O mundo da criação. A gente o
quer, e o quer agora. A gente não quer ir para nossos empregos monótonos. A
gente quer escrever poesia, para ser declamada na rua, de madrugada. A gente
quer viver, pura e simplesmente. Já que vocês ficaram com as melhores mulheres,
deixem-nos em nossos quartos escuros, sozinhos, com as damas que sobraram e
apenas uma folha em branco e um cigarro e um baseado e uma caixa de cerveja
para nos acompanhar no emaranhado criativo e poético.
Ao caminhar pelas calçadas,
percebo nas pessoas um semblante pálido. Ninguém mais quer viver. Todos querem
ficar conectados, para poder postar fotos nas redes sociais. Tudo é fático,
frívolo, superficial. Parece que a conversa olho-a-olha sumiu. As pessoas pegam
seus celulares, e teclam. Resolvem problemas pessoais, com alguns cliques. Nos ônibus,
na fila do supermercado, no taxi, na rua, na calçada; todos carregam um
aparelho.
Jonathan Franzen, em Como ficar sozinho, contou que há vinte
anos as pessoas tinham maços de cigarros nos bolsos. Hoje, ninguém fuma. O
mundo virou careta. Allen Ginsberg soltou o nó da gravata da linguagem poética,
nos anos 50, quando lançou Uivo. Van
Gogh pirou, enchendo a cara de absinto. Nietzsche afirmou que deveríamos pensar
a existência de Deus. Só que não pensamos a existência de Deus. Preferimos
engolir Deus, o governo, a ordem, o sistema sem digeri-los. A gente não pira mais.
Coloco L.A Womam, do The Doors. Jim
Morrison diz para nos soltarmos no início do disco. Eu tento. Eu sinto que
estou num daqueles textos. Toda ideia quando vem à cabeça tem pressa para sair.
Ela pede incisivamente para ser jorrada para fora. Quando Morrison e Ranzarek
decidiram fundar o Doors, em Venice, Los Angeles, em 1967, era uma ideia que
precisava sair. Quando Henry Miller, aos quarenta anos, escreveu Trópico de Câncer, era uma ideia que
tinha pressa em sair. Quando Rimbaud abandonou a poesia, era uma ideia que
explodira.
O mundo é constituído por ideias.
Porém, não as pensamos. Estamos preocupados com o amanhã, enquanto o agora
passa bem em nossa frente e não fazemos nada, porque assistimos ao show de
horrores, mostrados na televisão e propagados na internet. Hoje, crianças
compram armas com os cartões de crédito dos pais. Hoje, as pessoas são
seduzidas pela violência. E matam para ver o sangue escorrer.
Temos tanta preocupação. Temos
que pensar em assalto, em comida, em dinheiro, em como sobreviver a mais um
dia. E no final não há tempo para a criação. Mas precisamos da criação.
Precisamos libertar a alma, e a libertamos através da arte, do ócio, das
ideias. Viver é criar. O mundo clama por música, por cinema, por fotografia,
por teatro. O mundo não precisa de novos Crepúsculos
a serem escritos. O mundo angaria por energia. O mundo não aguenta ficar de
gravata. É... fomos jogados nesse tabuleiro, sem saber. E não nos ensinaram como
deveríamos montá-lo. Acontece que não queremos jogá-lo. Queremos abrir a
janela, e olhar o horizonte e fumar um baseado, ouvindo o barítono de Morrison.
Queremos transar, sem preocupação.
Poético Morrison. Ele fundou o
Doors, depois de ver que a faculdade não lhe acrescentou nada. Estudou cinema,
na UCLA (Universidade da Califórnia). Os professores admiravam-no, por conta da
percepção que nutria sobre a natureza humana. Então, formou uma das melhores
bandas de rock da história. Lançaram cinco discos memoráveis. Poesia, teatro,
filosofia foram misturadas à bossa nova, ao flamenco e ao jazz. O resultado não
poderia ser diferente: do caralho!
Em 1969, o conjunto teve de
enfrentar o sistema judicial americano. Segundo Jerry Hopkins, em Ninguém sai daqui vivo – biografia de
Jim Morrison -, o Doors chocava os bons costumes americanos em suas
apresentações. Ray Manzarek, em Mrs Mojo
Risin, documentário exibido pelo canal BIS, relatou que eles foram
perseguidos depois do julgamento de Jim, em 1969, por exposição indecente. “O
sistema nos prejudicou”, disse o tecladista. Eles tiveram, após o incidente, vários shows
cancelados.
Morrison foi julgado. E nesse
período, final dos 60, começo dos anos 70, escrevera alguns livros de poesia. O
poeta e amigo Michael McClure os lera e disse que eram geniais. Jim gostara de
ouvir aquilo. Morrison Hotel fora
lançado. Era o retorno ao blues. Era o retorno às origens, que iniciaram em Morrison Hotel e que culminaram em L.A Woman.
Que puta som!
Bem, o que quero dizer com essas
referências é: o mundo da criação não precisa de suas regras, de suas ordens,
de suas imposições. Precisamos de sossego. E do caos. Queremos nosso quarto
escuro. Queremos nossa guitarra. Queremos nossos discos. Vocês têm duzentas
curtidas em suas fotos nas redes, vocês têm as mulheres mais belas, os
melhores carros, os melhores celulares. A gente tem apenas uma carteira de
Marlboro e, se der sorte, um baseado para fumar enquanto a ideia não bater à
porta.
L.A Womam é um disco foda.
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