A música. Consolo da alma. Inspiração do poeta. Refúgio dos
desajustados. Ouvimos e produzimos, em todos os instantes, algum barulho. O
grito da mulher chegando ao clímax. O solo de guitarra do músico que encontrou
a nota certa. A chuva que cai no chão. O miado do gato pedindo comida. O quê
seria do mundo sem música?
Outro dia, eu caminhava pelas ruas à procura de um bar.
Havia um cara, tocando violão, no meio-fio. Ele mandava O dia em que a terra parou, do Raul. Parei, e observei-o. Os acordes penetraram em minha alma.
Quando acabou a música, ele pediu-me um cigarro. Dei-lhe:
- Valeu – disse ele.
- De nada – falei. – Cê toca pra caralho, bicho.
Era um maluco. O cara tinha uma bandana à lá Hendrix na
cabeça, anéis no dedo e um violão folk todo esfarrapado.
- Todos acham que sou louco.
- Os melhores são loucos – falei.
Acendi um cigarro. Ele também.
Terminei de fumar. Apertei a mão dele, e despedi-me. Como
pode haver pessoas que conseguem ficar sem ouvir um som? A música é a reprodução
da vida, disse Shopenhauer. Não há como evitá-la. Não podemos evitá-la. Mas a evitamos.
O mundo submete-nos a situações robóticas. Temos, todos os dias, de cumprir
horário. Segundo
pesquisa divulgada pela Globo News, 92,5% da população brasileira não costuma
ir a exposição de arte. E o mais trágico: 70,1% não leem sequer nenhum livro.
E o maluco veio em meu encontro, e perguntou:
- Cê pode me arrumar mais um cigarro?
- Claro, bicho – falei.
Eu podia ver em seus olhos a gratidão. Ofereci-lhe o
isqueiro. Ele acendeu, jogou a fumaça para o ar
e seguiu sua caminhada. Então,
perguntou:
- Tá indo beber uma?
- Sim – respondi.
- Aonde?
- Porcão.
- Eu também.
Jamais cogitaria a possibilidade de que aquele maluco, que
mandava um Raul, encostado no meio-fio, iria ao Porcão. Somos induzidos a crer
em dogmas falaciosos sobre as pessoas. Não podemos olhar um negro, ou um
maluco. É imediato: “Marginal. Filha da puta. Bandido”, pensamos.
Deplorável.
Viramos a esquina. Um cheiro familiar veio das mesas. Era
maconha. Procurei Raphael, porém não o encontrei. Então, pedi uma cerveja e
esperei-o. De repente, ele chegou. Sentou à mesa e fez algumas de suas piadas
habituais. Eu falei-lhe sobre o maluco que tocava Raul, no meio-fio.
- Vamos chamar o cara pra fumar um? – sugeriu ele.
- Acho que não vai dar. Olha lá – respondi, meneando a
cabeça.
Ele tocava Stairway
to Heaven. Todos admiravam-no. Que música!
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