Frenético. Sôfrego. Inquieto. Estes são alguns dos adjetivos
que qualificam o jazz. O gênero, que nascera na década de 1920, nos EUA,
carrega o fardo da criminalização social e étnica em suas melodias. Vários
músicos, como Thelonious Monk, incrementavam as canções em longas sessões de
jam sessions. Django Reinhardt, violonista francês, morto nos anos 50, é
considerado um dos maiores instrumentistas do século XX. Anos depois, o rei da
guitarra, Jimi Hendrix, disse que Django foi um melhores músicos que viu tocar.
Django não tinha um dos dedos em sua mão esquerda. Ele executava seus solos de
forma autêntica e sublime, usando apenas três dedos.
No álbum Monk´s Dream, Thelonious Monk sentou-se em seu
piano e criou uma nova atmosfera jazzística. Ao colocar o disco, somos
introduzidos ao piano suave, simples e poético de Monk. O lirismo das teclas
nos leva para ruas desertas, com homens fumando cigarro, prostitutas mal-encaradas
nas portas dos puteiros e cafetões com camisas abertas. Na década de 1950,
Allen Ginsberg afrouxou o nó da gravata da linguagem poética. Ele e Jack
Kerouac – autor de On The Road – foram influenciados pelo jazz. A prosa deles é
marcada pelo improviso, pelo fluxo de consciência. Os pensamentos não são
censurados, são jorrados ao papel com uma espontaneidade poética que chocara os
acadêmicos da época. Ginsberg mostrou que a poesia pode ser declamada no ritmo
dos desajustados, dos excluídos, dos inconformados, dos loucos, dos célebres,
daqueles que não conseguem ser um simples parafuso na engrenagem.
Chet Baker assoprava o saxofone. Miles Davis o trompete.
John Coltrane comovia e impressionava a multidão. Ella Fitzgerald, com
sua voz, sensibilizava os fãs. Jazz e literatura. Irmãos distantes. Se os
escritores soubessem que as frases possuem ritmos, e eles estão enclausurados
nos pontos, nas vírgulas, nas frases a literatura seria outra. Seria menos maçante.
Acontece que poucos sabem escrever. A escrita é a música em palavras.
Schopenhauer afirmou que a música é a representação sonora da vida. Segundo
ele, através dos sons a gente acha um propósito à vida. Vivemos num emaranhado
careta. Trabalhamos oito horas por dia. Bem, se pensarmos que há dois séculos
os homens tinham uma carga horária de 16 horas, estamos em vantagem.
Hoje, trabalhamos oito horas. E aí, chegamos em casa e ligamos a tv para saber o
que aconteceu no mundo e temos contato com as novidades da indústria cultural,
seus produtos pré-fabricados, sem elegância, sem estilo.
Os meios de comunicação de massa, diariamente, tentam nos
vender uma realidade. A gente têm nossas mentes abertas e “informações” são
implantadas nela. Digerimos um rock sem guitarra, um filme sem enredo e crítica, uma
peça sem atores. Passamos a pensar menos, a consumir mais, a preterir o
material ao espiritual. Mas eu quero ligar meu som, e ouvir um jazz. Não
quero ouvir Cold Play. Quero escrever meus poemas, em meu quarto escuro e
vazio e vácuo.
Jim Morrison disse que a porta é a metáfora para chegar ao
conhecimento. “Há o conhecido, o desconhecido, e entre eles há a porta”, disse
o líder do The Doors. Porém, quando acharmos o conhecimento pleno, o que iremos
fazer com ele? Ah, talvez a vida perca a graça. A gente vive com a esperança de que terá o paraíso e todos
serão perdoados e as pessoas serão todas felizes e sorridentes, em seus
empregos de merda.
Viva a sua vida. Viva o agora. Satre disse que “a essência
precede a existência”. Só temos essa chance de viver. Vamos
gritar. Vamos andar. Vamos amar. Vamos foder. Vamos beber. Vamos, simplesmente,
viver. Que mal há nisso? Temos medo de pegar na mão de um desconhecido, e
dizer-lhe que o amamos. Vivemos condicionados ao terror. Na tv, vemos imagens de sangue. Mudamos de canal, e o apresentador prega o ódio. Não
temos para aonde correr. O livro está fechado. As palavras não vêm à folha
todos os dias. O músico não se lembra dos acordes, todos os dias. O ator não
decora o texto, todos os dias.
Precisamos da arte. Libertamo-nos na arte. Precisamos de
inutilidade. Precisamos e angariamos por ócio, por vagabundagem, por atividades
desprezíveis. Queremos rebeldia. Queremos poesia à prosa. Queremos metáfora à metonímia.
Queremos sensibilidade à brutalidade. Queremos o amor ao ódio. Queremos o
beijo, o abraço, o afago.
Os rebeldes foram embora. É mais fácil ser obediente. Se o
fizer, irão falar-lhe sobre as oportunidades de ascender na vida. Mas essas
oportunidades não chegam. E o discurso nunca muda. Como eu queria ouvir a voz
de Ella Fitzgerald, o saxofone de Chet Baker, o trompete de Miles Davis, a
guitarra de Hendrix, a poesia de Ginsberg.
Eles tinham estilo.