Batista
Custódio fala ao telefone. Em sua frente há uma Olivetti azul. A máquina está
envelhecida de vários textos que foram batidos nela. Batista se encontra
entredito na conversa. Deveria ser alguma fonte o ligando, ou ele deveria estar
apenas a conversar com algum amigo. Gesticula e tira os óculos. Após alguns
minutos, desligou o telefone. Sua secretária, uma loira atraente de olhos
verdes, avisou-lhe:
“Esses
meninos são estudantes de jornalismo da PUC”, diz e moça.” Eles precisam colher
algumas informações do senhor. Tudo bem?”, completa.
Com
feição fria, Batista brada:
“Quem
são seus os professores? O que eles fazem? Eles são jornalistas?”
Um
silêncio pairou sobre a áurea da sala. Todos se olhavam. Ninguém sabia o que
falar, e nem como falar. Batista aparenta ser o dono da razão acima de qualquer
coisa. Quaisquer indícios de contrariedade, ele dispensa veementemente. Na
conversa, citou livros e deixou bem clara sua visão de mundo. E, quando se
deparou com algum questionamento, bufou. “Jornalista é guerreiro, poeta,
humorista e apócrifo, porque dependendo da matéria que for escrita, você fará o
seu leitor rir ou chorar”, afirma, logo de cara, gesticulando e dando
leves pancadas em sua mesa.
Com
fama de maluco, Batista tentou ser minimamente cordial. Discorreu sobre livros
que considera primordiais para se formar um jornalista. Na ótica do diretor do
Diário da Manhã, todo profissional da imprensa deve ler contos “para poder
conhecer seu estilo” de escrita. Homero, Shakespeare, Dickens, Tolstoi, Victor
Hugo e Hemingway são alguns dos autores que o formaram. “Durante cinco minha
vida era biblioteca, trabalho e casa”, conta.
Início da carreira e
cinco de março
O
diretor do Diário da Manhã começou no jornalismo em 1952. Mas a época de maior destaque
em sua carreira foi na década de 1970. Neste período, Batista dirigia o
semanário Cinco de Março, que era opositor a ditadura militar. O veículo fora
fundado em 1959. Batista tinha apenas 23 anos. À época, ele comandara uma série
de reinvindicações da União Goiana dos Estudantes Secundaristas que, além dele,
faziam parte Javier Godinho e Telmo Faria.
Na
década de 1960, o Cinco de Março assumira uma postura crítica e essencialmente
opinativa. Todavia, em 1969, quando o AI-5 fora aprovado, o jornal passou a
fazer reportagens com cunho um pouco mais factual, deixando de lado a fórmula
de crítica municipal, estadual e federal. A publicação era altamente
panfletária. “Jamais daria certo hoje”, diz seu filho, que não quis se
identificar.
Por
conta do trabalho opositor, Batista ficara oito meses preso. “Mas não durava
muito. Eles me prendiam, depois me soltavam. Exceto uma vez que fiquei preso
por oito meses, por crime de opinião”, revela.
Batista
fitou os alunos, e perguntou:
“Algum
de vocês já foi preso por crime de opinião?”
Novamente,
o silêncio imperou.
“Não?
Então tá mais do que na hora!”, exclamou, achando o fato de três alunos do
primeiro período de jornalismo nunca terem passado uma noite no xilindró um
insulto à futura dignidade profissional deles.
Aventura
No
Diário da Manhã, nos primórdios da década de 1980, trabalhara com grandes nomes
da imprensa. Mino Carta, fundador e diretor de redação da Carta Capital, contribuiu
para o jornal. “Peguei um avião aqui e fui para o Rio de Janeiro. Agora,
imagine o Mino Carta, que dirigia O Globo, vir trabalhar em Goiás? Tive de
convencê-lo.”
Segundo
Batista, o Diário da Manhã era para ser um jornal para o Brasil, mas evidentemente
ao longo do tempo seu projeto acabou fracassando. “O Brasil vai abrir”, diz
ele, em alusão as Diretas Já, “e nós precisamos de um jornal para o Brasil”. Em
Goiás, de acordo com o jornalista, os profissionais da imprensa são todos
analfabetos e ignorantes.
“Porra, como que pode um cara que nem saber latim
cogitar a hipótese de ser jornalista?”, questiona-se ele.
Mas
a experiência com o “jornal para o Brasil” durou pouquíssimo tempo. Após dois
anos, o DM faliu pela primeira vez. “Fiquei fechado por 25 anos, sem nem estar
fechado. Acredita? Quando reabri, o Estado disse que eu poderia ter uma ajuda.
Eu falei que não ajuda porra nenhuma”, afirma.
Para
o jornalista Ivanoel Mendes, responsável pelo DM online, Batista Custódio é “um
jornalista brilhante, mas um péssimo administrador.” Ele afirma que o diretor
representa um período importante na história do jornalismo em Goiás. Na visão
de Ivanoel, Batista é bom em apenas uma coisa: ser jornalista.
Espiritismo
Espirita,
Batista acredita que o mundo mudará quando a alma dos homens evoluir. No Diário
da Manhã, inclusive, há corriqueiramente psicografias de Fábio Nasser, seu
filho, que morreu na década de 1990, após entrar em profunda depressão. Nasser
fora repórter e editor de política do jornal e, segundo uma professora da PUC,
ele gostava de usar entorpecentes.
Em
determinado trecho do diálogo, Batista citou o filólogo e filósofo Nietzsche:
“Eu gosto da ideia dele, mas ele mudou, se tornou cristão.” Batista afirmou que
há escritos que comprovam que o pensador alemão deixou, no final da vida, de
ser ateu. Aproveitou ainda para citar uma obra de Getúlio Vargas que, de acordo
com ele, também fora psicografada. Neste livro, Vargas falaria o porquê da rixa
com Carlos Lacerda. “Lacerda era a encarnação de Marat”, assegurou.
Confrontado
sobre a existência de Deus, Batista disse que é inadmissível não se crer nele.
Segundo o jornalista, o homem vem ao mundo para sofrer.
Jornalista e literatura
Batista
afirma que jornalismo e literatura andam de mãos dadas. “Jornalista tem de
levar o leitor aonde ele não pode ir”, aconselha. Jéssica Fernandes, repórter
do DM Revista, declarou que Batista é bastante exigente. “Quer que nós
escrevamos reportagens com criatividade”, revela.
No
final da conversa, Batista demostrou todo o fascínio que nutre por Shakespeare,
comparando-o a Machado de Assis e, depois, afirmando que o dramaturgo inglês é
totalmente incomparável e único. Mas, para se entender uma narrativa, na visão
do diretor, Homero, símbolo da cultura antiga, é fundamental.
Editor
do DM Revista, Neil Oliveira disse que todo dia aprende muito com Batista. “Ele
é locão. Fala o que vem na cabeça, não têm papas na língua, mas eu aprendo
muito com ele”, diz.
Desfecho
Após
aproximadamente quatro horas de conversa, os alunos foram embora com uma grande
certeza: Batista carrega uma bagagem de mundo peculiar. Leitor voraz, e de
clássicos, ele também é fã de música clássica.
Os
alunos apertaram as mãos de Batista, e o agradeceram pela entrevista.
Quando
eles viravam as costas, o jornalista indaga:
“Sabe
por que eu gosto de mulher?”
Todos
ficaram lacônicos.
“Porque
as feias são obras do diabo, e as bonitas são obras de Deus.”
Batista
Custódio é isto: esquisitice em carne e osso.