sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Brasil é preto e branco

O Timão entrou em campo com oito jogadores diferentes. Time misto. Tite estava tranquilo. E o jogo começou calmo. Nós, os corintianos, tivemos de conviver durante o ano todo com falácias sobre do futuro da equipe. Quando Emerson e Guerrero saíram, setores da imprensa esportiva diziam que o Corinthians brigaria para ir à Libertadores. Que engano! O time evoluiu. Melhor campanha em casa. Melhor fora. Melhor defesa. Melhor ataque. Time mais disciplinado. A primeira penalidade máxima que o Timão cometeu na competição foi contra o São Paulo, no último domingo. O pênalti, uma invenção do assoprador de apito, foi defendido por Cássio.

Contra o Vasco, na última quinta-feira, 19, o Corinthians não tinha pressa. Rodava a bola de um lado para o outro, tentando envolver a equipe cruzmaltina. Em um lampejo de descuido da defesa corintiana, os cariocas marcaram o primeiro gol e correram para o abraço. O Timão saiu atrás no marcador, mas não por muito tempo. Tite mexeu na equipe, e logo em seguida o jogo estava empatado. E o São Paulo surrava o Galo, sem saber que seria surrado no final de semana. Bem, a taça – que já tinha dono – caminhava, sedenta, às mãos de Ralf.

Dei um gole em minha cerveja, quando o Vasco fez o primeiro gol, e disse:

- Que merda!

- Gol? – perguntou minha mãe.

- Sim... e do Vasco – falei, com minha lata de Bavaria em mãos.

Nesta partida Renato Augusto aparentava cansaço. O meia havia jogado pela Seleção, 48 horas antes. Eliás, também. Ambos encontravam-se esgotados, aturdidos. Erravam passes que não eram habituais. Então, o brilhantismo de Tite veio à tona. Ele sacou Renato Augusto e colocou Rodriguinho. Imediatamente, o Timão mudou a postura. Parece que de repente o time acordou e gostou do jogo e queria fazer o placar e conquistar o título. O São Paulo fazia a sua parte, no Morumbi. O brasileirão é nosso. O triunfo é nosso. A glória é nossa. O grito é alvinegro. As ruas são alvinegras, noite à dentro.

- Festa na favela! – gritei, na janela de casa.

Um cara berrou:

- Roubado!

- O choro é livre, amigo – eu disse.

Ele parecia não simpatizar com Corinthians. Depois eu descobri o porquê: o sujeito era santista. Eu, bêbado, bradei-lhe:

- Santos o caralho, lugar de peixe é dentro do aquário.

O cara não respondeu nada. Acendi um cigarro, e segui contemplando a televisão. E logo eu que não assisto tv estava vidrado na tela. A massa preta e branca. Meu time. Time do povo. Time da democracia. Os malucos são corintia. Os maloqueiros, que não tem dinheiro para pagar a passagem de ônibus, são corintia. O tio do bar é corintia. O cara na esquina, que fuma seu baseado, é corintia. Ser corintiano é ser contaminado pelo corintianismo. E não há cura! Fazemos um tratado. Mesmo que a bola não entre. Mesmo que o estádio se cale. Mesmo que o centroavante erre o gol. Mesmo que a zaga falhe. Nunca vou te abandonar, porque eu te amo. Eu sou Corinthians. Como diz Adoniran Barbosa: “É bom ser alvinegro”.

Analisei a conjuntura, após a partida. Peguei a tabela do campeonato, visualizei que o Timão enfrentaria, no jogo da taça, um de seus maiores rivais. O São Paulo briga por vaga na Libertadores. E não vai querer amolecer para um Corinthians sem ambições na competição. Para completar: Tite vem a campo com o time misto.

Eu estava no trabalho. Não podia fazer quaisquer manifestações futebolísticas. Mas como não fazê-las? Meu time era campeão. A massa alvinegra estava nas ruas. A massa alvinegra grita, das ruas. E eu, em meu trabalho, não podia dizer um ”vai corintia”? Porra, tenha dó. Fiquei todo o jogo vibrado na televisão. Meus colegas não entendiam aquele ritual corintiano. E nem vão entender. Apenas os loucos conhecem-no.

- Eles querem mostrar serviço – comentou um colega, corintiano, sobre os reservas.

O Timão pressionava o São Paulo.

- Vai dar corintia – falou um outro.

- Não tenha dúvida – disse-me ele.

Não conseguíamos concentrar-nos no diálogo. Ambos estávamos com os olhos presos à televisão. Todo lance, toda jogada, era um suspiro dado. E um grito preso na garganta, que pedia para sair.
Quando marcamos o primeiro gol, após cobrança de escanteio, vociferei:

- Aqui é coríntia – e apertei a mão dos colegas sofredores.

- Vai ser seis – um constatou.

Não acreditei. Seis no São Paulo? Não é possível.


E não é que foi. O Brasil é preto e branco.  

(Texto publicado no Diário da Manhã, em 27/11)

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