quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Que música!

A música. Consolo da alma. Inspiração do poeta. Refúgio dos desajustados. Ouvimos e produzimos, em todos os instantes, algum barulho. O grito da mulher chegando ao clímax. O solo de guitarra do músico que encontrou a nota certa. A chuva que cai no chão. O miado do gato pedindo comida. O quê seria do mundo sem música?

Outro dia, eu caminhava pelas ruas à procura de um bar. Havia um cara, tocando violão, no meio-fio. Ele mandava O dia em que a terra parou, do Raul. Parei, e observei-o. Os acordes penetraram em minha alma.

Quando acabou a música, ele pediu-me um cigarro. Dei-lhe:

- Valeu – disse ele.

- De nada – falei. – Cê toca pra caralho, bicho.

Era um maluco. O cara tinha uma bandana à lá Hendrix na cabeça, anéis no dedo e um violão folk todo esfarrapado.

- Todos acham que sou louco.

- Os melhores são loucos – falei.

Acendi um cigarro. Ele também.

Terminei de fumar. Apertei a mão dele, e despedi-me. Como pode haver pessoas que conseguem ficar sem ouvir um som? A música é a reprodução da vida, disse Shopenhauer. Não há como evitá-la. Não podemos evitá-la. Mas a evitamos. O mundo submete-nos a situações robóticas. Temos, todos os dias, de cumprir horário. Segundo pesquisa divulgada pela Globo News, 92,5% da população brasileira não costuma ir a exposição de arte. E o mais trágico: 70,1% não leem sequer nenhum livro.

E o maluco veio em meu encontro, e perguntou:

- Cê pode me arrumar mais um cigarro?

- Claro, bicho – falei.

Eu podia ver em seus olhos a gratidão. Ofereci-lhe o isqueiro. Ele acendeu, jogou a fumaça para o ar 
e seguiu sua caminhada. Então, perguntou:

- Tá indo beber uma?

- Sim – respondi.

- Aonde?

- Porcão.

- Eu também.

Jamais cogitaria a possibilidade de que aquele maluco, que mandava um Raul, encostado no meio-fio, iria ao Porcão. Somos induzidos a crer em dogmas falaciosos sobre as pessoas. Não podemos olhar um negro, ou um maluco. É imediato: “Marginal. Filha da puta. Bandido”, pensamos.

Deplorável.

Viramos a esquina. Um cheiro familiar veio das mesas. Era maconha. Procurei Raphael, porém não o encontrei. Então, pedi uma cerveja e esperei-o. De repente, ele chegou. Sentou à mesa e fez algumas de suas piadas habituais. Eu falei-lhe sobre o maluco que tocava Raul, no meio-fio.

- Vamos chamar o cara pra fumar um? – sugeriu ele.

- Acho que não vai dar. Olha lá – respondi, meneando a cabeça.

Ele tocava Stairway to Heaven. Todos admiravam-no. Que música!


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