eu apenas ouvia-a. Suas queixas, seus medos, suas amarguras, suas angústias. Ela não sabia como lidar com estes problemas. Não sou muito bom em dar conselhos, mas senti-me com o dever de falar-lhe algo. Logo eu - que sempre tenho alguma piada na ponta da língua. Só que eu conto-as para vê-la sorrir. Eu gosto de vê-la sorrir. Eu gosto de penetrar em suas pálpebras. Eu gosto de tentar sua desvendar a alma.

Ela continuava sentada. Aproximei-me, puxei uma cadeira e ofereci uma bebida. Ela disse que não bebia. Compreendi, e não insisti. Pensei em acender um cigarro. Mudei de ideia. Se ela não bebia, provavelmente não fumava. E depois, descobri que estava certo em minha constatação. Ela não fumava. Ela cantava. Ela cuidava da voz. Parabenizei-a, e falei que escrevia e por isso não tinha muitos cuidados físicos. Expliquei-lhe que tinha apenas cuidados intelectuais. Na verdade, a parte boa de um escritor vive no papel. A outra é desprezível. Se jogá-la fora, ninguém dará falta. Percebi no fundo da retina dela um olhar curioso. Ela queria perguntar-me algo, mas não o falara. Talvez por sentir-se retraída. Talvez por que não queria. Foda-se. Eu queria apenas prestar atenção nela. Pouco me importava o quê o cara da mesa ao lado falava de mim.

A gente conversou. E conversou. Demos voltas por vários assuntos. Perambulamos em música, cinema, literatura – arte em geral. Ela revelou-me que é fã devota de artes plásticas. Mencionei alguns nomes. Disse que Salvador Dalí desafiava a mente humana. Ela acenou, concordando. Abriu um sorriso, e falou:

- Tenho de ir embora.

- Mas já? A conversa tá boa.

- Concordo.

- A gente se vê.

- Espero – disse eu.

Fiquei sentado ali, por alguns minutos. Pensei na vida. Pensei nas escolhas que fiz. Pensei nas escolhas que não fiz. Pensei nas mulheres que passaram pela minha vida, e de alguma forma marcaram-na, fazendo valer a pena cada segundo vivido. Lembrei-me da primeira foda. Lembrei-me da primeira chupada que ganhei. Lembrei-me da primeira vez que chupei uma mulher. Lembrei-me da primeira vez que fiz uma mulher gozar. Sensação inenarrável. O momento dos momentos. 

Naquele dia, senti a plenitude feminina. Como as mulheres se libertam ao transarem. Elas se entregam. E gemem. E são carinhosas. Elas equilibram o mundo, com seus andares melódicos e lastros, como ponderou Truffaut – o sujeito que nasceu para filmar o amor.

Então, levantei-me da mesa. Paguei a conta. O preço da cerveja havia subido. Resmunguei alguma coisa. O cara não gostou, e deu de ombros. Agora, sim, acendi um cigarro. E segui minha caminhada solitária. Um bêbado que ama as mulheres. Um bêbado que grita os versos de Jim Morrison, às duas da madrugada. Um bêbado que busca a melhor frase, o melhor verso, o melhor momento. Um bêbado que vive e ama e admira o sexo feminino. Simplesmente, um bêbado qualquer.


As mulheres vêm ao mundo para sofrer. 

(Texto originalmente publicado no Diário da Manhã, 22/11)

sábado, 14 de novembro de 2015

Dom Corlene do futebol enfrenta justiça americana



José Maria Marín sente a justiça americana em seu pé. Mandatário do futebol brasileiro, seu currículo é invejável. Durante a ditadura, foi acusado de contribuir com a morte do jornalista Vladimir Herzog – morto em 1975, em circunstâncias misteriosas, na sede do DOPS, em São Paulo. Na época, ele era deputado estadual pela ARENA - partido que sustentava a ditadura. Alguns anos depois, em 1978, chegou a ser vice-governador de São Paulo. E na década de 1980 viveu nos bastidores da política paulista.

Na juventude, jogara no São Paulo, como profissional, por cinco anos. Só que ele não tinha aptidão para o esporte bretão e, então, elegera-se vereador, nos anos 1960. Aí começou sua carreira política. Depois, passou para o futebol e foi presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), entre 1982 e 1988. Neste período, foi chefe da delegação da seleção brasileira na Copa do México, em 1986. Após o mandato de Ricardo Teixeira, na CBF( Confederação Brasileira de Futebol), sucedeu-o à frente da entidade, chegando a acumular o cargo de presidente da entidade e membro do COI (Comitê Organizador Local).

Em 12 de janeiro de 2012, foi alvo, novamente, de piada. O mandatário embolsou uma medalha durante cerimônia de premiação, após a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior. O ato foi flagrado pelas câmeras da tevê Bandeirantes, e transmitida em rede nacional. Em 27 de maio de 2015, não teve como escapar. Segundo o The New York Times, policiais à paisana invadiram o hotel em que Marin estava hospedado e prenderam-no. Os investigadores chegaram a dizer que os acusados – e entre eles estava o ex-mandatário – movimentaram cerca de 150 milhões de dólares – algo em torno de 470 milhões de reais –, em esquema que existia há 24 anos. Os negócios do grupo envolviam diretos de transmissão em campeonatos na América Latina.

Nesta terça-feira, 3, Marin foi deportado para os Estados Unidos, depois de permanecer cinco meses preso, na Suíça. Ao desembarcar em Nova Iorque e foi acusado, oficialmente, de fraude, lavagem de dinheiro e conspiração. A pena pode chegar a 20 anos.

O julgamento aconteceu no Tribunal Federal, no Brooklin. Vestindo um suéter azul claro, Marín aparentava cansaço. Ele declarou-se inocente da acusação de que havia recebido 15 milhões de dólares, em propina. Ao sair do tribunal, acenou para jornalistas, dizendo que não iria dar entrevista.

PRISÃO

Cercado de grifes e vizinhos famosos. É assim que José Maria Marín vai enfrentar seu julgamento. Contudo, desta vez sua chegada aos EUA se contrasta com a que teve em 2011 e 2012, quando a Casa branca homenageou-o -  porque era o poderoso da Copa do Mundo. Agora, o enredo é diferente. O Dom Corleone do futebol brasileiro tem, em seu enlaço, o FBI.


Com vista para a Quinta Avenida, seu imóvel em Nova Iorque é estimado em 2 milhões de dólares. Ele possui o apartamento desde 1984, quando ainda era Presidente da Federação Paulista de Futebol. O prédio têm 68 andares, e é um dos mais cobiçados da cidade. Segundo jornalista Jamil Chede – Repórter do Estadão e colaborador dos canais ESPN -, Marín vai ter como vizinhos o ator Bruce Willis e o astro português Cristiano Ronaldo. De acordo com o jornalista, na Suíça, Marín dizia que queria apenas dormir em sua cama. “Vou dormir na minha cama e tomar um banho de ducha”, dizia o ex-chefão.     

(Texto originalmente publicado, ontem, no Diário da Manhã)

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

“Há coisas que são conhecidas e coisas que são desconhecidas, e, entre elas, há portas", dizia Jim Morrison

Capa do livro "Ninguém sai daqui vivo", escrito pelo jornalista Jerry Hopkins

“O melhor poeta da sua geração”. Assim o poeta e dramaturgo beat Michael McClaure descreveu Jim Morrison. Leitor voraz, Jim era uma criança tímida e acima do peso. Ao entrar no curso de cinema da UCLA (Universidade da Califórnia), o seu mundo mudou. Perdeu peso, deixou os cabelos crescerem e ganhou uma áurea sensual. Na faculdade, os professores admiravam-no. Jim despontava como intelectual. Os colegas diziam que ele tinha um conhecimento acima da média sobre a natureza humana. Conheceu Ray Manzarek, colega de faculdade, e o resto é história do rock and roll.

Ray Manzarek, Robby Krieger, John Desmonre e Jim Morrison formaram o The Doors. Manzarek ouviu Jim cantar Moonlight Drive, em Venice, Los Angeles, e disse que aquela era a melhor letra de rock que escutara. "Esta é a melhor letra de música que eu já ouvi. Vamos começar uma banda de rock e ganhar um milhão de dólares", disse o tecladista, no verão de 1965, quando Jim havia desistido da faculdade de Cinema. E eles iniciaram uma banda. E começaram a percorrer o circuito underground de Los Angeles. E começaram, também, a chocar os espectadores, sobretudo quando os Doors executavam The End – clássico edipiano -, cujos versos “Pai, sim filho ? Eu quero te matar”, “Mãe, eu quero te foder”, causavam asco e revolta no público. Estes versos remetem a Édipo Rei – clássico da tragédia grega.

Eles lançaram o primeiro disco, The Doors, em 1967. No álbum tinha Light my fire – primeiro single dos Doors. A música foi escrita por Robby Krieger (guitarrista). Aí, eles foram aos programas de televisão, e arranjaram um problema com Light my fire, na CBS. A direção da emissora sugeriu que a banda alterasse um verso da canção que fazia alusão aos alucinógenos. A princípio, os quatro aceitaram a proposta, chegando a cantar a letra alterada num ensaio, antes do programa ir ao ar. Mas na hora agá, Jim cantou “Hey garota, nós não podemos mais ficar chapado.” A reação não podia ser diferente: A direção da emissora disse que os Doors não tocariam mais na CBS. E eles ficaram sem ir a programas de tevê por anos. E eles nunca venderam uma música para comercial de automóvel. Mesmo assim, os Doors venderam 100 milhões de cópias por ano. E ainda vendem 80 milhões de cópias por ano.

Jim era erutido. Sabia frases de William Blake, Nietzsche e Rimbaud na ponta da língua.  Talvez o destino colocou-o no mundo da música, por acaso. Mas o fato é que seus versos transcenderam os anos, tornando-se eternos. Alguns veem Jim apenas como uma estrela do rock, que um dia queimou e foi embora. “Há coisas que são conhecidas e coisas que são desconhecidas, e, entre elas, há portas." Jim passou abriu a porta, e passou para o outro lado.

Texto publicado em 23/11/2015 no Diário da Manhã

domingo, 8 de novembro de 2015

Poesia não precisa ser em verso

Ela era uma leoa
Com seus cabelos pretos cintilantes
Que iam até a cintura. Ao passar
Desfilava beleza. Era inevitável não
Olhá-la

Quando a vi
Quis apenas
Trocar-lhe a pele branca.
As palavras saiam
Com dificuldade de minha boca
Na maioria das vezes
A gente nem conversava. A parte boa
De um escritor encontra-se no papel. A outra
Pode ser jogada no lixo
Que ninguém irá sentir falta

“Cê é um cara engaçado”, me disse ela

Talvez eu não seja
Engraçado. Talvez eu seja
Apenas um idiota
Com frases poéticas
Na ponta da língua

Ela era uma poesia
Eu conseguia encontrar
Poesia nela, sem esforço. Encontrava poesia
Em seu andar. Encontrava poesia
No desenho do seu corpo. Encontrava poesia
Em todo o resto

A poesia não
Precisa ser em verso. Poesia
Precisa ser sentida
A poesia é o consolo do poeta
Que fica trancado num quarto escuro
Esperando o momento certo
Para começar a bater na máquina


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Cê pode me dá um cigarro?

Ele puxou um cigarro do seu maço de Marlboro. Ela arrastou a cadeira, e sentou-se. Ele bebia longos tragos de sua birita – um Passaport com Antarctica. Ela fitava-o, tentando entender o que se passava pela mente dele. Ele buscava o paradoxo. Ela o pragmatismo. Ele queria apenas um bar para afogar as lágrimas, quando os versos não saírem , e o mundo não entender-lhe, e as horas passassem rapidamente pelos ponteiros do relógio. Ela queria um refúgio nas horas de solidão. Ele queria beber mais uma dose, nas horas de solidão.

- Quando você vai procurar fazer algo decente? – disse ela.

- Não existe nada decente pra ser feito.

- E isso é o melhor que tem.

- Sei lá.

- E o quê você sabe?

- De nada.

- De nada?

- Só sei que nada sei – disse ele.

Ela não gostou da resposta que saiu da boca dele. Ele pegou a garrafa de cerveja que estava em sua frente, e encheu seu copo. Ela retornou. Ele seguiu em seu ritual.

- Cê bebe tentando expressar algo.

- Mas não é nada.

Ele levantou da cadeira. Foi até o caixa, pagou a cerveja e retornou à mesa.

- O que foi fazer? – perguntou ela.

- Pagar a conta.

- Mas já?

- Não há nada pra se fazer aqui.

- Como?

- Não há nada pra se fazer aqui – repetiu ele.

As sobrancelhas dela subiram e desceram. Ela abriu um olhar contestatório. E ele seguia caminhando na frente dela, pelas calçadas. E ela resmungava algo.

- Porra – bradou ela -, a gente não fode, a gente não bebe, a gente não faz nada.

- Eu gosto de nossa vida.

- Cê é parado demais... cê é vibrado demais na tua poesia.

Os dois entraram no carro. Ele ligou Black Sabbath. Ela desligou o rádio.

- Agora até a minha música cê deu de controlar?

- Quem disse que isso é música?

- Ah, esqueci que música pra você é somente aqueles chatos do século XIX.

Ela deu um suspiro profundo, e disse:

- Música é música. Merda é merda.

- E Black Sabbath é merda?

Tommy Iommi solava.

Os dois cessaram a discussão. Ele puxou outro Marlboro do maço.

- Posso te pedir um favor?

- Sim – respondeu ele.

- Cê pode me dá um cigarro?

(Texto originalmente publicado no Diário da manhã)


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Ensaio sobre a vida, a morte, a sexualidade e a arte

A gente vive pensando na morte. O quê faremos amanhã? Será que as luzes vão se apagar? Será que eu vou conseguir terminar este texto? A gente têm alguns minutos de excitação sexual, e logo voltamos à rotina maçante e monótona, imposta pelo capitalismo. Em nossas cabeças só há “produção em série”. Ou “produzir para ser alguém”. Dizem por aí que o trabalho dignifica o homem. Mas não seria o ócio- o pai de todas as artes – que dignifica e sensibiliza o homem?

O filosofo Epicuro acreditava que o prazer e a dor são à base do sentimento humano. A dor seria o mal, enquanto o prazer seria o bem. Epicuro discorria sobre a morte, afirmando que o ser humano conseguirá viver em paz quando aceitar a morte, que simboliza, apenas, o fim da consciência. Por isso ela não pode ser emocionalmente dolorosa. A morte é a libertação da alma, sobre o plano existencial. É o fim, amigo, como diz a canção do The Doors.

A existência proporciona-nos experimentar algumas sensações. A cada orgasmo, temos a convicção de que deixamos a nossa marca na vida. Gritamos, porque parece, por alguns minutos, que somos eternos, e temos de gritar. Mas a moralidade e os bons costumes conseguiram transformar a nudez em algo banal, feio, obsceno. Henry Miller fora denominado como pornográfico, ao escrever a trilogia A crucificação encarnada. Nelson Rodrigues satirizava, em suas peças teatrais, os costumes da sociedade burguesa, como bem o fez em Toda nudez será castigada. Foi tido como louco, pela imprensa brasileira.

Só que a sociedade burguesa quer o trabalho rotineiro. A sociedade burguesa não permite a vida plena e criativa. Não é necessário criar, para eles. Na verdade, se você conseguir reproduzir o que querem, melhor. Eles vendem para você uma falsa noção de estabilidade, através de um salário no final do mês. Mas quem disse que queremos ter esta estabilidade? E se quisermos encher a cara, nos bares baratos? Deixem-nos com nossos poemas baratos, em nossos bares baratos, em nossa vida simples e incerta. A vida é incerta, meus amigos. A vida é um palco, cujos atores somos nós. A qualquer hora o enredo poderá chegar ao fim. E as luzes irão se apagar.

A gente quer gozar no ventre feminino. A gente quer contemplar e amar a beleza feminina. William Blake era sábio quando disse que o corpo feminino é a mais bela das obras de arte. Eles geram vida. Eles incendeiam prazer. Eles equilibram o mundo, como falara Truffaut, em O homem que amava as mulheres. Mas a lógica cristã culpa-nos por uma trepada libertadora. Contudo, os homens só vivem na bondade e negam que a forma de um povo está expressa no corpo humano. “A forma como um povo se expresssa nas palavras, no corpo, nos gesto é a maneira como ele se expressa na política e no social que consitui uma nação.”, disse Wilhelm Reich, discípulo da psicanálise freudiana.

Sábio Reich. Já Carl Jung, psicanalista que influenciou o filme oito e meio, de Fellini, acreditava que a mulher é um ser perturbador. “Ela própria, enquanto elemento perturbador, é perturbada”. Ele, ainda, afirmava que elas transformam e iluminam as vitimas da confusão, tornando-se o centro dos acontecimentos. “Como elemento transformador, ela mesma se transforma e o clarão do fogo que acende ilumina e clareia todas as vítimas da confusão.”

Gustave Coubert, em L’origine du monde, não escondera o corpo feminino. Pintara uma vagina. Aquilo chocara os moralistas franceses, que tomados pela lógica cristã acreditavam que o corpo deveria ser escondido e odiado. Edmund Monet, em seu quadro Olympia – nome escolhido pelo poeta Charles Baudelaire -, também pintara as curvas femininas. Como dissera Freud: “Os órgão genitais, cuja visão é sempre excitante, dificilmente são julgados belos; a qualidade da beleza, ao contrário, parece ligar-se a certos caracteres sexuais secundários.”

Henry Miller num trecho de Sexus – primeiro volume da obra A crucificação encarnada -, disse que a mulher esconde entre as pernas o paraíso do mundo. Miller fora um rebelde. Ele renegou toda a ordem imposta. “O poeta é o sacerdote do invisível”, definiu, brilhantemente, Wallace Steves. Miller fora um sacerdote que poetizou e viveu e amou. Amou a vida, acima de todas as coisas. Miller vivia para contar histórias, e não para colocar tostões nos bolsos. Tanto que em vários trechos de Plexus – segundo volume da obra A crucificação encarnada -, ele conta suas façanhas para conseguir dinheiro. Ele não preocupava-se com o que iria comer. Ele apenas queria viver plenamente e unicamente, como o seu mestre Rimbaud, que abandonou a poesia aos 19 anos, para ser traficante de armas na África.

A gente quer ver o sol nascer, sem compromissos banais e insignificantes. A gente quer a poesia. A gente quer o mundo, e o quer agora. Ainda temos tempo de amar e ser amado, cara. O espetáculo não acabou. O ator ainda está no palco, encenando e declamando o horror. Mas ele pode mudar este enredo. Ele pode declamar a poesia dionisíaca - a poesia do sofrimento e da libertação. Estamos perdendo tempo, indo para empregos inúteis, trabalhando oito horas por dia, todo dia. A gente precisa do teatro, da dança, da música, da poesia; a gente quer o teatro, a dança, a música e a poesia todo dia.

(Texto originalmente publicado no Diário da Manhã, em 25/10)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

A ressurreição dos barões

Capa
Título: Na calada da noite

Grupo: Barão Vermelho

Gravadora: Warner Music

Ano: 1990

Cazuza era o vocalista do Barão Vermelho, quando o grupo se apresentou no primeiro Rock in Rio, em 1986. Meses depois, ele anunciou sua saída da banda. Frejat, Dé, Maurício Barros e Guto Goffi lançaram Declare Guerra, em 1986. Deste álbum, apenas uma música, Torre de Babel, tocou nas rádios. Em contrapartida, Cazuza lançou, em 1985, Exagerado e foi bem recebido pelo público. Os barões, nesta época, nem sabiam quem ocuparia o lugar deixado por Cazuza. Após votação, Frejat foi o escolhido. “Eu já era acostumado a cantar as músicas, porque Cazuza me entregava à letra, e eu musicava”, disse o cantor e compositor, durante entrevista, no Programa do Jô.

Só se for a dois saiu, em 1987. Cazuza flertou com uma musicalidade mais leve. “Eu me tornei cantor de churrascaria”, falou o poeta, à época. Já o Barão caminhou mais para o blues. Rock in geral tinha uma pegada bluseira, como pode ser visto na música de trabalho, Quem me olha só. “É o álbum mais injustiçado da história do rock”, comentou o baterista, Guto Goffi. Segundo o livro Por que a gente é assim, biografia da banda, Rock in geral vendeu apenas 15 mil cópias. Enquanto isso, Cazuza caminhava à MPB. E o Barão queria o retorno ao cenário de sucesso, que antes lhes pertencia. 

No ano seguinte, o Barão gravou Carnaval. O disco tinha o hit Pense e dance, que estava na trilha sonora da novela Vale tudo. Neste período, Cazuza foi a Boston tratar a AIDS. O cantor já era soropositivo e sofria repúdio de parte da imprensa. Ele foi ao Jô Soares e Onze e Meia e disse que cuspiu na bandeira do Brasil, durante um show. “Um monte de gente me parabenizou, dizendo que também queria fazer aquilo”, disse ele, segurando um cigarro entre os dedos e com um leve sorriso no canto da boca.

O Barão, após o sucesso de Pense e dance, conseguiu uma oportunidade de abrir a turnê de Rod Stewart, pelo Brasil, em 1989.  Neste mesmo ano, o grupo lançou o visceral Barão Ao Vivo – disco que contém os maiores clássicos do grupo e uma versão pesada de Satisfaction, dos Rolling Stones. No disco, a banda contava com outro guitarrista, Fernando Magalhães – fã de The Who. Para o produtor musical Ezequiel Neves, “a energia de Frejat e Fernando podem iluminar uma cidade de até um trilhão de habitantes”.

Mas o retorno definitivo às paradas de sucesso veio apenas em 1990, com o disco Na calada da noite. O poeta está vivo é um símbolo deste álbum “O poeta está vivo é um dos maiores trabalhos do meu ofício, da minha obra”, afirmou Frejat. Para Guto Goffi, o solo de Fernando Magalhães é um dos maiores do rock nacional. “O solo do Fernando é, tranquilamente, um dos doze maiores do rock nacional”, disse o baterista. Frejat conta que compôs a letra, sem nenhum bloqueio, mas disse que tentou várias vezes criar o solo, só que nunca achava que estava bom. “Tentei umas três, quatro vezes e nunca ficava legal”, disse o guitarrista. “Aí o Fernando o tocou, e ficou lindo”, completa. 

Na calada da noite, ainda, contou com a visita de Cazuza, nos estúdios. Ele chegou acompanhado de seu segurança particular. Aí, ouviu o disco e conversou com os barões. “A gente sabia que seria uma despedida”, contou Guto Goffi. O poeta está vivo se tornou uma homenagem póstuma ao cantor. Até hoje, a canção é indispensável nos shows do Barão. Cazuza morreu em 7 de julho de 1990, após complicações causadas pelo vírus HIV. Na calada da noite chegou às lojas alguns meses após a morte de Cazuza. 

Contracapa
O Barão era:

Roberto Frejat: Voz, Guitarra e Violão

Fernando Magalhães: Guitarra e Violão

Dadi: Baixo

Guto Goffi: Bateria

Maurício Barros: Teclado e piano

Peninha: Percussão


Na calada da noite (álbum completo):



Marcus Vinícius Beck

sábado, 3 de outubro de 2015

Isso matou Dylan Thomas

Penso. Meu ofício é escrever. Escrevo para me salvar. Escrevo porque tenho medo. Escrevo, simplesmente. Que mal há nisso? Sorriso do poeta. Brilho da noite. Uivo da guitarra. A garota passa ao meu lado. Sinto seu odor entrar em minhas narinas. Fecho os olhos, e procuro fotografá-la em minha mente. Logo em seguida, tento reproduzir as imagens. Verdadeira poesia. Caminho pelas calçadas à noite, com um cigarro entre os dedos. Nada pra fazer. Os bares estão fechando. Eu tenho apenas algumas moedas nos bolsos pra garantir um conhaque de dois conto. Um homem precisa de um trago, assim como precisa de uma boceta. Um homem sente a vida, os desesperos, as pressões, as angústias, o grito. Puramente, o grito. Abra a janela. Coloque a cabeça pra fora. E grite. Grite. Grite. Dionísio bebia vinho. Shakespeare fumava maconha. Oscar Wilde degustava a fada verde. Jim Morrison enchia a cara e recitava poemas. Os loucos. Eu gosto dos loucos. Gosto de andar no meio da rua às cinco da madrugada. Declamo poemas, em lugares monótonos. Preciso de um som. A vida precisa de um som. O mundo precisa de um som. Um carro passa ao meu lado com o farol ligado. Ninguém entendeu a música. E os dias acabarão. E todos ficarão parados, esperando por frases feitas, esperando por histórias. Mas não há histórias. Em algum lugar erramos, mas não temos consciência aonde foi. Buscamos respostas. E desistimos das conclusões. Ligamos a tv. Recorremos à rede. Estamos conectados. Tudo é virtual. Isso matou Dylan Thomas. 

domingo, 27 de setembro de 2015

POÉTICA EMBRIAGADA

Tenho em meus olhos a mentira, o medo, a incerteza, a covardia. Vivo, simplesmente. Os deuses escolhem os bons pra morrer. Eles mentem. E vivem. E fodem. Ligue o som, cara. Sinta a música na noite, como Schopenhauer. Embriague-se sem pressa, sem pressão, sem motivos; apenas embriague-se de noite, de dia; simplesmente embriague-se de vinho, uísque ou maconha; puramente embriague-se de poesia e cinema. Apollo não era devoto do sofrimento. Dionísio sentia a dor e bebia vinho. Sócrates provocava a acrópole. Rimbaud fora à África. Van Gogh enlouqueceu. Um homem não consegue criar o dia todo.

Marcus Vinícius Beck

domingo, 20 de setembro de 2015

Merda também pode ser poesia

“Vou embora”, ela me disse

Acendi um cigarro
E pensei 
As pessoas
Entram
E saem de nossas vidas.
Os ponteiros caminham nos relógios. Eu sempre estraguei tudo
Agora uma garota loucamente linda
Saí pela porta da frente

Fiquei sentado em meu sofá, com minha garrafa de cerveja na mão
A vida é estranha
As pessoas são estranhas
O mundo é estranho
Um dia eu estraguei tudo
Um dia disparei palavras
Um dia ela falou que eu era um idiota
Mas
Sou um idiota que bebe e escreve alguns poemas vagabundos
Um idiota com argumentos na ponta da língua.
Um idiota que não gosta de Cold Play
Um idiota que não gosta de Emile Bronthe
Um idiota que gosta de Truffaut e Pink Floyd
Um idiota que gosta de rock progressivo

“Querida”, gritei

Ela virou a face:

“Não vá”, eu disse

“Eu preciso”, completou ela, entrando em seu carro

Os minutos pareciam travados no ponteiro
Imaginei as vezes que fodemos despreocupadamente
Na cozinha de casa.
Ela recostada na mesa. Eu beijando-a e metendo
Como num filme
Eu a vejo em minha cabeça. Teu beijo. Teu sexo. Meu pau em tua boceta
Passou, querida
Agora outro passará as mãos em teus cabelos
Enquanto eu abro
Mais uma garrafa de cerveja

Costumamos deixar os momentos irem embora
E depois
Escrevemos palavras
Que não traduzem o que sentimos
Merda
Merda também pode ser poesia
Viver é foda

Marcus Vinícius Beck

sábado, 19 de setembro de 2015

Cartas na Rua

Título: Cartas na Rua
Autor: Charles Bukowski
Tradução: Pedro Gonzaga
Editora: LP&M
Ano: 2013
Páginas: 192




Cartas na Rua é o primeiro romance do escritor Charles Bukowski. A obra narra, através da ótica de Henry Chinaski, o período em que Bukowski trabalhou nos correios. Na primeira frase do livro, Chinaski diz: “Tudo começou com um erro”. Aí, o leitor imediatamente se pergunta: quê erro? Bem, o erro de Bukowski foi trabalhar por onze anos nos correios, emprego que odiava. Bukowski conta-nos como o trabalho transformou sua vida, fazendo-o sentir fortes dores nas costas e estresse. Com um humor ferino, Bukowski escreve para aqueles que sabem como é ter um emprego monótono. 
Cartas na Rua apresentou-nos o estilo conciso e objetivo e repleto de diálogos do velho safado. Bukowski dividiu a obra em vários capítulos curtos. Conforme disse o autor: “Eu me preocupava com o ritmo”. Dessa forma, nota-se a forte influência de Hemingway e Fante.

Cartas na rua é um livro direito. No natal, Henry Chinaski recebe uma oferta para um trabalho temporário “que qualquer um faria”. Ele não imaginava que continuaria neste trabalho, entre idas e vindas, por onze anos. Chinaski era encarregado de substituir carteiros que faltavam, sobretudo quando chovia. Então, ele sempre tinha a rota mais difícil. As cenas detalham sobre insólitos encontros com cachorros e senhoras nada simpáticas. Jonstone, seu chefe, designava-lhe estas rotas, e ele ficava furioso.

Chinaski divide um apartamento com Betty. Aí, ele demitiu-se. Ela começou a trabalhar. Mas ela começou a preocupar-se, mesmo com Chinaski arcando com as despesas, sobre o que os vizinhos diziam sobre ele. Então se separaram. Chinaski perdeu a mulher e o cachorro. Nesta altura do romance, Betty disse que o cachorro iria sentir saudades dele. Ele respondeu: “Alguém, pelo menos, irá sentir saudades de mim”.

Hank se junta a uma mulher do Texas. Joyce era uma garota rica e mimada, que casou-se com ele para mostra-se independente aos seus pais. Ele retorna aos correios. Ela começa a trabalhar na prefeitura, e apaixona-se por um empregado. Então, eles se separam. Já que Joyce não sabia dirigir, Hank ficou com o carro. "Deus, ou seja lá quem, continua cuspindo-as nas ruas, e o rabo dessa é muito grande, e os peitos daquela são pequenos demais, e aquela outra é louca, e outra totalmente pirada, tem uma ainda que é religiosa e outra que adivinha o futuro em folhas de chá, há a que não consegue segurar seus peidos, e mais aquela que tem um nariz imenso, sem esquecer daquela de pernas esquálidas" Pg.133/134


Após algum tempo, Chinaski reencontra Betty. Ela comunica-lhe que o cachorro foi atropelado e morreu. Na sequência, eles se dispersam. Então algum tempo depois, Chinaski vai até o hotel em que Betty morava. Ela não estava. Ele a encontrou no hospital, onde a viu morrer. Após a morte de Betty, Chinaski se interessou por uma mulher no hipódromo, que costumava ir. Fay frequentava algumas oficinais literárias, andava sempre de preto e dizia estar protestando contra a guerra. Passaram a morar juntos. Ela engravidou, e deu a luz a uma menina chamada Marina. Neste momento do livro, Chanski faz uma bela reflexão: “As mulheres vieram ao mundo pra sofrer”.  Após o nascimento da menina, Fay resolveu se mudar. Ela ficou com Marina. Hank com o gato. E concordou em dar-lhe uma quantia por mês. O livro termina com Chinaski demitido do correio e falando que irá escrever um romance.

Cartas na rua é uma obra simples, sem devaneios. Bukowski ao escrevê-la demonstrou uma estrutura narrativa direta e rítmica. Ao contrário dos outros romances do velho safado, em Cartas na Rua temos um Chinaski em meia idade, que ama sua família e nutre um pouco de esperança na humanidade. Presente em todas as obras do escritor, as mulheres tem uma parte especial na bibliografia de Bukowski. Em Cartas na Rua, ele também discorria sobre como as mulheres se prendem as opiniões alheias e esquecem-se de viver suas próprias histórias.


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

THE DOORS NA VITROLA E TUA LEMBRANÇA


Bem que podia
Existir um lugar
Pra se esconder
Quando a novela não prestar
E a maconha não funcionar
E o álcool perder a graça
E a gente não encontrar a solução
Pra onde ir.
A vida é um jogo
Que
Ninguém avisou-nos de que
Jogá-lo é foda
Aí, a gente fica tentando buscar
Explicações. Mas não há explicações. Há dia pós dia. Porre após porre. Foda após foda
Há sucessão de fatos. Há sempre outra tragada. Há sempre outra trepada. Há sempre outra mulher. Há sempre outras merdas a serem protagonizadas
Há o disco do The Doors tocando ao lado. Há teu sorriso gravado em minha memória. Há lembranças. Há minha velha máquina de escrever, que salva-me de mim mesmo e de minhas loucuras e delírios e devaneios.
Sou medroso. Penso que todos os homens o são. Por isso vivo à noite. Tenho minhas ideias, quando todos dormem em suas camas de cinco mil reais. Escrevo, enquanto a mulher grita ao lado, celebrando o prazer dos corpos.
Grito pra eles
Mas ninguém parou
Ela passou a gemer mais alto
Eu passei a bater em minha máquina freneticamente
Dois idiotas. Ou só um idiota
Provavelmente eu
Que tento competir com o prazer
Humano.



quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Vai corintia

Abri meus olhos. Eram oito da manhã. O sol entrava pela janela do quarto, e ia às minhas pálpebras, machucando-as. Levei um cigarro à boca. Deixei-o pela metade e saí da cama. Coloquei Nei Young no som, e lembrei que à noite o Corinthians jogaria contra o Santos, em partida válida pelas oitavas-de-final da Copa do Brasil. “Acho que o timão vai priorizar o campeonato brasileiro”, pensei.

No caminho para o trabalho encontrei vários caras com camisetas do Corinthians. Eles estavam numa espécie de corrente de energia. Vestindo-as, imaginavam que o resultado da partida poderia ser satisfatório. Corinthians x Santos. Mas o timão perdeu o último confronto, pelo brasileirão. Foda, torcedor sempre encontra um motivo para celebrar o pessimismo. Comigo não era diferente. Aprendi com Dostoievski a ser pessimista. Estendi-o ao futebol. E nunca mais me desliguei das palavras do mestre russo. Elas estão vivas dentro de mim.  Às vezes, deixo-as divagando pelo meu cérebro. 
Depois, resgato-as.

- Ei, senhor – eu disse, apontando para o faxineiro da Atento, que estava na companhia de um teleoperador da Vivo -. Pode me arrumar um cigarro?

O senhor estendeu-me a mão, com a carteira aberta. Peguei um. Então ofereceu-me outro. Aceitei.

- Quem vai ganhar hoje? – perguntei.

- O jogo?

- Sim.

- Acho que o timão – disse ele.

Continuei a fumar. Olhei para relógio em meu pulso. Faltavam quinze minutos pra eu retornar à sala de treinamento. Acendi o outro cigarro. E prossegui o diálogo com o senhor. Ele me contou sobre sua vida, suas incertezas, suas loucuras, seus anseios e desatinos. Eu o fitava, compreendo aquelas palavras lúgubres que saíam de sua boca.

- Minha mulher me deixou – falou ele -. Estou na merda.

- Por quê? – indaguei.

- Fiquei sem grana.

O teleoperador da Vivo avisou-nos de que havia acabo seu intervalo. Cumprimentei-o e desejei-lhe boa tarde. O senhor fez a mesma coisa.

- E como está fazendo pra suportar a vida? – retornei a conversa com o senhor.

- Eu vou num mercadinho de um amigo. Compro tudo fiado. Até cigarro – completou, tirando um 
Euro do maço.

- Há quanto tempo trabalha aqui?

- Há alguns anos.

- Sempre a mesma rotina?

- Sempre. Nunca muda – afirmou.

- E você, é novo?

- Sim. Treinamento.

- Banco BMG ou Vivo.

- BMG – respondi.

Aí, ele confessou-me sua paixão pelo Corinthians.

- Ainda bem que tenho o timão.

- Alegria de nossas vidas, e tristeza de nossas vidas. Time do povo – falei.

- Eu só me fodo. O futebol é a minha alegria e lazer – disse ele.

Um sorriso cansado despontou em sua face.

- Quanto tô na merda, encho a cara, assisto o timão e grito.

- hahahahahaha – ri.

Apertei-lhe as mãos, e disse que teria de voltar à sala para o treinamento.

- Boa sorte – desejou.

- Igualmente.

Dei-lhe as costas, e refleti: “A alegria de alguns, simplesmente, é assistir o Corinthians e beber umas cervejas”. A gente sempre esquece que há pessoas que vivem esbanjando dinheiro, andando de Ferrari. Enquanto outras vivem numa merda homérica.

Vai coríntia.  

sábado, 15 de agosto de 2015

LAMÚRIA MASCULINA

No bar. Lá estávamos, pra variar, bebendo uma cerveja atrás da outra. Discutíamos sobre a crise econômica, a crise grega e o conservadorismo pedante e prepotente de Eduardo Cunha. De repente, ouvimos um grito. Era uma voz feminina que implorava por socorro. Virei à face. Um cara, bem vestido, cabelos grisalhos e voz rouca, gritou:

- Não quero mais saber de você!

A moça não expressou alguma reação. Ela estava refém da verborragia dele que, pelo jeito, não sabia nada sobre o sexo feminino. Ele deveria ter passado sua juventude achando que as mulheres estariam aos seus pés num estalar de dedos. Mas a garota, discípula de Balzac, sabia como se portar:

- E eu de você, seu idiota – bradou ela. – a gente não se vê mais. Você não está nem aí pra mim, e nem nunca esteve.

- Como assim?

- Isso mesmo!

- Eu te dou tudo que quer, e é assim que me retribuí?

Ela sorriu. Era um sorriso sarcástico.

Advogada? Jornalista? Professora? Ela tinha jeito de professora, pensei. Levei um cigarro à boca. Fumei até a metade. Aí, apaguei-o e fui à sua mesa. Quando aproximei-me, ela adiantou-se:

- Quem entende os homens?

- Eles são estranhos mesmo.

- Mas não todos.

- Concordo. Só que a maioria tem um complexo de idiotice.

- Engraçado.

- Henry Miller disse que quando amamos alguém, renunciamos tudo. Menos pessoa amada.

Ela arregalou os olhos com fervor, parecendo estar diante de um poeta romântico. Completei:

- Esqueça esse cara – falei, colocando um cigarro à boca -, ele nunca te amou, nem te vai te amar. Ele deve estar mais preocupado com os negócios que vai fechar amanhã e as putas que vai comer amanhã.

Ao concluir, levantei-me. Ela levantou-se junto, e segurou-me pelos braços. Fiquei estagnado, próximo ao caixa do bar.

- Obrigado por ser tão gentil – agradeceu.

- Por nada.

- Ninguém nunca fez isso.

- É o quê faço – finalizei, beijando-lhe o rosto.

Todas as mulheres são especiais. Todas escondem um charme único. Seja gorda ou maga; alta ou baixa; ruiva ou morena; amo-as. Infelizes os usuários das máquinas de masturbação, esperam por uma deusa das academias. Estes não sabem nada sobre elas. E nem procuram saber.