Equipe alvinegra vivenciou experiência democrática no
início dos anos 1980
O Corinthians revolucionou a estrutura do futebol, na década
de 1980. Ali, vigorou a Democracia Corintiana. Os jogadores, por meio de voto
democrático, escolhiam qual seria a equipe titular e quem seria
contratado pelo clube. Vicente Matheus, praticamente expoente do coronelismo no alvinegro,
saiu da presidência, após longos anos no poder. E para o seu lugar viera o
sociólogo Adailson de Oliveira, que nunca tivera experiência com cartolagem.
Adilson passou a ouvir os jogadores. Sócrates, intelectual e
politizado, e Vladimir, dono de fortes convicções políticas eram alguns dos
integrantes do elenco. O timão vinha de um período obscuro, sem grandes feitos
futebolísticos. Amargara a vigésima quinta colocação no campeonato paulista, o
que lhe fez cair à segunda divisão do campeonato brasileiro, cuja composição
das divisões se dava por meio dos campeonatos estaduais.
Sócrates – médico e cabeça pensante do movimento – era
leitor voraz. Lia clássicos, como Antonio Gramsci. Não se conformava com a
disparidade social do Brasil. Citava Cuba, como fez em uma de suas últimas
entrevistas, concedida à jornalista Marilia Gabriela. Para o doutor, “todos em
Cuba tem acesso aos bens básicos, como comida, saúde e educação”, disse.
Luís Guilherme Tavares, estudante de Engenharia Elétrica da
UTFPR, e torcedor do Corinthians desde criança, afirma que poucas seriam as
chances de haver um movimento como a Democracia Corintiana nos dias atuais.
“Pedir intervenção militar na democracia é fácil. Difícil é o contrário”,
desabafou. Sobre Casagrande, Luís disse que não o viu jogar, mas “é a cara do
Corinthians”.
O publicitário Washington Olivetto resolveu explorar a
popularidade do timão. E daí nasceu o clássico dizer ”Democracia Corintiana”,
que dera visibilidade midiática ao clube. E ao mesmo instante chacoalhou os
militares que já estavam desgastados no poder. Logo em seguida, a frase saiu da
camisa alvinegra. Sobre a visibilidade midiática, Luís disse que deu mais visibilidade. “Acredito que ganhou mais visibilidade, sim. Mas no bom sentido”, afirmou.
Nesse instante, havia alguns personagens relevantes na cena
política. O PDS, partido aliado ao regime, lançou a candidatura de Paulo Maluf.
A oposição uniu-se, saiu às ruas, e clamou pela redemocratização. Várias
personalidades de diversas correntes de pensamento deram as mãos.
Sindicalistas, intelectuais, políticos, jornalistas eram
presença quase garantida nos comícios. O jornalista Ricardo Kotscho, em sua
obra Explosão das Diretas Já!, retratou as expectativas da
população. Todos almejavam e sonhavam com um futuro melhor. Os textos do
jornalista foram publicados na Folha de São Paulo. “Não havia como não se
posicionar”, escreveu Kotscho, no início da obra - referindo-se ao momento que
o país atravessava, e ao mito da imparcialidade jornalística.
Saída do doutor
Sócrates disse que iria deixar o Brasil, caso a Emenda Dante
de Oliveira não fosse aprovada. E ela foi recusa pelo Congresso. O doutor foi
jogador na Itália, na Fiorentina. Anos depois, Sócrates falou que se
interessava mais pelos museus do que pelos campos de futebol. “Foi uma
enriquecedora experiência”, narrou.
Com sua saída, a Democracia sofreu um baque. De repente, o
mentor, líder, democrata, romântico, intelectual estava fora. O que fazer? Como
proceder? A Democracia continuaria? Ela não continuou. Acabara pouco tempo
depois que o doutor deixou o Parque São Jorge. E até hoje, o futebol não
experimentou uma experiência assim. E é bem possível que nem experimente.