segunda-feira, 27 de junho de 2016

Um poeta

enquanto escrevo
dou um forte trago
acendo um cigarro
versos se perdem
caminham ao papel
tento vencer na vida
com frases e poemas e ideias
queria fazer como Blaise Cenders
sair pelo mundo
queria ser como Whitmann
cantar o ritmo das ruas
queria ser como Leminski
poetizar o cotidiano
queria, simplesmente,
ser um poeta
pode?


terça-feira, 21 de junho de 2016

Desligue a tv e embriague-se

Bati a mão na mesa do bar. Discorri sobre mulheres, sobre filosofia, sobre arte, sobre medos e delírios. Alguém deu uma risada qualquer. Nem prestei atenção. Segui minha peregrinação intelectual, alcoólica, canábica e vagabunda. A gente tem medo de falar. Pensamos, pensamos, pensamos... somos presos ao carro, ao celular. Somos possessivos. Não sabemos o que é amar. Aliás, nosso conceito de amor encontra-se deturpado pelos “bons costumes”. Padres e pastores dão às mãos, neste espetáculo teológico, eclesiástico e pentecostal. Dispensamos uma foda, cara. Você acredita? Pois é. Às vezes, tenho medo. Vou ao jornal. Leio alguma coisa sobre crise. Tanto se fala nela, que nem sei o que está acontecendo. Talvez eu seja apenas um maluco, que venera uma buceta, que chupa um cu feminino de vez em quando. Todo cabra macho deve chupá-lo. Até Leminski o saudou, num poema. “Ao cu feminino/supremo/ culto e glória”, poetizou.

A arte. Apenas ela pode livrar-nos do meio careta e pragmático que vivemos. As pessoas estão preocupadas com a objetividade do ser humano. Na televisão, naquele jornal famoso do horário nobre, o apresentador apenas lê notícias. E todos acham que estão informados, que a emissora cumpriu sua função social, que o galã do jornalismo é, de fato, um sujeito decente, honesto e íntegro. Aí, recorre-se às redes sociais. E a verborragia corre solta. O vernáculo apanha, levando murro, socos e ponta pés. Tenho pena. Mas a moral, contudo, está com a razão. Cidadãos de bem tem direito de expressar-se, e não importa de quê forma. Se ousar questioná-los, danou-se...porra... a gente esqueceu do amor. Ninguém ama. Ninguém pega na mão uns dos outros para proferir uma palavra leve, agradável, singela, amável.

Viva a arte. Viva o aqui e o agora. Viva, simplesmente, cara. Amanhã é outro dia. E a música pode parar. E o poeta pode fechar o livro. E a gente postergou o beijo, a foda, o fogo, o dionisíaco e o apolíneo. Precisamos da dualidade. A gente vive uma crise da moral burguesa e cristã. Não há poesia. Não há embriaguez. Nietzsche, mais uma vez, estava certo. “Só há arte com embriaguez”, escreveu, em Crepúsculo dos ídolos. William James, psicólogo e filosofo, disse que “a embriaguez une, expande e diz sim; a sobriedade recrimina, separa e diz não”.. A tela faz a alegria da tradicional família brasileira – cujos ideias, evoluidíssimos, são sair às janelas de seus milionários apartamentos para gritar os manjados cânticos virulentos.

O arquétipo mesquinho dobra a esquina, com duas garotas. Uma loira, quadril generoso, sorriso frívolo e cansado. A outra, cabelos negros, voz fina e oprimida, sorriso estático e beligerante. Eles não têm vida. Eles não se embriagam. Eles não sabem o quê é uma foda no meio da rua às quatro da madrugada. Eles, bicho, têm medo. Moças... sigam-me ao paraíso. Eu lhes apresentarei o mundo, a vida, a embriaguez, a poesia. Temos de abraçar o mundo, e temos de abraçá-lo agora. Sábio Jim Morrison. Cadê você, cara? O mundo precisa dos teus versos flamejantes. Hoje, Jim, crianças compram armas com cartão de crédito dos pais, meu.

No início dos anos 60, Jim decidiu cursar cinema na UCLA (Universidade da Califórnia). Lá, ele aprendera truques da Psicologia Analítica de Carl Jung. Manzarek, tecladista do The Doors, também se formara em Cinema, na mesma universidade. Certo dia, Jim lera “Moonlight drive”. Manzarek, sem dúvida, achara aqueles versos “do caralho”. Em seguida, o The Doors sacudira os bons costumes da conservadora sociedade estadunidense. Seus shows eram loucos, alucinados, psicodélicos. Doors era o som da catarse. Era o Apolíneo e Dionisíaco, que seus shows pregavam à risca. Isso era o The Doors.

Schopenhauer disse que a música é a representação sonora da vida, além de ser a arte mais nobre de todas. Ela é a própria essência, e não a essência das coisas. A gente a tem para libertarmo-nos. Há o medo e a segurança. E optamos, quase sempre, pela segurança porque ela é uma terra segura e livre, onde ninguém terá de se arriscar. A gente não quer arriscar-se. Segurança... segurança... segurança... ensinam isso nas escolas: segurança. Pra quê? Pra que consigamos, talvez, viver com algum dinheiro. Mas acontece que nem todos querem segurança. Eu quero liberdade. Sou responsável por minha liberdade. Somos condenados a ser livres.

Freud acreditava que o homem ao sonhar desenvolve um mecanismo de autocensura. Ou seja, aquilo que vivemos negativamente aparece no sonho. Nossos sonhos são símbolos. Salvador Dalí e Luis Buñuel o retrataram, em suas respectivas obras. Este em seus quadros surreais. Aquele, por sua vez, na imagem em movimento (cinema), no corte para outro plano – como em Cão andaluz. Posteriormente, o cineasta italiano Federico Fellini, impulsionado pelas ideias jungianas, filmara Oito e meio. No longa, Fellini retrata um cineasta que passa por uma crise criativa, e não consegue finalizar seu filme. O espectador não sabe quando é sonho, ou realidade.

A vida humana não tem sentido. A gente vive pensando na morte. Tentamos entendê-la, mas não conseguimos. Ligamos a televisão. E aquilo faz-nos um bem. Ali, na tela, há um sonho, um propósito de vida, uma forma leve e superficial de interpretar os fatos. Ali, há felicidade. Ninguém briga. Todos parecem se amar. Contexto? Pra quê, cara. Você não precisa escolher o conteúdo que vai ser vinculado na TV. Eles fazem-no. E você assiste. A imagem é uma ligação entre o homem e seu imaginário. Segundo Satre, a imaginação é infinita. Ela cria um elo entre a pessoa e o espírito. Então, o sonho tornou-se eletronizado, pela TV.

Tudo fora banalizado. O discurso. A arte. O sonho. A torre redige a mensagem, e a gente, educadamente, aceita. Penso em Rimbaud, em Baudelaire, em William Blake, em Henry Miller, em Allen Ginsberg, em Jack Keroauc, em Hunter Thompson, em Luiz Carlos Maciel. Os loucos, desajustados, os sensíveis demais para perceberem que a peça de teatro não vai parar, que o músico vai seguir com sua guitarra, que o poeta vai dar um jeito de abrir o livro e declamar seus versos dilacerantes. Miller fora a Paris. Rimbaud à África. Ginsberg perambulou pelas ruas. Keroauc cruzou os EUA. Thompson viveu o sonho americano e retratou-o, em Medos e delírios em Las Vegas.

E eu, bicho, consegui terminar esse texto.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Livro pra se ler num único suspiro

Capa da obra

Um ano com a cara no ócio, em Paris, fez de Reinaldo Moraes um escritor. Mas não foi tarefa fácil. Após assistir a quinta aula sobre planificação econômica, Reinaldo teve convicção de que aquilo não pra ele. Era 1979. Um ano antes, no Brasil, havia sido aprovada a Lei da Anistia – que livrou do xilindró torturadores e anistiou exilados.

Morto de sono, tomado pelo tédio, Reinaldo foi chamado para uma conversa franca na universidade. Então, foi-lhe apresentado um novo orientador. Por acaso, o cara, também, escrevia um romance e curtia literatura. Os dois encontraram-se no Le Couple, um mítico café de Montparnasse. O professor tinha uma barba maior que a de Reinaldo, e parecia que uma bela amizade despontaria ali. Contudo, eles só ficaram frente a frente apenas naquele dia. E divagaram. E embriagaram-se. E citaram Cèline. O francês passara ao brasileiro uma lista de leitura e, o mais importante, desobrigou-o a frequentar as aulas – e que o procurasse dali três meses.

Porém, o escritor brasileiro estava sempre viajando pela África ou doidão. Ao fim do curso, Reinaldo enviou, por Correios, sua monografia sobre urbanismo. Passou. Escrito nas horas vagas, o tal romance de Reinaldo passou se chamar Tanto Faz. Recentemente, a Companhia das Letras o relançou junto com Abacaxi, inaugurando a coleção Má Companhia. As duas obras foram praticamente reescritas por Reinaldo Moraes, que é um autor obsessivo.

Lançado em 1981, a primeira edição de Tanto Faz chegou ao mercado editorial pela coleção Cantadas Literária, da editora Brasiliense. Até hoje, o texto é complicado de se digerir. A temática gira em torno de sexo, bebedeiras, drogas, músicas, literatura e filosofia escrachada. Há tanta coisa no livro, mas nada acontece. Os personagens deixam-se levar por uma transa, por um téco, por um baseado, por uma boa música, por um verso. Reinaldo dá show. Sua linguagem transita entre o coloquial fino e culto, criando uma perfeita consonância morfológica. Além, claro, dos hilários neologismos. “Ela penabundeou-me” é um deles. “Desencana que a vida engana”, outra. 

O personagem chave dessa zueira literária é Chico, um sociólogo. Com ele, Ricardo – o protagonista – vive perambulando pela noite, bebendo vinho barato, filosofando sobre conceitos esquerdistas e acadêmicos e lembrando episódios do passado. O sociólogo retratado é Gilberto Vasconcelos, espécie de guru e mentor ideológico e boêmio de toda uma geração de artistas e intelectuais. Na década de 1970, Chico não saia do extinto Riveira, bar de esquina, na Consolação, em São Paulo.

Já o segundo romance, Abacaxi, foi encomendado pelo editor Ivan Pinheiro Machado, da gaúcha LP&M. Ele deu a Reinaldo seis meses para o finalizá-lo. Depois de torrar o dinheiro, sem escrever uma linha, Reinaldo refugiou-se e, junto de sua Olivetti 30, desembocou numa pousada barata de Visconde de Mauá. Em 1985, a obra saiu. E foi uma espécie de continuação do primeiro romance, Tanto Faz. A história começa onde terminou a anterior.

O personagem-narrador, um tagarela doidão de trinta anos, resolve curtir uma breve temporada em Nova Iorque – que finda num final de semana etílico-pornográfico -, passando pelo Rio de Janeiro antes de, enfim, chegar a São Paulo. Mas, ao contrário de Tanto Faz, Abacaxi tem uma escrita linear, criando imagens minuto a minuto dos acontecimentos que se sucedem na prosa. Percebe-se que a obra foi escrita com rapidez e alegria, e esta última sensação fica explícita ao leitor.

Depois de Abacaxi, Reinaldo ficou dezessete anos sem publicar, mas não sem escrever. Traduziu Mulheres, do Bukowski. Trabalhou como roteirista de telenovelas. E aguardou vinte e quatro anos para lançar sua obra-prima, Pornopopéia. Isso, contudo, é história pra outra resenha. 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Diálogo socrático

Camarada de boteco, camarada corintiano, camarada biriteiro, sempre me pego em alguns diálogos, imagináveis, sobre o teatro do absurdo do futebol brasileiro, com doutor Sócrates – que brilhou com a camisa 8, na época da Democracia Corintiana. Ele se foi, e num dia em que o Corinthians se sagrou campeão brasileiro, em cima do Palmeiras, em 2011. Foi feito seu desejo.

Mesa de bar. Meio Cartão Verde, da Tv Cultura. O garçom nos traz uma canela de pedreiro e a primeira pergunta: “E o timão, doutor?”. Ele, com toda sua sabedoria, diz: “Vamo fala de muié, que é mais sucesso.”

Sim, doutor. Também prefiro. Muito melhor do que interpretar o limpa que os chineses fizeram no alvinegro paulista. A diretoria disse que está tudo sobre controle, que não há preocupação alguma, que Tite vai reformular o elenco e encontrar uma maneira de armar o time. Essas coisas técnicas e objetivas, que deixariam o tio Nelson puto da vida.

Mas bora falar de mulher, pô. Olha, doutor, que brotinho. Sim, a de calça justa e sorriso reluzente. Óbvio que reconheço. Não superficialmente falando. É a Alice, que resgata, em todos os sentidos, o adjetivo “brotinho”, como na crônica de Paulo Mendes Campos.

“E essa seleção, doutor?”, pergunta o garçom. O doutor afirma: “Difícil. Tudo muito certinho.” Pouco contente com a resposta, o cara continua: “E o Ganso?” O articulador da Democracia Corintiana diz: “Dá pro gasto. Mas sei lá.”

Uma mulher de calça vermelha, o clássico erótico dos botecos, passa em nosso corredor polonês. Por alguns segundos, prendemos a respiração. Todavia, o garçom, impressionado com o doutor Sócrates, da Democracia Corintiana, que estava ao seu lado, perguntou: “Cê viu, doutor, o novo Di Stefano?”. Com toda sua sapiência socrática, o calcanhar de ouro repete o mantra bêbado: “Bora falar de muié.”

Abrirmos mais uma gelada. O doutor contou sobre o período que passou na Itália, quando fora contratado pela Fiorentina, após dizer, publicamente, que se a Emenda Dante de Oliveira não fosse aprovada, ele iria deixar o país. No país da bota, Sócrates mais frequentava os museus e lia Gramsci do que treinava.

Ah, doutor. Que puta saudade. O futebol carece de teus passes. O futebol clama por teus lampejos de genialidade. O futebol brada pela tua voz rebelde que chacoalhava as estruturas conservadora e paternalista dos cartolas. O futebol, doutor, nunca foi o mesmo. A gente parece que esqueceu como se joga, como se toca a bola, como se faz um gol. A gente agora deu de obedecer regras dentro de campo.

Despeço-me com três da madrugada, de Gal Costa:“Três da madrugada/ Quase nada/ A cidade abandonada/ E essa rua que não tem mais fim”.

Valeu pelo diálogo doutor!