Abri meus olhos. Eram oito da manhã. O sol entrava pela janela
do quarto, e ia às minhas pálpebras, machucando-as. Levei um cigarro à boca. Deixei-o
pela metade e saí da cama. Coloquei Nei Young no som, e lembrei que à noite o
Corinthians jogaria contra o Santos, em partida válida pelas oitavas-de-final
da Copa do Brasil. “Acho que o timão vai priorizar o campeonato brasileiro”,
pensei.
No caminho para o trabalho encontrei vários caras com camisetas
do Corinthians. Eles estavam numa espécie de corrente de energia. Vestindo-as,
imaginavam que o resultado da partida poderia ser satisfatório. Corinthians x
Santos. Mas o timão perdeu o último confronto, pelo brasileirão. Foda, torcedor
sempre encontra um motivo para celebrar o pessimismo. Comigo não era diferente.
Aprendi com Dostoievski a ser pessimista. Estendi-o ao futebol. E nunca mais me
desliguei das palavras do mestre russo. Elas estão vivas dentro de mim. Às vezes, deixo-as divagando pelo meu
cérebro.
Depois, resgato-as.
- Ei, senhor – eu disse, apontando para o faxineiro da
Atento, que estava na companhia de um teleoperador da Vivo -. Pode me arrumar um
cigarro?
O senhor estendeu-me a mão, com a carteira aberta. Peguei
um. Então ofereceu-me outro. Aceitei.
- Quem vai ganhar hoje? – perguntei.
- O jogo?
- Sim.
- Acho que o timão – disse ele.
Continuei a fumar. Olhei para relógio em meu pulso. Faltavam
quinze minutos pra eu retornar à sala de treinamento. Acendi o outro cigarro. E
prossegui o diálogo com o senhor. Ele me contou sobre sua vida, suas incertezas,
suas loucuras, seus anseios e desatinos. Eu o fitava, compreendo aquelas
palavras lúgubres que saíam de sua boca.
- Minha mulher me deixou – falou ele -. Estou na merda.
- Por quê? – indaguei.
- Fiquei sem grana.
O teleoperador da Vivo avisou-nos de que havia acabo seu
intervalo. Cumprimentei-o e desejei-lhe boa tarde. O senhor fez a mesma coisa.
- E como está fazendo pra suportar a vida? – retornei a
conversa com o senhor.
- Eu vou num mercadinho de um amigo. Compro tudo fiado. Até
cigarro – completou, tirando um
Euro do maço.
- Há quanto tempo trabalha aqui?
- Há alguns anos.
- Sempre a mesma
rotina?
- Sempre. Nunca muda – afirmou.
- E você, é novo?
- Sim. Treinamento.
- Banco BMG ou Vivo.
- BMG – respondi.
Aí, ele confessou-me sua paixão pelo Corinthians.
- Ainda bem que tenho o timão.
- Alegria de nossas vidas, e tristeza de nossas vidas. Time
do povo – falei.
- Eu só me fodo. O futebol é a minha alegria e lazer – disse
ele.
Um sorriso cansado despontou em sua face.
- Quanto tô na merda, encho a cara, assisto o timão e grito.
- hahahahahaha – ri.
Apertei-lhe as mãos, e disse que teria de voltar à sala para
o treinamento.
- Boa sorte – desejou.
- Igualmente.
Dei-lhe as costas, e refleti: “A alegria de alguns,
simplesmente, é assistir o Corinthians e beber umas cervejas”. A gente sempre
esquece que há pessoas que vivem esbanjando dinheiro, andando de Ferrari. Enquanto
outras vivem numa merda homérica.
Vai coríntia.