O Timão entrou em campo com oito jogadores diferentes. Time
misto. Tite estava tranquilo. E o jogo começou calmo. Nós, os corintianos,
tivemos de conviver durante o ano todo com falácias sobre do futuro da equipe.
Quando Emerson e Guerrero saíram, setores da imprensa esportiva diziam que o
Corinthians brigaria para ir à Libertadores. Que engano! O time evoluiu. Melhor
campanha em casa. Melhor fora. Melhor defesa. Melhor ataque. Time mais disciplinado.
A primeira penalidade máxima que o Timão cometeu na competição foi contra o São
Paulo, no último domingo. O pênalti, uma invenção do assoprador de
apito, foi defendido por Cássio.
Contra o Vasco, na última quinta-feira, 19, o Corinthians não
tinha pressa. Rodava a bola de um lado para o outro, tentando envolver a equipe
cruzmaltina. Em um lampejo de descuido da defesa corintiana, os cariocas
marcaram o primeiro gol e correram para o abraço. O Timão saiu atrás no
marcador, mas não por muito tempo. Tite mexeu na equipe, e logo em seguida o
jogo estava empatado. E o São Paulo surrava o Galo, sem saber que seria surrado
no final de semana. Bem, a taça – que já tinha dono – caminhava, sedenta, às
mãos de Ralf.
Dei um gole em minha cerveja, quando o Vasco fez o primeiro
gol, e disse:
- Que merda!
- Gol? – perguntou minha mãe.
- Sim... e do Vasco – falei, com minha lata de Bavaria em
mãos.
Nesta partida Renato Augusto aparentava cansaço. O meia
havia jogado pela Seleção, 48 horas antes. Eliás, também. Ambos encontravam-se
esgotados, aturdidos. Erravam passes que não eram habituais. Então, o
brilhantismo de Tite veio à tona. Ele sacou Renato Augusto e colocou
Rodriguinho. Imediatamente, o Timão mudou a postura. Parece que de repente o
time acordou e gostou do jogo e queria fazer o placar e conquistar o título. O
São Paulo fazia a sua parte, no Morumbi. O brasileirão é nosso. O triunfo é
nosso. A glória é nossa. O grito é alvinegro. As ruas são alvinegras, noite à
dentro.
- Festa na favela! – gritei, na janela de casa.
Um cara berrou:
- Roubado!
- O choro é livre, amigo – eu disse.
Ele parecia não simpatizar com Corinthians. Depois eu
descobri o porquê: o sujeito era santista. Eu, bêbado, bradei-lhe:
- Santos o caralho, lugar de peixe é dentro do aquário.
O cara não respondeu nada. Acendi um cigarro, e segui
contemplando a televisão. E logo eu que não assisto tv estava vidrado na tela.
A massa preta e branca. Meu time. Time do povo. Time da democracia. Os malucos
são corintia. Os maloqueiros, que não tem dinheiro para pagar a passagem de
ônibus, são corintia. O tio do bar é corintia. O cara na esquina, que fuma seu
baseado, é corintia. Ser corintiano é ser contaminado pelo corintianismo. E não
há cura! Fazemos um tratado. Mesmo que a bola não entre. Mesmo que o estádio se
cale. Mesmo que o centroavante erre o gol. Mesmo que a zaga falhe. Nunca vou te
abandonar, porque eu te amo. Eu sou Corinthians. Como diz Adoniran Barbosa:
“É bom ser alvinegro”.
Analisei a conjuntura, após a partida. Peguei a tabela do
campeonato, visualizei que o Timão enfrentaria, no jogo da taça, um de seus
maiores rivais. O São Paulo briga por vaga na Libertadores. E não vai querer
amolecer para um Corinthians sem ambições na competição. Para completar: Tite
vem a campo com o time misto.
Eu estava no trabalho. Não podia fazer quaisquer
manifestações futebolísticas. Mas como não fazê-las? Meu time era campeão. A
massa alvinegra estava nas ruas. A massa alvinegra grita, das ruas. E eu, em
meu trabalho, não podia dizer um ”vai corintia”? Porra, tenha dó. Fiquei todo o
jogo vibrado na televisão. Meus colegas não entendiam aquele ritual corintiano.
E nem vão entender. Apenas os loucos conhecem-no.
- Eles querem mostrar serviço – comentou um colega,
corintiano, sobre os reservas.
O Timão pressionava o São Paulo.
- Vai dar corintia – falou um outro.
- Não tenha dúvida – disse-me ele.
Não conseguíamos concentrar-nos no diálogo. Ambos estávamos
com os olhos presos à televisão. Todo lance, toda jogada, era um suspiro dado.
E um grito preso na garganta, que pedia para sair.
Quando marcamos o primeiro gol, após cobrança de escanteio, vociferei:
- Aqui é coríntia – e apertei a mão dos colegas sofredores.
- Vai ser seis – um constatou.
Não acreditei. Seis no São Paulo? Não é possível.
E não é que foi. O Brasil é preto e branco.
(Texto publicado no Diário da Manhã, em 27/11)