quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Dias estranhos


Nunca me conformei com a rotina que nos foi imposta. Temos de ir ao trabalho, consumir, crer em Deus, não pensar sobre a política e seus rumos. Frases feitas, meias verdades, chavões; se faladas em excesso, melhor.

Recordo-me de estar em treinamento, ainda, em meu trabalho. Haviam algumas pessoas revelando suas expectativas com a empresa. Nada original. Tudo cópia. Eu não estava nem aí. Eu estava ali por que precisava. Havia escrito um livro e quando o terminei, pensei: “Bem, agora eu preciso arrumar um emprego”. Claro, não foi tão fácil assim. Primeiro: eu não tinha disposição para trabalhar. Segundo: por que as pessoas no meio corporativo nunca bradam uma frase autêntica? Será que é difícil para eles? Deve de ser. As garotas, lindas, caminham para o lado deles. Algumas ficam ao seu lado. E pegam em suas mãos. E dizem a você coisas que levam a alma ao êxtase. E questionam-no sobre o mundo, a vida, o amor, o sexo, a arte. Elas existem, acredite. E são poucas. 
Mas uma hora ficamos sozinho, porque temos de ficar sozinho. Deixem-nos com nossas frases, com nossos pensamentos, com nossas loucuras e devaneios, com promessas de que dias melhores virão.

Eu encontrava-me com um livro do Bukowski em mãos. Era Mulheres, cuja capa mostrava o corpo feminino despido. Então, o instrutor perguntou:

- O quê te levou a procurar um trabalho aqui? – indagou ele.

Permanecei lacônico. Fitei-o, e disse:

- Dinheiro.

- Dinheiro?

- Sim. Eu preciso de dinheiro.

- E você não pensa em crescer aqui dentro?

- Não.

Percebi que a aparência do cara mudara. Ele, de repente, ficou impressionado. Talvez eu tivesse sido sincero demais. Porém, eu senti que a maioria das pessoas, que estavam presente, queriam dizer aquilo, mas não conseguiam. Talvez tivessem medo do que pudesse lhes acontecer. Foda-se. Um cara com um livro na bagagem não quer ser condenado à monotonia, ele quer movimento, com confusão, caos. Ele aspira e prospera quando desponta no horizonte o barulho leve e sensual de uma guitarra. A gente liberta-se na arte. E ela é rebelde. E ela leva-nos para uma inspeção sobre a vida, sobre o mundo, sobre os detalhes que foram-nos impostos. É simples, meu caro. Siga as regras. Dance conforme a música. Sorria quando todos sorrirem. Interaja com idiotas. Seja um idiota. Sucesso garantido.

A receita para dar-se bem é simples. Contudo, dar-se bem não é sinônimo de inteligência. Um idiota pode ser bem-sucedido na vida. Eu conheci um par deles ao longo de minha breve trajetória. Eles gostavam de atrair olhares com suas retóricas murchas. E todos os olhavam. E eles sentiam-se num palco, cuja música causava-me asco e revolta e risos. Eu gargalho quando eles veem com seus ensinamentos. Ganhar dinheiro não significa nada. Quando somos contratados por alguma empresa, somos “beneficiados” com alguns cartões de crédito. Eles são aceitos em mercados e lanchonetes. Podemos comprar bebidas alcoólicas neles. Depois, reclamam que o consumo de álcool aumentou. Ora, o álcool é a droga que simboliza nosso estilo de vida. Alguém disse que podemos bebê-lo, e a gente passou a achar aquilo um máximo, sem pensar. Agora, experimente acender um baseado no meio da rua, às 13 horas. Provavelmente, a polícia chegará e irá lhe falar barbáries, e se você for um cara de sorte, poderá escapar sem levar nenhum murro na cara. Policiais, com uma arma na cintura, tem a errônea convicção de que são poderosos. Além de serem insensíveis.

Agora o natal chegou. E nas ruas o maluco quer um tostão para encher a cara. Uns compram e compram e compram e compram. Outros saem de suas camas, pela manhã, pensando em como irão se alimentar. A realidade é dura. Não podemos parar. Não podemos pensar. Sempre temos de estar preocupados com algo. Vivemos impulsionados pelo medo. Temos medo de apanhar o ônibus. Temos medo da polícia. Temos medo de ladrão. Paralelo a isso, precisamos nos alimentar, dormir, copular, beber, fumar. E no final não há tempo. O dia acabou, e a gente vai à cama dormir. E no dia seguinte o roteiro se repete.

Os dias são estranhos.

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