sábado, 25 de fevereiro de 2017

As balzaquianas

De repente elas se tornam balzaquianas, mas poucas leram a Mulher de trinta anos, do francês Honoré de Balzac, escrito há de mais de 150 anos. Veja o que ele diz:

“Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer”.

Bem... outra francesa, Madame Bovary, trintona, era extremamente maravilhosa, tanto que Flaubert, seu criador, disse nos tribunais: “Madame Bovary c´est moi”. E Marilyn Monroe, que fez tudo aquilo aos 30 e poucos? E Alessandra Negrini que deixou marmanjos boquiabertos no início dos anos 2000 ao ser capa da Play Boy e, ano passado, fez homens de todas as faixas etárias babarem ao lhe ver desfilar no carnaval paulistano?

Voltemos a nossa mulher de trinta, a mulher tropical, a que você encontra com o filho na porta da escola ou bebendo uma cerveja no bar, sozinha. Sim, mulher de trinta bebe cerveja sozinha! Mulher de trinta não tem pressa porque já passou a inexperiência de querer tudo agora. E sabe o que as deixam mais encantadoras? Elas parecem nunca perder aquele jeitinho dos 20.

A mulher de trinta está quase se casando. Ou se divorciando, depende. Até os quarenta ela ficará sozinha, curtindo a vida. Depois, aos quarenta e dois, quarente e três, ela vai à procura do pretende definitivo. Mulheres de trinta são charmosas, que vivem espalhando sabedoria e derretendo o coração de muitos caras por aí.

Elas são calmas. Não se afobam para se despir, nem para transar. Tudo é muito tranquilo. A mulher de trinta anos já viveu as experiências dos vinte – a tal da afobação feminina. Nesta idade, é comum encontrar mulheres que dispensam o cara após uma foda. “Ah, não sou obrigada a me relacionar com quem é ruim de cama”, exclamam elas, aos vinte. “Sexo é relativo, gatinho. O que é bom pra mim, às vezes não é tão bom para você”, afirmam elas, aos trinta.

A mulher de trinta não faz plástica, apenas cuida do corpo. Algumas até tem barriguinhas, que acentuam sua beleza. Ela não fica apenas por ficar, mas quando fica faz sexo como se fosse pela última vez. A mulher de trinta morde, grita, sussurra. Ela não finge orgasmos só para lhe deixar com o ego amaciado, ela mata-o logo de uma de vez, seja um jovem, aos dezoito, ou um velho, aos sessenta.

E as costas da mulher de trinta anos? Mais parece pele de pêssego, como diz Machado de Assis, referindo-se a Helena, protagonista de romance homônimo. E os pêlos pubianos? Levemente aparados, mas não lisos, como as de vinte gostam de deixá-lo, não me pergunte por que.

Todavia o que mais me fascina nas mulheres de trinta é a independência. Moram sozinhas e cultivam o frescor das de vinte e a responsabilidade das de quarenta. Adoram pétalas e animais de estimação – algumas excessivamente, é verdade. Curtem janelas abertas, e no som sempre rola um Serge Gainsbourg, Frank Sinatra ou Taiguara.

Amam quem querem, quando querem, como querem. Seja no banco do carro, no conforto do quarto ou nas regalias do motel. E o mais fundamental: do jeito que querem.

Sábio Balzac: “A mulher de trinta anos satisfaz tudo”.

O que tem as mulheres de trinta anos? Sinceramente, não sei. Experiências, talvez.

Ponto. Era apenas isso.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Juiz bem que tanta, mas não consegue

Expulsão de Gabriel esquentou o clima, no dérbi
Clássico é clássico. É o dia em que a gente pode e deve fazer tudo. A cerveja e o torresmo são obrigatórios, pois quem consegue aguentar a tensão de um dérbi, sem uma Bavária e comida de boteco nas mãos? Sim, todo ritual é pouco. E não me pergunte por que. Nem sempre há respostas para tudo...

Para a partida, a Arena Corinthians foi colorida com os sinalizadores da Gaviões da Fiel. Antes de começar o confronto, os torcedores protestaram contra a modernização do futebol. Trinta e um mil pessoas gritaram o tempo todo, cobrando o time em campo e, principalmente, amedrontando o rival.

O alviverde, realmente, é uma equipe melhor que a nossa. Jogam um futebol veloz, que busca o gol, além de terem várias estrelas. Modestamente, estamos ainda construindo um time e nos preocupamos em não levar gol para conseguir anotá-lo na sequência. A luta, o sofrimento, a superação fazem parte do dia-a-dia dos corintianos. 

Assim quebramos um jejum de 23 anos, em 1977, e ganhamos uma Libertadores, 2012.

Cem anos depois de se encontrarem pela primeira vez, alvinegros e alviverdes fizeram o 357º dérbi da história. Em casa, o Timão apostou na mitologia que construiu para driblar as adversidades, ultrapassando falha grotesca da arbitragem e, psicologicamente, não deixando-se abalar.

Mas nem tudo pode ser perfeito. E, convenhamos, se o futebol é a representação da vida não há perfeição alguma no esporte bretão. Impulsionado por sentimentos devastadores, o arbitro do jogo, Thiago Duarte Peixoto tirou o segundo cartão amarelo e mostrou para o volante corintiano, Gabriel. Até aí, tudo bem.

O camisa, todavia, 5 sequer participou do lance. Maycon puxou a camisa de Kenon, e o assoprador de apito mandou Gabriel para o chuveiro, mas o jogador ficou alguns minutos em campo, chutando garrafas de água à beira do gramado e recusando-se a sair dali.

Imagens da Globo mostram o juiz conversando com os auxiliares logo após sacar o cartão vermelho. “Não é o Gabriel”, assinala Thiago. Nas arquibancadas, as palavras eram uníssonas: “Juiz filha da puta”. A cretinice aconteceu aos 45 minutos do primeiro tempo, e afetou a equipe alvinegra, que ficou com um a menos.  

Estava difícil sair um gol. Lembro-me dos clássicos que vi, entre Corinthians e Palmeiras. Mas havia ali, na Arena, um espetáculo à parte, chamado Gaviões da Fiel. A torcida não quis nem saber e soltou um sinalizador, transformando a áurea do confronto e indo em desencontro com a liminar concedida por Alexandre de Moraes, que impôs torcida única nos clássicos paulistanos.

Verdadeira festa. Uma festa regada a indignações, sofrimentos e muitos, muitos xingamentos. Ser corintiano, para parafrasear Rita Lee, é gostar de sofrer, e continuar adorando o Timão. Porque o Corinthians é paixão avassaladora, e você não tem muita escolha a não aderir ao bando de incandescidos que torcem e entoam cânticos nas ruas, no estádio e na mesa do bar.

O jogo tinha tudo para findar com aquele zero chato no placar e, caso ele continuasse, os torcedores deveriam ser reembolsados de seus ingressos. Nada é mais injusto e irresponsável do que pagar e assistir um jogo truncado, sem grandes emoções. 

Futebol é a bola na rede. É o que a Gaviões quer ver. É o que eu quero ver.

Sem alternativas, Carille pôs Jô em campo e o atacante decidiu a partida aos 42 do segundo tempo, após falha do Palmeiras. Nas arquibancadas, os torcedores gritavam “vamo, vamo Corinthians, esse jogo, teremos que ganhar”. 

Era de arrepiar. A vitória estava encaminhada. O Timão precisava apenas controlar o ímpeto ofensivo do Palmeiras. Até agora estava tudo certíssimo... mesmo com a ajuda do senhor Thiago ao Crefisa F.C.

Falem o que quiser: a vitória no dérbi foi a coisa mais justa do mundo.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Eterno camisa 8 da Fiel

Felicitações, doutor
Amigo sofredor, amigo torcedor, há 63 anos nascia Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, um dos maiores craques – dentro e fora de campo – que o Brasil já viu.

Natural de Belém-PA e recém-formado em medicina, Sócrates chegou ao Corinthians em 1978. Mas o auge mesmo foi naquele timaço da democracia, com Wladimir, Casagrande e companhia, no biênio 82/83.

O doutor, aliás, só saiu do Corinthians porque a Emenda Dante de Oliveira fora aprovada pelo Congresso, em 1984. Democrata acima de qualquer coisa, ele declarou em comício pelas Diretas Já que se a ditadura continuasse iria embora. Dito e feito.

Uma pena. Meses depois, o Corinthians ficou órfão de seus toques de calcanhar e de seu posicionamento político.

Agora, se o amigo sofredor me perdoa, preciso me declarar para o eterno camisa 8 da Fiel.

Até hoje o futebol sente tua falta, doutor, acredita? “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”, afirmavas, inteligentemente.

Quando morreste, doutor, no dia em ganhamos o campeonato brasileiro, em 2011, chorei lágrimas tão pesadas quanto a labuta diária, porque sabia que o futebol perdera uma figura única. Ninguém mais criticará a rapidez dos jogadores hoje em dia, que tu tanto criticavas.

Infelizmente, não te vi jogar. Ah, como eu queria te assistir dar aqueles passes, jogar com aquela calma e elegância no meio-de-campo. Hoje, apenas me restam as declarações de meu avô, sofredor há sessenta anos: “Jogava com calma, tranquilidade, um gênio”.

Uma pena que em 1982, foste eliminado da Copa do Mundo pela disciplinada Itália de Paolo Rossi, que virara campeã, em cima da Alemanha Ocidental. Futebol tem dessas coisas mesmo... vai entender. 

Como tu dizias, não há que ficar preso apenas no aspecto tático, é preciso olhar com sensibilidade a subjetividade da partida.

Me lembrarei de ti eternamente por causa da Democracia Corintiana – o que me fez, sem dúvida, amar o timão acima de todas as coisas. Disputaste 298 partidas e fizeste 172 gols com o manto alvinegro.

Foste um gênio, deitaste contra o Palmeiras inúmeras vezes, enfrentaste o São Paulo outras tantas, time historicamente elitista, e sagraste bicampeão em cima deles.

Mas em 04 de dezembro de 2011, horas antes de enfrentarmos o Palmeiras, no templo sagrado do Pacaembu, tu morreste, magrão. “Quero morrer no dia em que o Corinthians for campeão”, declaravas.

E foi feita tua vontade. 

Como forma de te homenagear, os jogadores do timão ergueram os punhos, exatamente como fazias para comemorar os gols. Foi uma emoção que só vendo.

Felicitações, doutor.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Um copo de cólera

Autor do romance que dá título a esta crônica, Raduan Nasser botou para quebrar na cerimônia de entrega do Prêmio Camões. Uma vez antigolpista, sempre antigolpista, ora pois.

Que falta fazes entre nós, professor Darcy Ribeiro, a essa altura cujas vozes não falam nada mais do que frases odiosas e, majoritariamente, fascistas. Apesar de você, amanhã há de ser, outro dia... só nos resta mesmo sambar ao som de Chico Buarque.

É professor Darcy, fazem vinte anos que partiste dessa aldeia mestiça. Está complicado, mestre. Outro dia, no ano passado, só para teres uma ideia, criaram uma Medida Provisória que reformula o ensino médio sem ouvir tua classe, os professores, e quem se senta nos bancos escolares, os alunos.

Assim, professor, aos trancos e barrancos, o vice que assumiu o Planalto após gambiarra do judiciário segue o arbitrário roteiro reformista sob a fanfarra gozadora da Casa Grande. Para se ter uma ideia, quem dita os rumos da educação é um tal de Mendonça Filho, filiado ao DEM, e que não sabe nada de educação.

Chega. Tu não mereces, Darcy, tantas más notícias neste teu dia. Alias, teu dia fora na última sexta-feira. Engano deste cronista zoado de costumes. Perdão...

Vinte anos, nobríssimo Darcy, que falta fazes tua teoria atrelada à prática, com tua ventania verbal que se glorificava de ter fracassado em tudo o que tentou, e que dizia que não desejaria estar na pele dos que te venceram.

Desce, vai, quebra essa, e chama o também Brizola. Aqui está difícil, mas ainda tem gente que admite que foi golpe.

Bem, me recordo do teu mantra, mestre: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.

Agora diz para mim, como tem sido o incrível Raduan Nasser? Não foi somente no palco da glória literária. Mandou na lata, e deixou a crônica política caladinha. 

Infelizmente, o Movimento Brasil Livre, aquele cujo presidente é um piá que não sabe formular uma frase num debate, disse que Raduan criticou os golpistas, porém recebeu 100 mil deles. O debate por aqui parece um Fla x Flu.

Que falta, seu Darcy, nestes 20 anos. Que falta nesses tempos em Mendoncinha cuida da educação e, lastimavelmente, chama Alexandre Frota para discuti-la, um verdadeiro sábio quando permanece com a boca calada.

“O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”.

Na quarta-feira, seu Darcy, mandei mais ou menos essa tua lavra, e me afoguei num litrão de Antarctica. Não está nada fácil, mas deixa para lá. 

Que falta fazes, Darcy.

Poderia ficar discorrendo sobre tuas frases. Ah, me lembro de um gracejo teu. Dizias que o ideal é amar três mulheres ao mesmo tempo. E que elas, em contrapartida, também amassem um trio, ora pois.

Nestes tempos estranhos, a saudade só aumenta professor Darcy. Tim-tim, com direito a Raduan na hora certa. Lindo.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Antes de clássico, Corinthians enfrenta “pedra nos sapato dos grandes”

No ano passado, o Timão foi eliminado pelo Audax, nas semifinais do Paulistão. Foto: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians
O Timão visita o Osasco Audax neste sábado, 18, às 17h, no José Liberatti, em partida válida pela quarta rodada do Campeonato Paulista. Segundo colocado no Grupo A, com seis pontos, o alvinegro precisa vencer para encarar o Palmeiras, na próxima quarta-feira, 22, com confiança alta.

Do outro lado, o técnico Fernando Diniz não tem desfalques e relacionou 22 jogadores. Já Carille fará mudanças na equipe. Na lateral esquerda, Guilherme Arana ocupará vaga que era de Moises e, no ataque, Kazim fica com a vaga de Jô – criticado pela torcida após perder pênalti contra o Santo André, no último sábado.

Audaciosamente, o Audax tem sido a pedra no sapato dos grandes do Estado. Dificultou a vida do São Paulo, na primeira rodada, e fez quatro gols na zaga tricolor. Carille, porém, está confiante e assegura que conhece o estilo de jogo de Diniz.

“Estamos programando duas situações para marcar. Conheço o Fernando faz tempo. O Audax coloca a bola no chão e quer jogar. Isso é bonito e estamos estudando as duas situações”, afirmou o técnico corintiano, ao Estadão.

Desde o ano passado, quando conseguiu se firmar na elite do futebol paulista, o Audax tem incomodado os grandes. Foram oito jogos, com três vitórias, dois empates e três derrotas. Na temporada passada, inclusive, o time foi vice-campeão, após empatar em casa e perder por 1 a 0 para o Santos, na Vila.

Em plena Arena, o Audax eliminou o Corinthians ao vencer nos pênaltis após empatar por 2 a 2 no tempo normal. Bruno Paulo, atualmente no Corinthians, e Tchê Tchê, no Palmeiras, marcaram os gols do time presidido por Vampeta, naquela ocasião.

Só dois titulares

Antes da semifinal do Paulistão, o clima era de paz no Corinthians. A equipe fazia boa campanha, com 16 vitórias em 22 partidas, envolvendo o Estadual e a Libertadores, na qual havia goleado o Cobresal (CHI) por 6 a 0, no último jogo da primeira fase.

O ambiente, contudo, começou a pesar justamente após a queda contra o Audax, que culminou na eliminação nas oitavas de final da competição continental pelo Nacional (URU). Em seguida, Tite assumiu a seleção. E a crise não parou de aumentar.

Em menos de um ano, duas trocas de treinador e negociações que desmantelaram o elenco. Dos três titulares daquele jogo, Guilherme é opção no banco, e Cássio e Fagner continuam no time.

Aliás, Cássio recuperou a titularidade após falhas frequentes no ano passado. Walter, que assumiu a meta alvinegra, está lesionado, e o camisa 12 retornou ao time e conseguiu se firmar. Fagner, no entanto, continua imbatível com a camisa 23.

“Eles fizeram por merecer ano passado dentro da Arena, foram felizes de acertar dois chutes de fora da área. Eles mudaram bastante, mas não tem rivalidade. Esse ano é outro, outro campeonato. Durante a competição, ano passado, ganhamos deles. E assim vamos encarar, como mais um jogo importante”, disse Carille, auxiliar de Tite em 2016 e treinador 
do Timão em 2017.

Já na equipe de Osasco houveram várias mudanças. A maioria dos jogadores que defenderam o time ano passado não fazem mais parte do elenco. Inclusive, dois deles estão no Corinthians: Camacho, que pode ser titular neste sábado, e Bruno Paulo, que nem foi escrito no Paulistão pelo alvinegro.

Ficha técnica

AUDAX: Felipe Alves; Marquinhos, Felipe Rodrigues, André Castro e Betinho; Léo Arthur, Pedro Carmona, Danielzinho e Gabriel Leite; Hugo e Ytalo

Técnico: Fernando Diniz

CORINTHIANS: Cássio/ Fagner, Balbuena, Pablo e Guilherme Arana; Gabriel, Romero, Camacho, Rodriguinho e Léo Jabá; Kazim

Técnico: Fábio Carille

Juiz: José Claudio Rocha Filho

Local: José Liberatti, em Osasco

Horário: 17h

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Meio século do devaneio edipiano dos Doors

Capa de The Doors, primeiro disco da banda californiana
Lembro-me a primeira vez que ouvi The Doors, Tell all the people, do disco The soft parede, de 1969, em uma fita cassete, no início dos anos 2000. Após sentir o lirismo do primeiro acorde de Robby Krieger, imediatamente pensei: “Isso soa diferente”.

Mas de que forma soava diferente? Bem, a bateria de John Desmonre tinha levadas de bossa-nova, e era fácil de imaginar que por atrás das baquetas havia um cara que era aspirante ao jazz. O órgão de Ryan Manzarek era um instrumento que possibilitava aos Doors um som com fortes pegadas psicodélicas, além de que ele também era o responsável por imitar o baixo, embora em algumas músicas o houvesse de verdade. A guitarra de Krieger era limpa, lírica e com fortes influências de flamenco, música típica da 
Espanha. E no vocal havia Jim...

Morrison usava voz de barítono. Ele vociferava como seus mestres, Frank Sinatra e Elvis Presley. Não é difícil entender por que os hipsters de Nova Iorque, fascinados pelo som de Loud Reed e do Valvet Underground, tenham-no detestado deste o início. Mas a música nunca fora a primeira opção de Morrison, nem a segunda.

Poeta doidão e culto, ele desde a adolescência se mostrou interessado em literatura, sobretudo a poesia marginal Baudelaire e Allen Ginsberg, além dos romances de Jack Kerouac, William Burroughs e a filosofia dualística de Nietzsche. Morrison era o místico sem fé, que bebeu todas e fumou todas, criando ao redor de seu personagem uma das maiores lendas da história do rock. Até hoje, as causas de sua morte, aos 27 anos, em Paris, são incertas. Overdose de heroína ou infarto?

Infarto, prefiro crer, mantendo viva áurea romântica em torno do vocalista.

Obviamente, a crítica musical lhe definiu com ares arrogantes: “Morrison soa como um idiota”, escreveu Robert Christgau. Era notório que os Doors não eram ignorantes. Eles demonstravam referências intelectuais, que foram proporcionadas por seus professores, na UCLA (Universidade da Califórnia).

Invocaram desde o drama edipiano, de Sófoles, ao teatro do Absurdo, do surrealista Antonin Artuad, aos textos de Aldoux Huxley, que atentavam para o surgimento de uma nova consciência. Nada mais eram do que os filhos da contracultura. De praxe, tinham fascínio obrigatório pela Índia. Manzarek e Desmonre se conheceram em aulas de meditação transcendental.

Eles também apreciavam o gosto pelo blues, comum àquela geração, mas com uma justa ressalva: os Doors, particularmente Jim, usavam o blues para rechear suas catarses com combustível erótico, que não deixavam nada para depois. Isso ficara evidente em versões lisérgicas de Back door man, de Howlin Wolf, e Crawling king snake, de John Lee Hoocker.

Numa de suas melhores sacadas, Morrison definiu-os como “erotic policians”. Ou seja, eram preocupados, como a juventude de sua época, que tinha sede em mudar o mundo e a música, mas usavam o erotismo como forma de conhecimento. Após o primeiro single, Break on Trough (to the other side), em que apresentaram suas intenções sonoras e intelectuais, eles causaram impacto com Light my fire, single do primeiro disco e estrondoso sucesso radiofônico.

A música ficara na primeira posição das paradas estadunidense, e a guitarra de Krieger dramatizava uma sessão de drogas e sexo sugerida por Morrison. Ao apresentarem a canção num programa de televisão, Ed Sullivan Show, Jim não aceitou nenhuma intervenção à letra, cantando-a com os flamejantes versos “Girl, we couldn´t get much higher”.

Eles não queriam agradar o show business, é claro.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

País do futebol?


Argentinos discutem o futebol brasileiro
Dois jovens de aproximadamente 20 anos estão sentados, bebendo uma cerveja. Eles começaram juntos nas equipes de base do Boca Juniors. Bons de bola, facilmente chegaram à equipe principal. Por causa dos lances habilidosos choveram ofertas, mas permaneceram por mais um ano em Buenos Aires. No final da temporada, não se viram mais. Agora, dois anos depois, numa “tardecita” da capital argentina, eles conversam.

Um deles falava sem parar. Gesticulava e molhava a palavra com cevada, temperada por cigarros. Ele tinha retornado ao Brasil recentemente. Jogava numa grande equipe e contava ao amigo como eram as coisas por aqui. Falou dos estádios, às vezes sensacionais, como as arenas construídas para a Copa do Mundo, às vezes taperas, como as do interior do Brasil, mas que caracterizam e democratizam o futebol, com preços de ingressos acessíveis.

Complicado de se acreditar, mas o futebol no Brasil passou a ser coisa de rico. Uma arquibancada como as argentinas, com as torcidas gritando a plenos pulmões, como a do Boca Juniors, time em que começara a jogar, nem pensar. Tudo é muito confortável, parecendo shopping center cujas pessoas vão ver a tarde passar, e sequer sabem o que é um volante ou zagueiro. Verdadeiros torcedores de condomínio, assegurou o argentino.

Claro, havia violência entre torcidas, sobretudo as rivais, mas nada de outro mundo. Nada que supere um River e Boca. Falava-se disso dois, três dias, depois os jornais se calam. Afinal, quem vai ao estádio em carro blindado não têm quaisquer preocupações. É tudo fácil. Bem, ao menos para quem estaciona o automóvel na porta das arenas. Elite levando borboada? Não, não... A violência é coisa para ser revolvida entre a polícia e quem a enfrente, na base da porrada, de preferência.

As crônicas, disse o argentino ao amigo uruguaio, também deram lugar a comentários pífios de especialistas, que não sabem pôr uma vírgula sequer no texto. Não há Nelson Rodrigues e seus relatos poderosos. A subjetividade deu lugar a objetividade, fazendo com o que tio Nelson se revire na tumba, com os idiotas da objetividade.

O outro só ouvia, atentamente. Nem piscava os olhos, tamanha era a concentração. Como pode um país como o Brasil não revelar meio-campistas – logo eles que povoaram a meia cancha? Pelo menos o salário é bom, principalmente se o time que te amarrar um contrato generoso com algum patrocinador, que nada de braçadas em dinheiro.

Disso tudo o outro já sabia. Ouviu relatos de outros boleiros.

Mas, então, essa história do meio-campo é verdadeira? Sim, lá estão D´Alessandro, Conca, Montillo e, recentemente, até um venezuelano chegou, além de Borja, atacante que o Palmeiras foi à Colômbia para trazê-lo.

Abismado, o uruguaio ouvia tudo calado, lacônico. E, para completar, no ataque a coisa ia de mal a pior. É verdade que apareceu um garoto, Jesus, mas ele já foi vendido para a Inglaterra. Por isso eles nos procuraram, e não têm receios de gastar dinheiro, se vangloria o argentino.

E, agora, você não imagina, diz o hermano: o Brasil te dá visibilidade, e rapidamente surgirá ofertas da China ou Europa. Se você der certo, beleza. Se não, eles contratam do mesmo jeito.

“Te dás cuenta?”, pergunta o argentino que joga no Brasil.

“No, no entiendo”, responde.

“Yo tampoco, pero asi es en Brasil”, assegura.

“Que pais, che”, disse ele. “Vuelvo para alla mañana”.

Será que o Brasil ainda é o país do futebol?

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência

domingo, 5 de fevereiro de 2017

A falta de surpresa do Paulistão

"Surpresa" do Paulistão, Ceni sofre primeira derrota no banco tricolor. Foto: lance.com.br
Rezemos para que algo novo aconteça nos campeonatos estaduais. Por favor, se alguém souber de alguma coisa, me avise. Qualquer coisa que seja. Porque por conta dos interesses midiáticos, só conseguimos ter notícias dos grandes times do Brasil - aqueles do eixo São Paulo e Rio de Janeiro, especificamente). De tudo o que vi, não encontrei nenhuma surpresa.

Em geral, os campeonatos estaduais oferecem mais do mesmo. Servem apenas para os grandes times se prepararem para a temporada. E os pequenos, que de vez enquanto surpreendem, como o Audax, ano passado, têm chances de disputador a Série D, dependendo da colocação. Tirando esse fator, nada de mais, ora pois. Apenas Ceni pode ser alçado à condição de atrativo do Paulisão.

Será? Talvez, mas no primeiro jogo o ídolo não convenceu. Perdeu de 4 a 2 para o Audax. E após a partida, Ceni tentou explicar a derrota do tricolor, inutilmente. “Jogamos com o time um pouco mais aberto do que na pré-temporada. Não conseguimos ter a compactação de que gosto”, explicou o ídolo.

Já o Corinthians, ontem, venceu o São Bento fora de casa, por 1 a 0. O escrete de Fábio Carille apresentou um futebol organizado, com a defesa aparentemente arrumada e o ataque, como na era Tite, truncado. Para sair do zero, o Timão contou com a ajuda de Jô, que achou um pênalti e ele mesmo converteu.

E o atual campeão brasileiro venceu o Botafogo-SP, por 1 a 0. O técnico, Eduardo Batista, no entanto, cobra melhor organização e movimentação de jogo: “A gente precisa ficar um pouco mais com a bola. Em determinados momentos, a gente tinha a bola e acabava rifando. Temos de aparecer mais no espaço”, afirma o treinador, referindo-se ao atacante Dudu, em entrevista ao Estadão.

Dos participantes menores, dos adversários dos grandes, mal sabemos o nome do camisa 10. Não há sequer alguma informação meramente detalhada sobre o que estão fazendo. No último Corinthians e Ferroviária, creio que ficou claro que eles têm muito pouco a oferecer. Mas, na verdade, o que me intrigou foi as emissoras de televisão e sua falta assaz de criatividade para preencher o buraco na grade de programação.

Sinceramente, o que leva uma emissora transmitir um jogo treino de avaliação e ajustes tático, cujo resultado não deixará o torcedor surtado. Talvez, um documentário sobre a história da Invasão Corintiana de 1976 poderia preencher o buraco na grade de programação. Ou, melhor ainda, um jogo épico de grandes times dos estaduais. Será que nada, nada mesmo, pode substituir o jogo-treino?