domingo, 31 de julho de 2016

Os cânceres do Brasil

Sempre me intrigou saber por que um sujeito decide filiar-se ao PMDB, DEM e PSDB. O que passa pela cabeça do cara ao fazer parte deste bando de gangsteres? Como ele é visto pelos amigos? Como o tratam? Não adianta. O PMBD, DEM e PSDB são o câncer do Brasil. É uma metástase que alastrou-se às luzes de abril de 1964.

Sim, tem de ser feita uma distinção. É extremante tênue, mas necessária. Por exemplo: o PMDB de Requião é o mesmo PMDB de Cunha e seus comparsas? Um candidato do PMDB sabe que a classe mais vulnerável, os pobres, tem de vender o seu voto. Só assim chegarão ao poder. Os outros partidos, PSDB e DEM, são como um salafrário em busca de seu alvo.

O PMDB veio do MDB. É preciso fazer a arqueologia da criminalidade. Ninguém percebeu com mais lucidez as intenções do MDB, do que Leonel Brizola. Ele afirmava que o partido não inspirava confiança alguma. Nasceu no ventre do golpe de 1964, foi idealizado e criado pelo Marechal Castelo Branco e teve total apoio dos golpistas. Originou-se da ala moça do antigo UDN, partido de ultra-direta, que tinha como expoente mor, Carlos Lacerda.

O DEM e o PSDB, por suas vezes, foram criados nos anos 80. No período, o Brasil vivia entremeado de esperanças. Era um futuro que nascia, em frente aos olhos da população, que vivera vinte anos sob a batuta dos fardados. Em 1985, o PFL – partido que dera origem ao DEM – integrou a base aliada do governo Tancredo Neves – que nunca chegara a assumir, por razões que conhecemos. Já o PSDB, tinha propósitos sociais-democrata. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que em outrora fora filiado ao PMDB, idealizo-o e criou-o junto de Mário Covas. Era uma luz, falaciosa, que despontava no fim do túnel.

Endeusado como um mártir da democracia, Ulysses, em 8 de abril de 1964, ajudou a redigir o Ato Institucional Número 1. Ulysses desejava que a cassação dos direitos políticos durassem quinze anos, e não dez. Com escreveu, em sua coluna na revista Caros Amigos, o sociólogo Gilberto Vasconcellos afirmou que o mandatário peemedebista não queria conceder anistia a Brizola.

Que caneta poderosa segurava o dr. Ulysses!

E o mais maluco de tudo: o cara passa por janguista por sido ministro da Justiça de João Goulart. Aliás, inúmeros ministros desse governo nada tinham de janguistas. Lembremo-nos de Roberto Campos e Franco Montoro.

Desta bagunça saíram Fernando Henrique Cardoso, José Serra e os pequenos burgueses que criaram, em 1988, o PSDB. No poder, os tucanos se esqueceram de suas bandeiras. FHC, um notório sociólogo, cujo mestre fora o brilhante Florestan Fernandes, esqueceu tudo o que lera e escrevera em sua carreira acadêmica. Em Brasília, ele flertou com o neoliberalismo e dançou sua música. Estatais foram saqueadas e vendidas – num dos períodos mais nebulosos de nossa jovem democracia.

Hoje, Serra tem um plano genial: entregar aos gringos a Petrobras, com evidências na telenovela Lava-Jato. Serra é o maior exemplo da herança do PMDB. Acha-se superior intelectual e pessoalmente. Todavia, o tucano deve-nos explicações sobre o que, de fato, acontecera no período da privataria tucana – cujas privatizações foram relatadas pelo jornalista Amauri Ribeiro Júnior, em livro homônimo.

As multinacionais conseguiram instituir o terror psicológico. Dilma fora afastada. Se a Petrobras for entregue ao capital internacional, como deseja o pensador José Serra, a Lava-Jato vai acabar. Ora, como dar credibilidade a uma operação que não pôs nenhum tucano no xilindró? Como confiar num juiz que nunca encarcerou nenhum tucano no rombo do Banestado? Parece uma brincadeira jocosa, de muita criatividade, alias. Temos de reconhecer, não é? Eventualmente tenho a leve impressão de que estou num romance fantástico de Gabriel García Marquez.

Com a entrega da Petrobras aos gringos, o preço do petróleo vai abaixar. É mais ou menos o que aconteceu com o plano real, em meados da década de 1990. Para gringo ver e adorar.

Vender a Petrobras é um crime contra o povo. Equívoco dessas mentes brilhantes, para usar a expressão de Bautisa Vital, é relacionar a estatal apenas ao petróleo, que está se exaurindo e do qual todos os países querem ver-se livre, por conta de seu caráter anti-ecológico.

Com a privatização da Petrobras, não tenhamos dúvida de que o imperialismo terá uma sobrevida de, mais ou menos, um século. 

quinta-feira, 28 de julho de 2016

O porra-louca do cinema nacional

Paulo César Pereio em entrevista à revista Trip. Foto: Site da Trip
Paulo César Pereio não tem carteira. Nem mochila, ou mala. Quando vai ao Rio de Janeiro, cidade em que mora a filha Lara, leva apenas um cartão de crédito e uma carteira de identidade. Não tem carro, não guarda dinheiro e nem leva bagagens quando se ausenta de casa. Pereio não quer mais saber de relacionamentos. Ele não se considera um homem livre, e sim resistente. Tido como o maior porra-louca do cinema nacional, tirou a máscara de seu personagem - um doidão que sempre tem de falar sobre drogas, sexo, dinheiro e liberdade.

Natural de Alegrete, no Rio Grande do Sul, Pereio nasceu em 14 de outubro de 1940. Em 76 anos de vida, trabalhou com grandes nomes do cinema nacional, como Glauber Rocha, Arnado Jabor e Hugo Carvana. Estreou na telona em 1964, em Os Fuzis, dirigido por Ruy Guerra. Atuou em mais de setenta filmes, tendo passado por diversos movimentos, como o Cinema Novo e Marginal, além das pornochanchadas. Casou-se três vezes. Primeiro, com a atriz Neila Tavares, mãe de Lara. Depois, com Cissa Guimarães, com quem tem dois filhos. E, por último, com Suzana César de Andrade, mãe de Gabriel, que conheceu apenas aos seis anos.

Em entrevista à jornalista Nina Lemos, da Revista Trip, Pereio revelou a saudade que sente da época em que era possível viver sem documento. “Hoje até pra trocar cheque você precisa de documento, porra”, diz o ator. Ele afirma que chegou a viver uns dez anos sem RG, carteira de motorista ou coisa do tipo. “Mas não lembro de como era porque estava sempre drogado.” Mesmo com conta em banco, o ator não guarda dinheiro. “Quando ganho uma bolada , gasto tudo, não sei guardar, quero me livrar daquilo, gasto com noite, com puta”, diz.

Ele vive num quarto-e-sala no centro de São Paulo há dois anos. O apartamento tem vista para os prédios da cidade, e a chave de casa fica na Toca da Raposa, boteco ao lado do prédio em que mora. “O pessoal do bar já sabe pra quem pode entregar a chave”, diz. Entre os que têm este privilégio, estão o cineasta Neville de Almeida, amigos mais jovens, seus filhos Lara, Thomas e João e, também, alguma moça da “night”.

Paulo, personagem do velho cafajeste no clássico Eu te amo, de Jabor, vive par romântico com Maria, interpretada por Sônia Braga. Em vários filmes, aliás, o ator contracena com a atriz, com quem, segundo ele, nunca teve nada. “Quando você chega na zona da amizade, já era”, alardeia, com sabedoria. Hoje, enfim, livrou-se do amor. “Estou muito cansado para ter um relacionamento , prefiro a minha solidão”, afirma. “Mas também estou muito cansado para a minha solidão. Parece poesia, não?”

Apresentador do Sem Frescura, no Canal Brasil, Pereio sabe que vive dentro de um personagem que criou. De acordo com Nina, várias vezes durante a entrevista ele se corrigiu. “Não vou falar isso de novo porque falo sempre a mesma coisa”, diz. A imagem que criou é do cara que fala muito palavrão – o que é verdade, basta assistir alguma entrevista dele para se constatar – e vive pirando na boemia, sexo e droga.

Durante a entrevista, o porra-louca do cinema nacional não fumou nem um cigarro, nem bebeu. Comeu apenas duas bananas. “Tomo remédio da pressão que é diurético, por isso preciso repor o potássio”, conta. Só com o baseado que não parou, ainda. Questionado pela jornalista, ele disse que de vez em quando queima um, mas não vai atrás. “De vez em quando num baseadinho eu dou um tapinha. Mas não compro. Não vou atrás”, afirma.

Candidatura

Em 2012, candidatou-se à câmara de vereadores de São Paulo, pelo PSB. Sua principal proposta era proibir o uso de carros na capital paulista. Ele ainda propôs um meio de transporte coletivo. ”É preciso desenvolver um transporte de massa eficiente para o cidadão paulista”, afirma.

Indagado sobre o propósito de sua candidatura, disse que há um alto número de veículos que circulam pela capital paulista. “O que eu quero propor é proibir o uso de automóveis que circulam na cidade”, esclarece. De acordo com o ator, cerca de sete milhões de carros estão nas ruas de São Paulo e mil novos vão, todos os dias, às ruas. “As pessoas não param de comprar. É um sonho meio imaturo, esse de ter o teu seu carrinho.”

Na juventude, Pereio foi filiado ao Partido Comunista. Com a dissolução, entrou para o Partido Socialista Brasileiro (PSB). “Eu achei uma aventura interessante, já tinha experiência política. Minha mãe trabalhou na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul”, afirma. Pereio disse, à época, que sua candidatura representaria o cidadão comum. “Tem muita gente na rua, muita gente que demora três horas para chegar ao trabalho.”

Documentário

O quadrinista Allan Sieber dirigiu o documentário Pereio, eu te odeio, lançado em 2011. Ao todo, são trinta horas de conhecidos falando mal do ator, com seu consentimento. Famoso pelo seu jeito irônico e descompromissado, Pereio sempre coroa suas frases com a expressão “porra”. Ele foi homenageado, em 2011, no festival de gramado, por sua atuação no longa metragem Ponto Org.

Atualmente, integra o elenco da série Magnifica 70. A produção relata o universo da boca de lixo, onde foram feitos a maioria dos filmes brasileiros na década de 1970. Na série, Pereio dá vida ao general Souto. 

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Do que precisa um homem?

De que mais precisa um homem senão de uma garrafa de uísque – para estimular os pensamentos. De que mais precisa um homem senão de uma mulher e seu amor – e seu corpo – para acomodá-lo quando estiver sem vigor para seguir em frente. De que mais precisa um homem senão da vitória do seu time – que jogara um clássico contra o maior rival no final de semana.

E enquanto ele fica com as mãos suando em frente ao televisor, vendo seu time jogar, o sujeito necessitará de uma cerveja. Futebol pede cerveja. Se não, é como ouvir um disco dos Beatles e, de repente, acha-los efervescentes e viscerais. Não faz o menor sentido.

Do que mais precisa um homem senão de uma casa – bem simples – para que possa acomodar-se com a mulher – e o amor dela. Do que mais precisa um homem senão da poesia transgressora de Rimbaud e Baudelaire – que lhe ensinarão os caminhos da vida. Do que mais precisa um homem senão da prosa de Dostoievski – que lhe contará sobre o comportamento humano.

E enquanto lê, junto de sua amada, em sua casa simples, o homem suplicará apenas pelo ócio. Afinal, o sujeito tem de deleitar-se no mais pleno silêncio para absorver a prosa revolucionária do mestre russo.

Do que mais precisa um homem senão da música – a arte que, de acordo com Shopenhauer, é a mais viva de todas porque ela é, justamente, a própria coisa, e não a essência da coisa. Do que mais precisa um homem senão de alguns discos do The Doors, digo L.A Woman ou Strange Days. Do que mais precisa um homem senão da comodidade para que a música seja assimilada e passe a fazer sentido.

E enquanto o sujeito ouve o barítono flamejante de Jim Morrison, ele precisará de duas mãos: uma para levar o cigarro à boca e a outra para acendê-lo.

Do que mais precisa um homem senão de uma boa gozada na madrugada – para fazer-lhe sentir o sopro da eternidade em seus ouvidos, para fazer-lhe abraçar a vida e celebrá-la e vivê-la, plena e prazerosamente.

O que mais precisa um homem senão da simplicidade da vida? Uma mulher, uma música, um livro, um caderno para anotar seus aforismos alucinados e delirantes. Um homem não precisa de muita coisa, um homem precisa de amor, de esperanças, de expectativas.

Sim, um homem precisa de liberdade. Liberdade para pensar, para amar, para viver, para gozar, para sentir, para provar, para experimentar. Um homem não precisa de um armário cheio de dinheiro, cujas cédulas não gastará em vida.

E enquanto o cara sai de casa, atrás de mais um pileque na madrugada, ele passa por um templo Católico Apostólico Romano. Passou longe, virou a esquina. Ficou matutando o discurso pouco dialético que acontece, aos domingos pela amanhã, ali dentro.

Um homem não precisa de religião, nem doutrinas, nem de conceitos que circulam na boca de pequenos burgueses; um homem precisa seguir suas intuições, seus parâmetros e desejos e pensamentos.

A mente é um emaranhado infinito, a imaginação é uma correnteza que se distancia da praia. 

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Decadência do endinheirado

Em um país como o nosso, mudanças econômicas e políticas vem e vão como um tsunami, pessoas morrem nas ruas por conta do frio excessivo e outras tantas suplicam por simples um pão francês. Alguns acham que o pão francês é um alimento crédulo. Comem-no todos os dias. E nem dão a devida importância. Todavia, ainda há quem deseje um pedaço desse pão comum pra mandar à barriga, no fim da tarde.

Ao longo de minha breve existência, conheci algumas pessoas que são consideradas integrantes da elite, dos privilegiados, dos que não tem a preocupação da maioria da população. São aqueles que não conhecem o labor, que caminham dentro de seus carros com o dinheiro que seus pais lhe deram – fruto do trabalho em algum órgão público. Ou, até mesmo, na direção de alguma empresa qualquer.

Lembro-me de um condomínio em Goiânia que fui uma vez. O Aldeia de Vale é o sonho dos endinheirados. É um condomínio residencial arquitetonicamente padronizado. Lá, tudo é igual. Na sala das casas, há um tapete que veio de algum lugar da Europa, um quadro que vale uma fortuna. Os moradores conseguiram tudo aquilo que o ritmo maçante da existência pode lhes fornecer. Na garagem, aquele carro que passa no comercial da TV. No final e no meio do ano viagens internacionais. Verdadeiro paraíso da ostentação e futilidade!

Em O discreto charme da burguesia, Luis Buñuel criticou os costumes dessa elite. No filme, os burgueses se reúnem numa sala para um jantar, que é constantemente interrompido por conta de devaneios surreais dos personagens.

No bar, o endinheirado ergueu a cerveja e sacramentou:

“Esse ano não irei pra Europa.”

Ninguém deu muita atenção. Afinal, estávamos entre proletários que contam as moedas pra beber um chopp honesto pós-trampo.

Pouco contende, o cara continuou sua verborragia.

“Quero conhecer o Brasil”, afirmou ele.

“O Brasil é muito rico mesmo”, constatou Zé.

“Cultura miscigenada”, concluí.

Levantei da mesa pra ir ao banheiro.

Quando voltei, eles estavam discorrendo sobre o privilégio dos endinheirados. Como não havia a probabilidade de sair correndo pela rua, sentei-me à mesa e ouvi aquele discurso cansativo e irreal.

“Tenho um piano lá em casa”, contou o endinheirado.

“Legal”, respondi, bebendo um trago de cerveja.

“Mas nem sei tocar”, avisou.

“Cê tem um piano, e não sabe tocar?”, indagou Zé.

“Sim”, respondeu o endinheirado, alegremente.

Permanecemos alguns minutos em silêncio. Zé acendeu um cigarro. Eu dei outro gole em minha cerveja. E o endinheirado, então, sugeriu:

“Vamos lá pra casa?”

“Agora?”, quis saber Zé.

“Fazer o quê?”, emendei.

”Cê tá com medo?”, perguntou o endinheirado, com o olhar direcionado a mim.

Fitei Zé, que me fitou.

Lembrei-me de uma conversa que tivemos no mesmo boteco. Zé, no ímpeto de sua retórica etílica, disse que o dinheiro vicia como cocaína. A frase entrou pela minha cabeça. E ficou martelando a estrutura de meu cérebro. Zé tinha razão: realmente, dinheiro vicia como cocaína.

Neste dia, enquanto caminhava pelas ruas à procura do último ônibus pra ir embora, pensei numa frase de Oscar Wilde. O autor de Retrato de Dorian Gray afirmou que os ricos “sabem o preço de tudo, mas desconhecem seus valores”.

Lord Wilde.

O endinheirado analisou nosso semblante. Provavelmente, ele chegara à conclusão de que não sairíamos daquele boteco humilde pra ir beber uma cerveja de vinte paus em seu condomínio – cujas regras e grades remetem-me ao período mais triste e truculento da humanidade.

Prefiro ficar em meu bar de quebrado. Bem melhor.


domingo, 17 de julho de 2016

Vamos falar do golpe?

Temos de falar sobre o jornalismo brasileiro e seu lead safado que condena puta, preto e petista – e que, corriqueiramente, agrada um juiz de primeira instância. O resto, bicho, é apenas tornozeleira eletrônica ou, se for tucano, amizades influentes. Mas nunca, nunca xilindró. Fico com uma pergunta rodando minha psique: será que somos todos iguais perante a lei? Sinceramente, não sei.

Que prendam os petistas, se eles devem na esquina. Mas não só por que são petistas. O juiz Moro – ídolo dos privilegiados – nunca encarcerou nenhum tucano no rombo do Banestado - talvez a maior pilantragem que ocorrera no Brasil. Mas quem foi que disse que isso interessa a imprensa brasileira, não é mesmo?

Deixe pra lá esses questionamentos, seu cronista. Para. Chega. O juiz dos cidadãos de bem deve ter seus motivos. Neste caso, ele que se explique, ora.

Contudo, temos de falar sobre o jornalismo brasileiro e seu lead safado que julga preto, pobre, puta e petista. Não sou puta, se fosse...

Na verdade, não sou porra nenhuma. Todavia sou um entusiasta do governo Lula – o melhor presidente que o Brasil teve, o sujeito que colocara o Nordeste no mapa. Grande Lula!

Cara, lembre-se disso: só há uma justiça, e é a que vale pra todos. Se o sujeito têm umas cifras no bolso e pode comprá-la, sinto muito, mas não é justiça. Não adianta os telejornais foderem só um lado, até minha mãe – que sabe das coisas da vida – tem noção de que tem de haver isenção num julgamento jurídico. Não adianta.

O Brasil que se vê nos jornais é o Brasil que decidiu abraçar o golpe. É o Brasil da minoria. É a república dos evangélicos. É a república da bala, da barganha, do boi. É o Brasil que cortará direitos trabalhistas, conquistados à duras penas. É o Brasil que abraça o padrão, e empurra o trabaiadô a uma jornada de 80 horas semanais.

Que triste.

Triste, mesmo. Porém, é óbvio que a esquerda brasileira, de tão desunida, acaba jogando o jogo da direita e dançando a vinheta do JN. Estamos num golpe, talvez o maior de nossa história, que ocorre aos poucos. E em silêncio. Temo pelo desfecho.

Deixe quieto.

Deixe quieto é o caralho, porra! Nossa! Por que tanto palavrão? Cadê o habitual lirismo, que você aprendeu, nobre cronista, com o mestre Paulo Mendes Campos? Cadê?

Foda – eu sei que palavrão é chulo. Contudo, nessas horas a gente quer mesmo mandar a direita pra puta que o...

O que mais me deixa intrigado é ver poucas pessoas nas ruas.

Perdão. Há gente nas ruas, sim. Os brasileiros de verdade, aqueles que esperam desde 1500 pela reforma agrária, estão na peleja. E eu, sem dúvidas, estou com eles.

domingo, 10 de julho de 2016

O amor e a renúncia

No final de semana pode tudo. A gente enche a cara sem preocupação, sem medo, sem ficar com os olhos vibrados nos ponteiros do relógio – como fazemos, por exemplo, numa bebedeira homérica na terça-feira. Durante a semana, biritar é foda. Basta dar o primeiro trago para a consciência pesar. “Tenho de trabalhar amanhã”, pensamos. “Porra, sou um bêbado de merda”, finalizamos.

Nossa maior alegria é sexta-feira às 18h. Todos começam a rir. A música toca, a verdade é dita. No horário comercial, os homens a evitam com suas retóricas rasas e enxutas, que mais parece um sonho onírico e fantasmagórico. São histórias de como ascender na vida sem esforço, de como ganhar dinheiro, de como conseguir chegar ao posto de idiota.

Penso em Luís Buñuel, fazendo seus filmes em Paris. Penso em Nietzsche, caminhando pelas ruas à procura do predicado perfeito. Penso em Céline e tudo aquilo que ele descobriu, mas não soube o que fazer – e acabou dançando a música deles. Penso nos loucos, nos desvairados, nos que não se contentam com frases feitas e chavões, mas que, no fundo, no fundo, sabem que pouco ou quase nada pode ser feito.  E, apenas, seguem em frente.

Nem todos aspiram um cargo nobre, numa empresa de merda. Alguns querem pensar, outros querem a arte, outros querem embriagar-se. Durante a existência, provamos de prazeres, cultuamos um beijo, uma foda, uma pequena dose de regozijo pra alegrar e suportar a vida. Contudo, a morte dobra a equina como uma garota que lhe seduziu à noite, inebriado de contestações filosóficas e empíricas.

Ela é charmosa, bicho. Pega-lhe à mão, olha em teus olhos e diz: “Cê precisa me seguir. Dê-me a tua mão, gatinho.” E às vezes não queremos estender a mão, às vezes queremos mais um beijo, mais uma foda, mais um porre num bar qualquer, mais um suspiro inebriado pelo furor do prazer numa esquina deserta e escura. Sábio mesmo era William Blake, que em Provérbios do inferno disse: “A prudência é uma solteirona.”

Eu sei as palavras que você quer escutar. Eu sei todos os teus medos e receios e amarguras. Mas as palavras sumiram de meu vernáculo, e tudo que lembro são vazios silábicos. Não há linguagem, só letras jogadas ao ar. Nada pra falar-lhe. Os poetas são sábios justamente porque conseguem prever os sentimentos – tão em falta na sociedade do smartphone, cujas redes sociais tornaram-se o epicentro da discórdia, da confusão, da intolerância.

Cadê o mistério? Dê-me uma noite de mistério. Anseio por conhecê-la, por abraçá-la, por afagá-la a pele. Tu és meu devaneio mais pirado. Desejo fitar-te os olhos e lábios – que me libertam das ideias e posturas maçantes.

Nas ruas, os burocratas trancam-se em seus carros, fecham os vidros, ligam um som de merda e andam pela cidade. Eles esquecem de que há homens nas ruas, sem grana, sem esperança, sem vontade de desempenhar alguma atividade. Pequenos burgueses desalmados, que passam a vida toda correndo contra o tempo, bradando uma sabedoria simplista e propagando a barbárie do chefe.

Eles carregam relógio no pulso, na tela do celular, do computador (na firma) e no painel do carro. São controlados, e nem se dão conta. Dizem-lhe o que tem de ser feito, e você o faz – sem pensar. Não há tempo pra ironia, pra sedução, pro olhar lascivo e curioso e inquieto. Hoje, em pleno século XXI, é só clicar no perfil do facebook da moça, e pronto: tudo estará lá. “Que tipo de música cê ouve?”, quase não se indaga. Aliás, que coisa mais cafona!

Viva o mistério, viva o prazer, viva o amor. A vida é rápida, e a gente não pode renunciá-la em prol da falácia de uma eternidade incerta. A moral cristã impõe-nos ao charlatanismo dos barões de cristo, que, com seus bolsos transbordando cédulas, dizem-nos como viver e chegar ao lado do Cristo.

Não amamos, não vivemos. Apenas ponderamos, alheios ao caos, à confusão, ao amor. Simples e plenamente, o amor. Somente ele o fará despertar pros problemas ao seu lado. O amor!


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Dê-me uma noite de luxuria e prazer

Segurei-te às mãos. Fitei-te os olhos. Eles guardam um infindável quê misterioso. Fico confuso. Ao mesmo tempo em que a desejo, não sei muito bem como me comportar. Tua beleza prende-me, teu sorriso conquista-me, tua voz acalma-me. Ah, eu podia passar todos os meus dias a olhá-la e contemplá-la e adorá-la e venerá-la. Poderia escrever os melhores versos. Mas não sou Garcia Lorca, tampouco Vinícius de Moraes. Sou apenas um jovem poeta que sente o fim se aproximando. A gente nasce, cresce, ama e morre. A morte agarra-te, enquanto teu cigarro queima. Ela liberta-te, assim como o sopro de Miles Davis em seu trompete. O conceito de amor ao próximo - assim como o conhecimento - tornou-se uma célebre e valiosa propriedade privada. Homens e mulheres juram amor eterno. Porém, não há amor eterno. O casamento os enclausura e os cerceia a liberdade. Costumamos acreditar que há vida eterna, que encontraremos as respostas para nossas indagações e, por isto, renunciamos à vida, ao amor, ao desejo. Reprimimos nosso corpo, porque, como nos falam, ele causa repulsa e asco. Não se pode gozar. Não se pode bradar sobre o gozo. Não se pode fazer, simplesmente, um ode ao prazer. Reacionários cantam e ocupam as ruas e as telas das tv´s e propagam frases feitas e vazias. Tudo por interesses. Céline descobriu esses interesses, mas não soube o que fazer – e fez merda. Moça, segure minha mão. O paraíso está perto. O fim se aproxima. Eu preciso de uma noite de luxuria e prazer. A gente precisa de uma noite de luxuria e prazer. Dê-me uma noite de luxuria e prazer.  

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Como tem mulher bonita em Goiânia

Em Goiânia, há mulheres bonitas. E muitas. Daquelas que a gente olha e, logo, sente-se hipnotizado. Ruiva, loira, morena. Não importa. Elas estão aí, bem na tua cara. E você está trancado dentro de casa, com o aparelho celular em mãos, esperando um telefonema que, talvez, nem existirá.

Saia. Abra a janela. Abrace o sol. Beije a lua. E viva. Jogue o smartphone pelos ares. Grite o nome de uma garota às 4h da madrugada. Recite poemas. Escreva poemas. Ouça blues. Leia Baudelaire, Rimbaud e William Blake. Reflita sobre o mundo. Ninguém é sério na juventude.

O mundo é conectado. As pessoas são ligadas em seus aparelhos celulares. Outro dia, espantei-me com meu whatsapp, que apitou às 3h da madrugada. Imagine: você é acordado, e pelo celular!

Viva o dia. Viva a noite. Uma boa gozada é o sopro da eternidade em seus ouvidos. Liberta. Revigora. Alivia. Hemingway escreveu que o homem experimenta a eternidade em poucos momentos, e um desses momentos é justamente o clímax.  A gente pega na mão eternidade, beija e diz: “a vida é bela.”

Porém, a chama se apagará. E a música acabará. E o poeta fechará o livro. Precisamos quebrar a rotina. Precisamos declamar poemas à noite, de madrugada, embriagados de prazer e sabedoria. Precisamos amar. Precisamos nos desprender dos paradigmas que herdamos. Precisamos, plenamente, da vida, do gozo, do prazer. Sobretudo, do prazer!

Pelas calçadas da ansiedade, os homens não olham pro horizonte. É tudo na tela, e para a tela. Ali, nas teclas, estabelecem-se as relações humanas. Hoje, em meu ritual diário, assustei-me. Abri o site do Estadão e me deparei com uma manchete sobre sexo. O título da matéria já era desolador:  “Sexo: quais são suas preocupações?”

Curioso, cliquei no link. E me arrependi. Só confirmou aquilo que suspeitava: a caretice. O medo do prazer. Medo de não conseguir satisfazer o parceiro. Estamos excessivamente preocupados em receber, e não em dar. Estamos usando o sexo como algema, e não como chave.

Vamos quebrar a monotonia. E sair por aí, sem hora, nem destino. Vamos andar, apenas. E ver aonde chegaremos. Vamos escrever cartas líricas, numa era tecnológica. Vamos ler o poeta Federico Garcia Lorca, e tampar nossa visão com amor – porque somente ele pode transformar o mundo.

Como tem mulher linda em Goiânia. 

domingo, 3 de julho de 2016

Notas de um escritor vagabundo

Conheci José no primeiro semestre do curso de Jornalismo. “Cê me arruma um cigarro”, foi a primeira frase que ele me disse. Dei-lhe meu último Marlboro Light. “Valeu”, agradeceu. Em seguida, trocamos algumas palavras. E descobrimos que tínhamos afinidade. Gostávamos do mesmo som: The Doors, Pink Floyd, Janis Joplin, Jefferson Airplane, Tim Maia, Novos Baianos e Nação Zumbi. Dentro de pouco tempo, já éramos grandes amigos. Curtíamos Medos e delírios em Las Vegas, e éramos fãs de Hunter Thompson. As pessoas sempre perguntavam há quanto tempo nos conhecíamos. “Eu achava que era há, no mínimo, uns quatro, cinco anos”, afirmou Denise, ex-namorada de Raphael.

O primeiro semestre da faculdade foi tranquilo. Novas experiências, novas pessoas que entraram e saíram de minha vida, novas ideias, novos pensamentos, novas leituras. Era um mundo que despontava a mim. E eu queria pegá-lo. Eu queria absorver e semear conhecimento. Nesse semestre, tive uma professora simplesmente sensacional, de Linguagem e Comunicação. Graças a ela, mergulhei de cabeça na leitura dos grandes clássicos da literatura. E pratiquei alucinadamente a escrita. Falavam-me que escrevia bem, que eu tinha de seguir carreira literária, que meu texto era potente, que as coisas que habitualmente colocava no papel eram do caralho. Estas afirmações foram como um murro bem ao meio da face. Um escritor não pode dar-se ao luxo de se achar muito bom. Na verdade, ele já se acha muito bom. Um escritor que não é publicado, acha-se um gênio porque ninguém o publica. O que é publicado também se acha um gênio, mas por outros motivos: seu livro saíra da gaveta.

Os escritores flutuam sobre a mesma merda.

Eu não era nenhum dos dois. Porém, sobrevoava, com afinco, a merda. Encontrava-me num processo de amadurecimento literário. Eu queria fazer algo diferente, algo maior que a vida, talvez. Eu queria unir música e literatura, porque as frases tem ritmo, tem molejo, tem melodia e harmonia. Então, eu dedicava algumas horas de meu tempo, essencialmente ocioso, à leitura de clássicos. Devorei Proust, Nietzsche, Hemingway, Fitzgerald, Thomas Mann, Henry Miller, Jack Keroauc, Guimarães Rosa, Satre, Hunter Thompson – que li e reli para tentar achar o ritmo alucinado de sua prosa.

Antes, eu aspirara ser músico. Toquei guitarra por alguns anos. Cheguei a fazer algumas apresentações em público. Todavia, descobri que há gente mais talentosa que eu pra música. E o mundo não precisa de mais um idiota segurando uma guitarra. Meu pai ficou puto. É até compreensível. Ele havia me dado uma stratocaster, da Gianinni. Deve ter pagado uns 500 paus, mais ou menos. Tenho o instrumento até hoje, mas nem o toco.

Meu negócio é a escrita. Quando o mundo está desabando sobre a minha cabeça, eu sento e escrevo. Às vezes, bebo um trago pra coisa fluir mais fácil. Outro dia me perguntaram como se dá meu processo de escrita. Eu disse que só preciso sentar-me em frente ao computador, acender um baseado, colocar um Miles Davis ou Howlin Wolf, beber um trago e o resto o teclado faz. Notei - após minha descrição - que a pessoa se espantara com minha espontaneidade. Fazer o quê? Quem força a escrita não deve jamais escrever. O texto fica maçante, chato e pedante. Ninguém merece.

Porra, falei demais. Pra variar, claro. Dizem que sou introvertido. Até sou, acredita? Mas na companhia das pessoas que não tenho muita afinidade. Com as mulheres converso mais. Sinto-me mais seguro na companhia delas.

Em minha família, poucas pessoas concluíram um curso superior. Alguns diziam que era perda de tempo estudar. Ainda bem que descobri - muito novo - a poesia e ela estimulou-me a sonhar, a ultrapassar a janela e abraçar o mundo. “O negócio é trabalhar pra ganhar grana”, alardeavam meus parentes. Penso o contrário. A academia é importante, mas pro que quero fazer, nem tanto. O ofício de escritor exige apenas o ócio criativo. Contudo, para o jornalismo a academia é fundamental. Os professores ensinam noções de ética e técnica, que irão guiar-lhe o resto de sua vida profissional. Ninguém te ensina a escrever, tampouco a viver. E a literatura transita entre estes dois mundos: o empírico e o intelectual. O jornalismo, por sua vez, distancia-se um pouco: ele é empírico e real – mas algumas reportagens misturam técnicas literárias.

Meu desanimo fez com que eu trancasse a faculdade no início do terceiro período. Havia, também, alguns livros malucos, o que bem pode ter acentuado minha vontade. Eu andava lendo Dostoievski e Satre – em abundância. Antes de abandonar Jornalismo, eu havia escrito um ensaio filosófico, intitulado de Dinheiro é uma merda. Pra você ter uma ideia de como andava minha mente, cara. Pensando bem, acho que foi uma boa coisa eu ter me ausentado da PUC. Eu estava cansado. Não aguentava a conversa daquelas pessoas. Todos queriam ser melhores do que os outros. Todos me pareciam tristes e sem vida, dentro de seus carros, que foram dados por seus pais – detentores de algum cargo de importância, cujo salário devia ser uns 20 mil, no Ministério Público. Aí, desfilavam sua esquizofrenia tecnológica, fomentada pelos aparelhos de última geração que empunham à mão. Mediam conhecimento. Reverberavam explicações tecnicistas sobre a vida, sobre o mundo. E eu apenas seguia em frente, como Dean Moriarty – célebre personagem de On the Road.

Quando soube da novidade, Zé indagou:

“Cê vai trancar mesmo, brother?”

“Vou, bicho”, respondi. “Não tenho saco pra ir mais um semestre naquela merda.”

“E eu vou ficar rodado lá.”

“Preciso arrumar um trampo”, expliquei. “A coisa tá feia pra meu lado. Meu pai disse que vai me 
expulsar de casa se encontrar mais um baseado em minhas coisas.”

“Cê tá fodido, hein, cara.”

“Nem me fale.”

“Tá rolando aquelas desculpinhas, tipo: não vou fumar maconha nunca mais na vida?”, perguntou Raphael, gargalhando.

“Tá, acredita?”

“Sim. Sei como é. Conheço teu pai, cara.”

Em um mês, eu já havia arrumado um trampo. Era atendente num call-center. Prestava serviços ao banco BMG. Trabalhava na Atento, das 14h50 às 21h10. A priori, consegui provar pro meu pai que eu podia desempenhar uma função qualquer, numa empresa qualquer. Mas lá percebi que os homens perdem muito tempo de suas vidas com atividades inúteis, dando dinheiro pra gente desprezível, mesquinha e adeptas do juízo de que quanto menos se pensar – e se questionar – melhor. A gente tem de acordar cedo, lavar o rosto, defecar, mijar, banhar-se, escovar os dentes, fumar, ir pra faculdade, almoçar, embriagar-se, ir trampar e, no final do dia, chegar em casa, cansado. Não há tempo pra nada. E, ainda, temos de apertar as mãos do chefe e saudá-lo, com algum comentário medíocre: “muito obrigado pela oportunidade”.

Mas eu estava lá por outras razões. Eu queria acumular experiências. Eu queria viajar. Eu queria ter minha grana. Eu queria experimentar o que todos já experimentaram, e o que eu, um simples estudante de Jornalismo, demorei a conhecer: o labor.

Passei o período de experiência. Fui efetivado. Seguia minha rotina normalmente. As sextas-feiras, parava no porcão, na 84, enchia a cara até o bar fechar e ia embora, trôpego. Sempre eu e Zé. Embriagados, traçávamos planos de como articular um plano de viajem digno com nossas condições financeiras. Não somos ricos, nem pobres. Mas não temos grana pra esbanjar por aí. Em 2 de novembro, partimos rumo a Salto Corumbá. Pra dois quebrados, nada mal. Fomos armados até os dentes. 50 gramas de beque, 25 pra cada, repartido na bagagem. Uma garrafa de uísque de péssima procedência e algumas caixas de Bávaria, cuja quantidade nem me lembro. E três ácidos, que tomamos contemplando as cachoeiras. Ficamos três ou quatro dias - não me recordo com exatidão. Sei, somente, que faltei no trampo. E contei alguma história pra minha chefe, que, com toda razão, não gostara nada, nada, nada. Mas voltei, porra. Ela queria o quê? Fiz meu trabalho, certinho. Um mês depois, vieram as férias. Zé já não frequentava a faculdade. “Não consigo, cara”, contava ele. “Acho que me cansei de lá. E outra: não faço merda nenhuma”, concluía, esbanjando sua invejável sabedoria.

Zé é o melhor cara que você pode ter ao seu lado numa viajem. Ele tem senso-prático das coisas. Sabe o que ele e as pessoas ao seu redor necessitam. E faz de tudo para colocar suas ideias mirabolantes em prática. Mas quem não têm ideias malucas? Que atire a primeira pedra.

Bem, voltando: quando a gente viajou para Salto Corumbá, ele estava com sua ex-namorada – que você já conhece de nome, pois a citei no início deste texto. Denise era uma pessoa legal. Sabia conversar. Tinha ideias interessantes, mas, algumas, sem sentido – sobretudo por sua imaturidade. Denise tinha 17 anos. Acreditava que conhecia a vida. Eu lhe dizia que não conhecia, que era bem pior do que em seus pensamentos. Hoje, vejo que fora um babaca em lhe falar isto.

Em 28 de dezembro fomos rumo a Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso. Desta vez, estávamos mais equipados. Eu havia comprado uma garrafa de Johnnie Walker – a fim de redimir-me do modesto Passaport. O uísque fomos bebericando na viajem, com o intuito de acelerá-la.

Era uma odisseia, bicho.

Na Chapada, encontramos alguns gringos. Conversei com um peruano que vendia alguns artesanatos na praça principal. Como eu estava meio bêbado, confundia-me com os idiomas. Ora falava em espanhol, ora em português.

Zé chamou-me no canto, e disse:

“Bicho, a gente tem de tomar aquele ácido.”

“Pois é”, falei.

“Ou, é hoje, cara.”

“Ai, sim. Gostei de ver.”

Dei um sorriso.

“Foda são os pais da Denise.”

“Que têm eles?”

“Rata, cara.”

“Que nada, moss”, me adiantei. “Eu e você tomamos essa bosta há uns quatro anos, cara.”

Zé me cortou:

“Verdade. Mas eles são meus sogros.”

“Entendo.”

“Porra nenhuma, cara”, resmungou ele.

Acendi um cigarro, e ruminei:

“Meu, já tomamos uns bagulho muito mais potente que esse, e nada aconteceu. Cara, já voltamos de a pé, de madrugada, pra casa. E nada aconteceu.”

“Mas eram outros tempos, né”, disse ele. “Não tomo isso há uns quatro, cinco meses.”

Ficamos um tempo em silencio. Denise não falou nada. Apenas fitou-nos. Sugeri pegarmos uma cerveja, no bar em frente à praça.

Abrimos a primeira. Brindamos. E fomos bebendo e conversando e rindo e contando piadas. Confesso que alguns acontecimentos estão quase apagados de minha mente. Mas lá pela sexta latinha, decidimos tomar o ácido. Íamos ficar mais dois dias, na Chapada dos Guimarães. Piramos e filosofamos. Zé é o autentico pensador da embriaguez. Ele discorre sobre assuntos existenciais, com facilidade única e rara. Talvez, ele seja um filósofo. Outro dia, estávamos bêbados, na distribuidora ao lado de seu condomínio, fazia um frio desgraçado, e o cara, sabiamente, disse: “O frio é psicológico. Cê não sente ele, só vê.” No momento, nem dei a devida atenção à frase. Mas, em seguida reconheci: de um teor filosófico sublime.

A viajem a Chapada dos Guimarães selou a amizade nossa amizade.

Voltei à casa, graças a Deus, acho. Longa história. Estava esquecendo-me de contá-la. Uma tarde – no terceiro ou quarto dia – a gente foi comprar comida num mercado próximo ao camping que estávamos. Chegamos lá. Fizemos as compras. E eu peguei quatro garrafas de Campo Largo – um vinho tinto suave, popular no sul. Quando fui colocar o cartão na máquina, deu “transação não autorizada”. Lembro-me de que um frio na espinha me tomou. “Caralho”, pensei. “Agora vou virar cidadão nativo da Chapada dos Guimarães”, ironizei. Alertei a Zé o que acontecia. Ele deu de ombros, e redarguiu: “Denise, cê vai ter que conversar com teu pai. Minha grana acabou, e a desse cavalo também.” Um homem, nessas horas, tem fé de que o dinheiro lhe prende. As coisas seriam muito mais fáceis se não houvesse grana. O mundo está pirado, e é por causa da grana. Os países querem entrar em guerra uns com os outros, e alguém sair com grana. Os pais educam seus filhos a terem, e não a serem. O mundo só vai mudar quando mudarmos nossas posturas. Não adianta clamar por revolução. Os revolucionários querem implantar seu status-quo, assim como os capitalistas que fazem a engrenagem rodar. Tudo em nome da grana, tudo pela grana, tudo pela revolução. Chega desse discurso simplista. Chega de análises tecnicistas que não condizem com a realidade. Eu quero o mundo, e o quero agora. As pessoas estão tão concentradas em seus aparatos tecnológicos que não conseguem olhar pro próximo e perceber que ele está agoniado, com o olhar triste e solitário. Não se olha mais pro horizonte, e sim pra tela dos smartphones. As relações humanas tornaram-se frívolas, fáticas e superficiais. Os homens trabalham pra ter um smartphone de última geração. Os homens comemoram quando conseguem comprar um smartphone de última geração. Os homens se ressentem quando têm seus smartphones roubados, por vítimas dessa sociedade doente.

Grande Moisés – pai de Denize. Formado em Filosofia, ele comandava um circo, em Goiânia. “O circo é o primo-pobre das artes-cênicas”, afirmava Moisés. Ele pagou minha estadia no camping, quando eu estava convicto de que viraria cidadão mato-grossense. E, hora ou outra, cairia no ostracismo. Porém, Moisés esticou-me a mão. E até hoje não lhe ressarci a grana. E tenho plena certeza de que não o farei. Lamentável. Na verdade, tenho o deplorável hábito de postergar minhas dívidas. Empresto dinheiro de todos. Com camarada, não tem problema. Está tudo certo. As pendências se revolvem numa bebedeira, no bar da esquina. Agora com desconhecidos é foda. Digo que lhes pagarei em breve. E nada. Acho que tenho a lábia boa. Bem, já disseram-me isso. Custei a acreditar. Hoje, sim, acredito. Eu tenho a porra da lábia boa. Deve ser por que na Atento – assim como na PUC – todos gostavam de gargantear vantagens. Então, eu tinha de usar minha retórica socrática pós-moderna. E dava certo. Eu discorria por minutos a fio, e prendia os receptores com minha verborragia nietzschiana, dostoievskiana e rodrigueana. E eles, inevitavelmente, ficavam impressionados comigo. Diziam que eu era inteligente, que estava desperdiçando minha inteligência e outras merda do tipo - que pareciam terem fugidas de um livro de Paulo Coelho. Era estranho, de qualquer forma.

Na faculdade, poucos haviam deleitado obras que valiam a pena, que lhes traria algum conhecimento útil. Eram apenas frases feitas, recicladas de algum jornal horrendo e fascista. Em geral, os estudantes eram ignorantes – que pressionados pelos pais -, tiveram de ir à faculdade. Que merda! Era fácil lhes calar. Alguns vociferam à plenos pulmões barbáries que agrediam os tímpanos. Esses discursos, geralmente, eram ancorados em intelectuais, como Reinaldo Azevedo. Mas não se pode generalizar. Havia gente interessante e inteligente na PUC. Poucos, mas tinham. Eu interessava-me pelas mulheres. Sentia-me acolhido por elas. Cheguei a conhecer uma garota massa no formigueiro inexpressível da PUC.

Fiquei algum tempo perambulando de bar em bar.

Aí, apareceu Bárbara. Foi tudo muito rápido. A gente descobriu algumas afinidades, mas, também, algumas diferenças que devem serem consideradas. Ela, por exemplo, adora Beatles. Eu prefiro Doors. Mas isso não impede que estabeleçamos um diálogo interessante. Bárbara se aproxima da ideia de perfeição. Olhos de ressaca, vivos, sinuosos; um verdadeiro fogaréu que rasga-lhe a alma ao meio. Corpo delineado - realçado pelo sol carioca - que lhe dá um quê sublime e pecaminoso. Ela verte sensualidade. Sei lá. Eu a adoro. Já entreguei-me a ela com devoção. Às vezes sou um idiota, como o velho e sábio Henry Miller. Entrego-me a elas, sem pensar. Porém, eu gosto de sua conversa, de sua companhia, de suas ideias, de sua mente, de estar ao seu lado e poder olhá-la à retina e dizer-lhe: “Você, Bárbara, é uma garota fantástica.” Mas nunca lhe falei essa frase, por medo de cair no senso-comum. Certamente, ela já deve ter ouvido alguém lhe dizer estas linhas humildes e solitárias, que este escritor ocioso e vagabundo e pobre escreveu, ao som de Chet Backer e John Coltrane.

Retornei às aulas. Perdi o emprego. E voltei a ser o velho e bom Beck – posto que ocupo até hoje.

Ah, Bárbara, vou ter de roubar aquela tua frase: “É a realidade, né?”

sábado, 2 de julho de 2016

Dean Moriarty do Cerrado

Escrevo. Quê mal há nisso? Jorro palavras no papel. Tenho de livrar-me do delírio cotidiano. Se um homem escreve para conseguir fama não deve o fazer, nunca.

Paramos no primeiro bar. Raphael queria beber uma cerveja. Eu também queria beber uma cerva. Estava frio. Porém, uma cerva sempre é bem-vinda. Não importam as condições climáticas.

O termômetro deveria marcar uns 18 graus – às 23h. Pra Goiânia, era frio demais.

“Aqui fica aberto até que horas?”, Raphael perguntou para o garçom.

“Daqui a pouco tá fechando, já”, respondeu ele, sem nos dar muita atenção.

“Porra”, resmunguei. “O cara nem quer atender a gente.”

Demos às costas.

Retornamos à rua. O céu estava estrelado. Fiquei imaginando-o, em Salto Corumbá. Simplesmente extraordinário. Numa localidade dessas, a única preocupação é com a barraca. Temos de montá-la antes de engatar na birita. Lembro-me de um cagaço que passei, em Sato Corumbá, ano passado. A gente passou o dia todo bebendo. Aí, quando fomos armar a barraca estávamos trôpegos. Tivemos de pedir ajuda prum cara, por sinal, gente boa, que estava ao lado.

Dobramos a esquina. Nada, nem a merda de um bar qualquer. Prosseguimos nossa peregrinação alcoólica. À noite, um homem precisa de um bar. É o melhor que pode lhe acontecer. Às vezes, um puteiro também ajuda. Já fui à puteiros algumas vezes. Mas enjoei-me fácil, fácil. Não conseguia ter aquela tradicional conversa pós-coito. Era tudo muito fático e superficial.

Puta merda, cara, veio-me à mente uma confissão de uma prostituta. Enquanto transávamos, eu tive a ideia de chupá-la. Dito e feito. Caí de cara. Lambi, chupei; e ela agarrava-me o cabelo e gemia.

“Ninguém nunca tinha feito isso”, declarou ela.

“Sério?”

“Sim”, ela se apressou em responder. “Eles têm o reportório formulado em mente. Aí, chegam aqui, tiram o pau e...”

“E é a mesma coisa?”, respondi, com outra pergunta.

Eu sabia que ela não estava sendo totalmente sincera comigo. Mas cá entre nós, meu camarada: qual puta é sincera? A função do trabalho dela é deixar os machos com o ego calibrado. Se o cara foder mal, por exemplo, ela não vai expô-lo.

Imagine:

“Tu trepa mal, viu.”

“Como assim.”

“Seguinte, José: cê é muito apressado. Não sabe fazer nada. Nem minha bucetinha cê chupou.”

“Porra, Amanda.”

“Não tem nada de ‘porra’ não.”

Não dá.

Após andarmos umas duas quadras, encontramos um bar aberto. Eram 0h e 30.

Raphael alardeou:

“Graças a Deus tem um bar aberto.”

“Tua esperança é um bar?”, ruminei, sorrindo.

“A esperança de todos, né.”

“É.”

“Mas eu não agradeço só por isso, não”, justificou.

Mais uma vez. Lá estávamos: no bar. Todo final de semana, desemboco-me no boteco e só saio, no domingo. Na segunda-feira vem à tremedeira. Eventualmente, tenho ressaca moral. É um Deus nos acuda. Penso em largar a boemia, em ter uma namorada, em constituir uma família – depois de terminar a faculdade -, em arrumar um trampo, em parar de fumar, em trocar de curso. Mas, em seguida, esse tipo de pensamento vai embora das profundezas de minha psique. E este miserável cronista volta à vagabundagem.

When the music´s over.

Sábio Raphael – o cara sabe das coisas, sabe o momento certo de colocar uma música pra tocar. Ele tem alma de artista. E, assim como Hunter Thompson, acredita que a música certa pode fazer um carro funcionar de madrugada, sem uma gota de gasolina no tanque.      

Uma vez a gente foi embora do campus V da PUC num Pointer precário. O carro esfumaçava, e Raphael fumava um palheiro, tomado pelo desespero. “Certeza que os cara (Bukowski e Hunter Thompson, especificamente) dirigiam assim.” Sem dúvida.

Em outra ocasião, o Pointer morreu no cruzamento da Fuad Rassi, na Vila Jaraguá, perto do Bretas, e quem disse que a porra do motor dava partida? Tive de descer e empurrar.

No rádio, Doors ecoava nas alturas.

Raphael é a melhor companhia que você pode ter quando estiver bêbado ou sem grana. Foram inúmeros galhos quebrados. Moedas emprestadas, bebedeiras homéricas sem um vintém sequer. Calotes em bares safados. Raphael é a mistura da sanidade filosófica boemia, com a irresponsabilidade que lhe marca a personalidade. 

Meu camarada.