Bati a mão na mesa do bar.
Discorri sobre mulheres, sobre filosofia, sobre arte, sobre medos e delírios.
Alguém deu uma risada qualquer. Nem prestei atenção. Segui minha peregrinação
intelectual, alcoólica, canábica e vagabunda. A gente tem medo de falar. Pensamos,
pensamos, pensamos... somos presos ao carro, ao celular. Somos possessivos. Não
sabemos o que é amar. Aliás, nosso conceito de amor encontra-se deturpado pelos
“bons costumes”. Padres e pastores dão às mãos, neste espetáculo teológico,
eclesiástico e pentecostal. Dispensamos uma foda, cara. Você acredita? Pois é.
Às vezes, tenho medo. Vou ao jornal. Leio alguma coisa sobre crise. Tanto se
fala nela, que nem sei o que está acontecendo. Talvez eu seja apenas um maluco, que venera uma buceta, que chupa um cu
feminino de vez em quando. Todo cabra macho deve chupá-lo. Até Leminski o
saudou, num poema. “Ao cu feminino/supremo/ culto e glória”, poetizou.
A arte. Apenas ela pode
livrar-nos do meio careta e pragmático que vivemos. As pessoas estão
preocupadas com a objetividade do ser humano. Na televisão, naquele jornal
famoso do horário nobre, o apresentador apenas lê notícias. E todos acham que
estão informados, que a emissora cumpriu sua função social, que o galã do
jornalismo é, de fato, um sujeito decente, honesto e íntegro. Aí, recorre-se às
redes sociais. E a verborragia corre solta. O vernáculo apanha, levando murro, socos
e ponta pés. Tenho pena. Mas a moral, contudo, está com a razão. Cidadãos de
bem tem direito de expressar-se, e não importa de quê forma. Se ousar questioná-los,
danou-se...porra... a gente esqueceu do amor. Ninguém ama. Ninguém pega na mão
uns dos outros para proferir uma palavra leve, agradável, singela, amável.
Viva a arte. Viva o aqui e o
agora. Viva, simplesmente, cara. Amanhã é outro dia. E a música pode parar. E o
poeta pode fechar o livro. E a gente postergou o beijo, a foda, o fogo, o
dionisíaco e o apolíneo. Precisamos da dualidade. A gente vive uma crise da
moral burguesa e cristã. Não há poesia. Não há embriaguez. Nietzsche, mais uma
vez, estava certo. “Só há arte com embriaguez”, escreveu, em Crepúsculo dos ídolos. William James,
psicólogo e filosofo, disse que “a embriaguez une, expande e diz sim; a
sobriedade recrimina, separa e diz não”.. A tela faz a alegria da tradicional
família brasileira – cujos ideias, evoluidíssimos, são sair às janelas de seus
milionários apartamentos para gritar os manjados cânticos virulentos.
O arquétipo mesquinho dobra a
esquina, com duas garotas. Uma loira, quadril generoso, sorriso frívolo e
cansado. A outra, cabelos negros, voz fina e oprimida, sorriso estático e
beligerante. Eles não têm vida. Eles não se embriagam. Eles não sabem o quê é
uma foda no meio da rua às quatro da madrugada. Eles, bicho, têm medo. Moças...
sigam-me ao paraíso. Eu lhes apresentarei o mundo, a vida, a embriaguez, a
poesia. Temos de abraçar o mundo, e temos de abraçá-lo agora. Sábio Jim
Morrison. Cadê você, cara? O mundo precisa dos teus versos flamejantes. Hoje,
Jim, crianças compram armas com cartão de crédito dos pais, meu.
No início dos anos 60, Jim
decidiu cursar cinema na UCLA (Universidade da Califórnia). Lá, ele aprendera
truques da Psicologia Analítica de Carl Jung. Manzarek, tecladista do The
Doors, também se formara em Cinema, na mesma universidade. Certo dia, Jim lera
“Moonlight drive”. Manzarek, sem dúvida, achara aqueles versos “do caralho”. Em
seguida, o The Doors sacudira os bons costumes da conservadora sociedade
estadunidense. Seus shows eram loucos, alucinados, psicodélicos. Doors era o
som da catarse. Era o Apolíneo e Dionisíaco, que seus shows pregavam à risca. Isso
era o The Doors.
Schopenhauer disse que a música é
a representação sonora da vida, além de ser a arte mais nobre de todas. Ela é a
própria essência, e não a essência das coisas. A gente a tem para
libertarmo-nos. Há o medo e a segurança. E optamos, quase sempre, pela
segurança porque ela é uma terra segura e livre, onde ninguém terá de se
arriscar. A gente não quer arriscar-se. Segurança... segurança... segurança...
ensinam isso nas escolas: segurança. Pra quê? Pra que consigamos, talvez, viver
com algum dinheiro. Mas acontece que nem todos querem segurança. Eu quero liberdade.
Sou responsável por minha liberdade. Somos condenados a ser livres.
Freud acreditava que o homem ao
sonhar desenvolve um mecanismo de autocensura. Ou seja, aquilo que vivemos
negativamente aparece no sonho. Nossos sonhos são símbolos. Salvador Dalí e
Luis Buñuel o retrataram, em suas respectivas obras. Este em seus quadros
surreais. Aquele, por sua vez, na imagem em movimento (cinema), no corte para
outro plano – como em Cão andaluz.
Posteriormente, o cineasta italiano Federico Fellini, impulsionado pelas ideias
jungianas, filmara Oito e meio. No
longa, Fellini retrata um cineasta que passa por uma crise criativa, e não
consegue finalizar seu filme. O espectador não sabe quando é sonho, ou
realidade.
A vida humana não tem sentido. A
gente vive pensando na morte. Tentamos entendê-la, mas não conseguimos. Ligamos
a televisão. E aquilo faz-nos um bem. Ali, na tela, há um sonho, um propósito
de vida, uma forma leve e superficial de interpretar os fatos. Ali, há
felicidade. Ninguém briga. Todos parecem se amar. Contexto? Pra quê, cara. Você
não precisa escolher o conteúdo que vai ser vinculado na TV. Eles fazem-no. E
você assiste. A imagem é uma ligação entre o homem e seu imaginário. Segundo
Satre, a imaginação é infinita. Ela cria um elo entre a pessoa e o espírito. Então,
o sonho tornou-se eletronizado, pela TV.
Tudo fora banalizado. O discurso.
A arte. O sonho. A torre redige a mensagem, e a gente, educadamente, aceita. Penso em Rimbaud, em Baudelaire, em William Blake, em Henry Miller, em Allen Ginsberg,
em Jack Keroauc, em Hunter Thompson, em Luiz Carlos Maciel. Os loucos,
desajustados, os sensíveis demais para perceberem que a peça de teatro não vai
parar, que o músico vai seguir com sua guitarra, que o poeta vai dar um jeito
de abrir o livro e declamar seus versos dilacerantes. Miller fora a Paris.
Rimbaud à África. Ginsberg perambulou pelas ruas. Keroauc cruzou os EUA.
Thompson viveu o sonho americano e retratou-o, em Medos e delírios em Las Vegas.
E eu, bicho, consegui terminar
esse texto.