sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Mais ou menos assim vivem os escritores

Mais ou menos assim vivem os escritores.

Porra. Sou escritor. Sou bêbado. Sou maconheiro. Sou corintiano. Sou uma porrada de coisas. Sou, na verdade, um cara. Sim, sou um cara do caralho. Eu larguei a merda da faculdade por achar que ninguém podia me ensinar nada lá, além de chavões acadêmicos. Literatura não se aprende com diploma teórico. Literatura se aprende na prática, na solidão, na loucura, na angústia, no medo, no sofrimento. E nem Letras, eu fazia. Fazia Jornalismo. Não foi uma escolha difícil, a da profissão. Sempre escrevi. Escrevo desde a infância, acho. Li Nietzsche aos 15, Baudelaire aos 16, Bukowski – especificamente Mulheres – aos 17. Aí, comecei a beber. Enchia a cara por falta do que fazer. Eu morava num condomínio enorme. Puta espaço pra lazer. Fumei muita maconha nos bancos, no bosque, nas garagens, fazendo um som. Trepei inúmeras vezes nesses mesmos bancos. Sinto saudades. Caroline, Agatha, Jéssica, Larissa, Luíza. Meus amores. Com vocês aprendi sobre a vida, sobre vocês – mulheres.

Cheguei em Goiânia há três anos. Comecei a estudar. Caí com a cara nos livros. E estudei pra caralho. Não saia, não bebia. Minha vida era monótona e apática. Todos tinham um lazer. Eu tinha a pressão do vestibular. Passei. E enchi a cara, ininterruptamente. Começaram as aulas, e eu segui a beber. No começo, era uma novidade. As pessoas. Os professores. As conversas. Depois, tudo me cansou. Comecei a perceber um conflito de ego nas rodas de conversa da PUC. Todos competiam pra saber quem tinha mais conhecimento. Eu os achava um bando de idiotas. Porra.. medir conhecimento é foda. É cúmulo da pobreza espiritual e intelectual.

Nesta época, arrumei um emprego num jornal. Uma colega de curso conseguiu a entrevista pra mim. Ela disse pros caras que eu tinha um bom texto, que eu era um puta jornalista – mesmo estando na faculdade ainda -, que era um tremendo desperdício eu não atuar. Bem, lá fui eu. Bolei um fino. Dei uns pegas. Aí, sim. Estava levemente chapado. Cheguei à recepção, apresentei-me e a moça pediu pra eu esperar. Sentei-me, e abri um exemplar do Diário do Cerrado.

Um cara se aproximou. Apertou-me as mãos. E falou pra subirmos.

Na redação, os jornalistas batiam ao computador numa velocidade frenética. O ritmo incessante do noticiário não dá trégua. O jornal tem de informar a sociedade. Porra, se pensar bem, jornalismo é uma profissão do caralho. Só meu pai, adora criticar minha escolha. Filha da puta. Nunca leu uma frase que escrevi, e fica me enchendo o saco. Dá raiva. Tenho, constantemente, vontade de mandá-lo à merda.

O editor me perguntou por que eu havia escolhido ser jornalista. Disse-lhe que por que adoro escrever. Ele arregalou a sobrancelha, e questionou:

- O que você gosta de escrever?

Meio fumado, fiquei pensando por alguns segundos, até responder:

- Tudo... até um romance curto já escrevi.

- Sério? – se surpreendeu o editor.

- Sim.

Seguimos a entrevista.

Então, ele me avisou de que eu teria de escrever um artigo pro jornal. Cheguei em casa, deitei em minha cama. Eu gosto das palavras. E elas simpatizam comigo. Retornei a minha casa, abri uma breja e fui escrever. Segui bebendo e escrevendo.

Aí, meu telefone tocou.

Era uma voz feminina:

- Alô – eu disse.

- E aí? – saudou a voz delicada e meiga, do outro lado da linha.

- De boa. E você?

- Bem.

Eu não fazia mínima ideia com quem falava.

- Seu idiota, cê não faz ideia de quem está falando, né?

- Não mesmo.

- Sempre do mesmo jeito, meu garotinho.

Quando ela pronunciou o vocativo, lembrei-me do seu rosto. Puta mulherão. Uma coroa sensacional. Bunda grande. Pernas de carne farta. Lábios beijáveis. Papo interessante.

- Exatamente como descreveu: do mesmo jeito.

- Escrevendo? Gosto do que escreve. É sobre a vida, sobre a existência.

- Obrigado – eu disse.

Continuamos a conversar. Ela me contou sobre sua vida, sobre seus medos e inseguranças. Disse-me que sua vida se tornou careta desde a minha partida. Caceta, bicho. Qualquer cara que receber essas palavras entra em colapso. É como um murro. Foda. Mas porra, Marcus. Quando há uma oportunidade decente, cê as dispensa. Diz que não consegue levar um relacionamento tradicional. Aí, elas entram e saem de sua vida. E você segue melancólico. E os outros andam com elas por aí, enquanto você anda com sua garrafa embaixo do braço. Sou artista. Sou foda. Eu escrevo, caralho. Escritor tem compromisso com a literatura. Compromisso com literatura? Cê chama isso que escreve de literatura? Um amontoado silábico, cheio de palavrões, criticando e ironizando Deus. Marcus, às vezes cê se comporta como um perfeito idiota.

Finalizei o texto.

“Tenho uma forte ligação com a contracultura. Descobri Satre – pai do existencialismo – e passei a acreditar que “estamos condenados a ser livres”. O francês iniciou sua carreira acadêmica nos anos 30, quando escrevera a A imaginação – um ensaio que transita entre Filosofia e Psicologia. “A imaginação é infinita”, afirma na obra. Nesta época – década de 30 – Satre era considerado alienado por não dar a mínima à política. Ele viva bêbado, quando estudante, junto de Simone de Beauvoir, sua esposa. O casal jamais constituíra uma família aos moldes da classe média. Satre viva a perambular de hotel em hotel, escrevendo ensaios, críticas, romances, teses, peças de teatro. Nenhum intelectual produziu quanto ele”, assim iniciava ele.

Dinheiro é uma merda, era o título.

Sou um existencialista, com um pé na contracultura, no ácido.

Mandei-o pro e-mail do editor. Alguns dias depois, ele me ligou e disse que eu estava contratado. O trabalho, a priori, era fácil. Ia pra rua, apurava a matéria, entrevistava fontes e redigia o texto.

Pela manhã, comia hambúrguer, fumava um e bebia uma breja. Era um café da manhã violento, e eu eventualmente chegava à redação pirado. Lá, participava da reunião de pauta. Lia os jornais. E saia pra rua. Depois, volta pra redação. Escrevia e ia pro Porcão, beber uma. Minha grana ia toda embora com breja, ácido e fumo.

- Desde que começou a trabalhar, a piração só aumentou, bicho – me disse Zeca.

- Pois é. Foda. Sabe como é, né?

- Meu, cê tem que parar. Cê pode morrer, seu idiota.

Morrer? Nunca vi, nem tive notícia de pessoas que morreram por causa de ácido. Se você encher a cara do bagulho, a única coisa que vai lhe acontecer é uma onda sem precedentes. Uma viajem muito maluca.

Na maioria das vezes, eu chegava em casa. Ligava um som. E caminhava pela casa, pelado. Marcus, seu babaca. Cê parou de escrever. E cê aí bate no peito e diz: “Sou artista”. Porra, artista que não escreve, que não pensa, que só bebe e toma ácido. Cê vive com essa tua filosofia aí. Cê vai se foder, cara. Se liga, bicho.

O telefone tocou.

- Pronto?

- Ou, cê vai fazer o que hoje, cara?

- Sei lá, Zeca. Acho que vou ficar em casa. Tenho que terminar uma matéria.

- Porra... que viadinho.

Zeca deu uma forte gargalhada.

- Vá se foder.

- Sério, brother. Sabe a Fernanda?

- Sei, pô. É a mulher do Carlos.

- Exato.

- E o que tem ela?

- Vai tá lá.

- Bem, foda-se... vamo lá, cara.

- Esse é o Marcus que eu conheço.

Desliguei o telefone. Liguei um Doors nas alturas.

Zeca, seu filha da puta.

Sou Jim Morrison. Sou Bukowski. Sou Henry Miller. Sou foda, porra.

Entrei em meu velho Passat. O carro tava fudido. Dava vergonha de andar nele, mas era bem melhor do que depender do transporte público. Cheguei na casa do Zeca. Ele já estava na porta. Entrou no carro, e tirou um. Insinuei que o baseado podia passar entre os dentes, de tão fino. Zeca me mandou tomar no cu.

- A mulher do Carlos é gostosa demais, puta que pariu! – exclamei.

- Ela é a rainha dos meus sonhos.

- Amor de nossas vidas – completei.

Fernanda era deslumbrante. Tinha um metro e setenta. Olhos castanhos. Cabelo ruivo. Lábios loucamente sexuais. Eu os olhava e ficava pensando como seria o boquete dela. Ela deveria ser competente na arte de chupar.

Ao chegarmos, Zeca esticou uma carreira. Deu um tiro. E deixou uma linha pra mim. Eu não cheirava, portanto lhe disse pra guardar o bagulho. Hotel California tocava no fundo. Ambos estávamos mais uma vez chapados. Zeca podia ser considerado o guru da loucura. Não deu certo na escola, nem no trabalho. Ele não gosta de coisas responsáveis. Zeca gosta de viver à beira do abismo. A loucura é o seu tesão.

Descemos do carro. Eu segurava minha latinha de breja. Zeca fumava seu Marlboro. Cumprimentamos a galera.

Light my fire começou a tocar.

Imediatamente, olhei pra Fernanda. Ela estava maravilhosa. Talvez mais que o normal. Bem, Fernanda é sensacional de qualquer jeito. Seu vestido lhe realçava a beleza, moldava seu corpo sinuoso. Fernanda estava pra matar.

- Porra – ladrou Zeca -. A Fernanda tá gostosa de demais.

- Puta que pariu.

Pensei num crônica. “Ruivas são demais”. Esse seria o título. Só preciso escrevê-la. Eu podia voltar pra literatura, aí. Marcus, cê deveria ter ficado em casa. Mas se eu ficasse em casa, a ideia não iria vir. E tudo iria continuar a mesma merda. Bloqueio do caralho.

Fernanda se dirigiu até mim. Deu-me, gentilmente, um beijo no rosto. A gente já se conhecia. Ela fazia faculdade comigo. Éramos da mesma turma. Aí, ela arrumou um namorado babaca, com cara de menino criado por vó.  Era certo demais. Bebia controladamente. Lia Stephen King. Achava Cinquenta tons de cinza um livro erótico. E Indie coisa de macho. O cara é ou não um mané, porra?

Acendi um cigarro. Fernanda também. Então, fiz-lhe um elogio:

- Cê tá estonteante.

- Obrigada, gatinho.

Refleti por alguns instantes, e emendei:

- Pô, a vida é curta demais. Então, foda-se: cê equilibra o mundo, com teu estilo. Quando olho pros 
teus lábios, sou tomado por uma louca vontade de te beijar.

- Gracinha – respondeu ela.

Beijei-a violentamente. Falei sacanagens no ouvido dela. E ela me deixou de pau duro. Eu esfregava meu cacete nela, que dizia em meu ouvido “aqui não, meu bem”. E eu me controlei, mas foi difícil.

Fernanda irradiava sexo.


It´s my life. 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Puta que pariu

Cacete. Tenho uma hora pra terminar esse roteiro do João. Da última vez que eu lhe falei pra esticar o prazo, ele quase me matou. Se eu atrasar dessa vez, cabeças vão rolar. Merda. Sou artista. Não nasci pra escrever esses roteiros. Nasci pra criar. Há alguns anos, eu tinha o sonho de escrever o livro, o filme, a peça de teatro. Ironia... não fiz porra nenhuma. Anos depois, fui parar no pornô, com garotas desfilando suas xoxotas pelo set de filmagem. Antes a coisa era diferente. As mulheres tinham pentelho lá embaixo, os filmes não eram tão pesados e todo mundo fodia com todo mundo. O pessoal no estúdio passava a mão na xana delas antes das filmagens e durante as filmagens. Nunca escrevi nada tão complicado como roteiro de putaria. Eram três frases, e uns gemidos. Tudo pra intensificar o negócio. E fazer meia dúzia de virjões tocar punheta na sala de casa, enquanto os pais dormem. Isso se chama sobrevivência. Tudo pra garantir a breja, o fumo e o ácido do final de semana.

Tempo depois, livrei-me do pornô. Fiquei em casa, cultivando o ócio e a preguiça. Li de tudo. Ouvi de tudo. Comi minha vizinha incontáveis vezes, de múltiplos modos. Até enjoei da buceta dela. Chupei-a de todo que é jeito. Comi de quatro, de ladinho, apoiado na mesa. Após gozar, bolava aquela trave e fumava. Chapado, queria uma breja pra rebater a foda. E pensar melhor. Artista. Porra nenhuma. Sou um bêbado filha da puta que tem medo de arrumar um emprego digno. Fico arranjando desculpas pro meu fracasso, pra minha derrota, pro meu desespero, pra minha angústia. Vou morrer sozinho. E pobre. No máximo meia-dúzia de putas irão entoar meu nome, no cortejo.

Ouço um barulho na porta. Vou até lá, abro e dou de cara com uma garota:

- E aí? – diz ela.

- Opa – falo.

- Ouvi um som vindo do teu apartamento.

Era de minha máquina de escrever.

- Pois é. Eu estava escrevendo.

Ficamos nos olhando por alguns instantes. Sugeri:

- Quer beber uma breja?

- Sei lá – sussurrou, fazendo-se de difícil. – Estou de boa, acho.

- Certeza?

Ela entrou.

Abri a minha. Dei uma bebericada. Acendi um cigarro. Quando estava na segunda tragada, perguntei se ela se importava com a fumaça. “Porra nenhuma”, disse ela. “De boa”.

Levantei-me e fui colocar um som.

- Joplin ou Doors? – perguntei.

- Doors – respondeu ela.

- Morrison era o cara – eu disse.

- Voz maravilhosa. Poeta. Gênio.

- Eu acho que ele não era músico.

- Era poeta, né.

- Aham.

Caminhei até meus discos. Eu ainda ouvia disco. Talvez eu fosse o único cara no planeta que cultivasse o hábito de apreciar o bom e velho rock and roll em vinil. Foda-se. A música se tornou muito artificial. Basta um clique na internet pra se ter toda a discografia do Floyd, ou toda a bibliografia do velho safado. Tudo bem, o acesso aos produtos culturais foram democratizados e tal, mas a era analógica me parece mais atrativa. Acredito que as pessoas passaram a ser mais preguiçosas depois da internet. Ou mais idiotas. Não sei bem ao certo. Contudo, parece-me que elas estão mais preocupadas com a foto que irão postar no instragram, do que com a breja. Se saem pra beber, tiram fotos. Aí, recebem curtidas de pessoas que nunca, sequer, lhes falaram uma palavra na vida. Todos são internautas da vida alheia, no século XXI. As mulheres são xavecadas por WhatSapp. E toda uma geração não sabe como deixá-las molhadinhas. Eles falam. E falam. E contam vantagem pra porra nenhuma acontecer. Então, abrem o google, vão ao Red Tube ou Xvideos e batem uma punheta. Putaria solta, que nenhum cérebro consegue medir.

Aqui estou eu. Quarenta anos. Formado há quinze. Bêbado, covarde, barrigudo, fumado, cheirado. Sou uma junção de loucuras e insanidades. Pratico o ócio meditativo todos os dia, por escolha. Os gregos o praticavam também. Inclusive, para ocupar um cargo de governante, em Atenas, era necessário que você fosse ocioso. Acho que nada pode ser mais enriquecedor do que a vagabundagem. Ser vagabundo é renunciar toda uma ordem que lhe foi imposta. É colocar o pau na mesa, e falar “porra, não quero saber disso, porque eu penso assim e negócio é assado”. Meu pau.  Já o enfiei em garotas perturbadoras. Gordas e magras. Drogadas e bêbadas. Malucas, desvairadas, insanas. Era difícil saber quem era o mais pirado. Eu ou elas? Provavelmente eu. Algumas se tornaram grandes amigas, como Flávia. Outras quase me mataram, como Jéssica. Ouve alguns telefonemas, de madrugada, que me fizeram refletir sobre a vida. Foram alguns dias sem conseguir fechar o olho, de medo. Medo de morrer. Medo de, sei lá... qualquer coisa. Você não sabe explicar o medo. Você o  sente e luta contra ele. Porque ele ainda irá continuar ali. Às vezes, o medo fica repelido no fundo da inconsciência. Freud dizia que a inconsciência é a parte onde nossos medos e desejos e fantasias ficam trancados. Cara maluco, esse tal de Sigmund Freud, bicho.

De repente, uma puta vontade de beijar a garota, que está em minha frente, me tomou.

- Cara – disse ela. – Como é o teu nome?

- Pedro. E o teu?

- Paula.

Fiquei parado. Bebendo e fumando. Porra, cara, cê é um merda mesmo. Não consegue largar o cigarro nem a pau. Fuma, fuma, fuma. E quando vê, já gastou todo seu dinheiro. Paula me pediu uma breja. Fui até a geladeira. Peguei uma pra mim, outra pra ela. Brindamos e bebermos.

- Cê já ouviu falar que tem aquele negócio de que se não brindar a breja, é sete anos sem trepar, né? – ladrei.

- Como é que é?

- Se não brindar, é sete anos sem trepar.

- Porra, que bosta.

- Foda, né?

- Ainda bem que brindamos.

- Acho que devemos brindar de novo.

Bridamos mais uma vez. Agora rolou um clima. Não é possível. Ela vem até aqui. Entra, senta, pede pra eu ligar o som. Diz que não bebe, depois aceita uma breja. Vai entender essas jovens. Paula não era nem estonteante, nem horripilante. Tinha seus atributos. Era boa de conversa. Gostava de Doors, Hendrix, Floyd, Zeppelin. Descobri que ela era poetisa. Artista. Mente libertária, preparada pro ócio. Pro pensamento. Pra critica. Caralho. Paula era demais, constatei. Eu tinha idade pra ser pai dela. Vinte anos mais nova. Bucetinha apertada, linda, maravilhosa. “Verdadeiro esconderijo”, pensei.

A gente foi se achegando. Foi inevitável. Beijamo-nos. Senti sua boca molhadinha, seu cheiro de rainha da foda, seu cabelo deslizando sobre minha camisa, sobre minha cara. Pedro, seu imbecil. Não vá se esquecer da merda do roteiro. Cara, eu sei que esse negócio de escrita forçada não é tua praia. Você é artista. Você vive e age como um.  João vai te matar, seu débil mental, se você não escrevê-lo. “João, não consegui terminar o roteiro. Foi mal”, não vai colar. Se prepare. Ou melhor, escreva de uma vez. Ao invés de você passar o papo em mais uma gostosinha, você deveria sentar a tua bunda na máquina de escrever e escrever a porra do roteiro. Tão te pagando bem pra isso. E nada. Você prefere tomar ácido, cheirar cocaína e encher a cara, né?

Filha da puta.

Bolei um fino. Paula deu uns pegas. E fodemos. Ela tirou meu pau pra fora, e pagou um boquete sublime, sensacional, esplendido. Do caralho, literalmente. Após a copulação, ela foi embora. Enfim, sentei em minha máquina. Coloquei a folha, e bati a primeira frase. Saiu. Tá vendo, cara. É simples. Escrever esse curta é sossegado. Você o faz pra poder viver, lembrou? Tua vocação é a literatura. Acho que nunca escreveu um livro por que sempre ficou escrevendo peças e roteiros inúteis. Mas o que é que tem? Henry Miller começou a escrever aos 40. Primeiro ele viveu. Depois, escreveu. Rimbaud fez o contrário. Primeiro ele escreveu. Depois, viveu. Foi à África. Caceta, tô me sentindo um Stephen King. Escrevendo lixo pra viver. O desgraçado do publicitário que me pediu o curta deve tá transado com uma belezinha por aí. E eu aqui... fervendo meus neurônios, andando com um Puma 1978 há três anos. O carro já tá todo fudido. Motor saindo fumaça. Outro dia, Pedro, cê parou num sinaleiro e quem disse que o carro ia funcionar. Uma bela de uma merda, bicho. Cê sabe. Todos ficaram te olhando. Certeza que naquele dia cê sentiu vergonha de ser pobre.

O telefone tocou. Era Flávia:

- Alô – eu disse.

- Olá – respondeu ela.

- Como vai?

- Tô escrevendo um roteiro de merda.

- ahahahaha – ela riu. – Mais um desses trabalhos pra poder viver?

- É, né – falei. – Fazer o quê?

- Seguinte: eu queria te convidar pra beber uma, dar uns tiros, fumar um.

- Quando?

- Amanhã. Vou deixar cê terminar esse roteiro.

Gargalhamos.

Escrevi umas quinze páginas. Até que não ficaram tão ruins. Claro, não é nem de longe seu melhor trabalho, Pedro. Só que pra quem enfrentou um bloqueio criativo, tá ótimo. Melhor impossível. Agora, vá dormir. Amanhã, reunião. Dá última vez, cê tava chapado. Não conseguia formular uma frase. Dava risada à toa. Mordia a cara. Parecia um maluco que fugira do manicômio. Ginsberg ficaria feliz, ao ver aquela cena. Sempre vou, às reuniões, levemente fumado pra poder segurar a onda. E pra, também, conseguir ter paciência com o cliente. Eles sempre me acusaram de ser rude. Então, dou uns pegas e vou zen. Quando a maconha é boa, basta umas três bolas pra relaxar. Todos lá estavam prontos. Vestiam terno e gravata. Eu estava de all star, um blazer preto e uma camisa desbotoada, com os dois últimos botões e uma calça jeans surrada. Sentei-me e joguei na mesa o roteiro. João deu uma lida. Olhou pro diretor de marketing, que olhou pra gestora, que olhou pra mim com uma cara de bosta.

Foda-se. “Meu trabalho tá feito”, pensei.

É, teu trabalho tá feito, mesmo. Agora fique tranquilo, dê uma risada, converse com as pessoas como se fosse um cara normal. Pedro, cê é um cara normal. Às vezes cê dá uma rata, mas é normal. Qual maconheiro que não dá rata? Não existe.

Apertei a mão da galera. Eles estavam satisfeitos. João deu uma lida no roteiro. Gostou. Melhor fazer publicidade, do que pornô. Cê teve a oportunidade de mudar de ramo, porém não quis. Batia no peito, e dizia “sou diferente, sou artista”. Tá vendo. Eles com grana, e você contando-a.

Puta que pariu!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Indispensável e essencial

Capa do LP 

Título: Maior Abandonado

Grupo: Barão Vermelho

Gravadora: Som Livre

Ano: 1984

Letras fortes e inteligentes. Estes são alguns ingredientes do disco Maior Abandonado, lançado em 1984, pelo Barão Vermelho. Alguns meses antes, Cazuza e Frejat compuseram a música-tema do filme Bete Balanço, que fora um verdadeiro sucesso radiofônico. Contudo, antes de o Barão ser executado nas rádios, Ney Matogrosso regravou Pro dia nascer feliz. A versão de Ney virara hit e logo em seguida as rádios passaram a tocar a versão original. Aí, o então jovem grupo carioca via o reconhecimento e o sucesso cruzar seu caminho.

Álbum de hit. Álbum poético. Álbum de rock. Maior Abandonado possibilitou ao Barão sentir o gosto do sucesso. A turnê do disco lotara as casas de show pelo Brasil, a ponto de a banda ser presa, após uma apresentação, em São Paulo. Os detalhes da prisão são contados em Por que a gente é assim, biografia da banda, escrita por Ezequiel Neves, Guto Goffi e Rodrigo Pinto. Após o show, os policiais foram atrás dos barões, e os prenderam com poucas quantidades de maconha. Frejat, Guto Goffi, Maurício Barros, Dé e Ezequiel Neves foram levados à delegacia. Cazuza não foi preso, e achou um absurdo.

Na delegacia, eles chegaram a dar autógrafos. Nas ruas, nos shows, o público bradava trechos de suas canções. No ano seguinte, o grupo tocara no primeiro Rock in Rio. A apresentação deu-se no dia em que o Brasil conhecia o primeiro presidente civil, em vinte anos. Frejat subira ao palco vestido de verde e amarelo. Anos depois, o guitarrista disse que nunca voltou a vestir verde e amarelo num show. Mas o que ficou marcado naquela apresentação, foi a célebre frase de Cazuza, ao fim de Pro dia nascer feliz: “Que o dia nasça lindo pra todo mundo amanhã/Com o Brasil novo/Com a rapaziada esperta/Valeu!”. 

Meses depois da apresentação no Rock in Rio, Cazuza comunicou sua saída do Barão. O grupo estava prestes a entrar em estúdio para gravar aquele que seria o quarto disco. O repertório foi dividido. Desnorteados, Frejat, Guto, Maurício e Dé não souberam o quê fazer. Lançaram alguns discos, que não tiveram sucesso. Em contrapartida, Cazuza brilhava e alcançava o céu, com sua carreira solo. Exagerado virou hit. E até hoje é tocada em bailes de casamento. 

Os anos se passaram. E o Barão voltou às rádios, somente em 1988, com Pense e Dance. O sucesso dera a oportunidade de o grupo abrir os shows de Rod Stewart, no Brasil, em 1989. No ano seguinte lançaram Barão Ao Vivo. Já Cazuza emplacou quatro discos solos, que foram bem recebidos pela crítica.

Após Maior Abandonado, Cazuza foi para um lado. E o grupo para o outro. Mas é inegável a importância deste disco para a carreira do Barão. Dé, anos depois, afirmou que Maior Abandonado foi o melhor trabalho da banda. “Foi o melhor disco que nós fazemos”, disse. 


MÚSICAS:
1 – Maior Abandonado (Frejat/Cazuza)

2- Baby Suporte (Cazuza/Ezequiel Neves/Maurício Barros)

3 – Sem vergonha (Frejat/Cazuza)

4 – Você se parece com todo mundo (Frejat/Cazuza)

5 – Milagres (Cazuza/Denise Barroso/Frejat)

6 – Não amo ninguém (Frejat/Cazuza)

7 – Por que a gente é assim (Cazuza/Ezequiel Neves/Frejat)

8 – Narciso (Frejat/Cazuza)

9 – Nós (Frejat/Cazuza)

10 – Dolorosa (Frejat/Cazuza)

11 – Bete Balanço (Frejat/Cazuza)

Link para ouvir do disco: https://www.youtube.com/watch?v=9e5mFjqsyb4

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Blues lisérgico

Eu sou o espião na rua do amor
Eu sou a voz que ulula de madruga
Eu sou o grito do poeta
Eu sou o poeta
E fechei o livro
E saí do quarto
E fui pra rua

Busco o autoconhecimento
Por meio do ácido. Escuto Doors
Enquanto o vizinho grita ao lado
Ele fala palavras ríspidas e agressivas
Eu aumento o som. Ele continua sua peregrinação
Pelos verbos e predicados chulos

Os homens perderam o lirismo
Os livros foram fechados
Os discos irão quebrar
Os filmes não foram escritos, nem filmados

Com meus versos quero que as pessoas pensem
E percebam a vida. E vejam o tempo que gastam com atividades deprimentes
Eu quero caos e inutilidade. Eu perpetuo no caos e na inutilidade
Ter estilo é fazer algo que ninguém faz
Arte pode ser estilo. Tolice pode ser estilo. Merda pode ser estilo

Blues lisérgico noite à dentro
Grito, sexo, drogas, loucura
O poeta busca o conhecimento
Experimenta a existência
E os homens continuam enclausurados em seus muros

Sinta o uivo da guitarra ecoar em sua alma
O mundo precisa de arte
O mundo clama por mentira
O mundo suplica por histórias

Ela passa ao meu lado
Puxo o ar para meus pulmões
E sinto seu aroma
Linda! Bela! Verdadeira pétala num jardim monótono
Alguém tem de apresentá-la à vida

Moça, você está na prisão que criou a si
Você precisa conhecer a poesia
Você precisa segurar minha mão
Você precisa me seguir para paraíso

Ouvi dizer que lá as pessoas são do caralho
Elas tomam ácido e ouvem Doors e Floyd e são todas malucas
E, além de tudo, a poesia é o combustível de suas vidas

Moça, posso declamar um poema ao pé do teu ouvido?
A qualquer momento bombas podem explodir
Os homens são ávidos pelo poder
Transformam-se, facilmente, em cães famintos por destruição
Com alguma grana em mãos
E caso você não queria entrar no jogo deles
O caminho será mais longo, dizem-lhe. Foda-se. Eu quero e anseio
Pelo trajeto mais longo

"A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria"

Rimbaud, Nietzsche, Blake, Ginsberg, Morrison, Bukowski, Leminski
Renunciaram a ordem imposta e foram viver suas vidas plena e unicamente
E a gente quer seguir
Sem ver a noite
A vida perde o sentido quando o sol nasce
Engravatados desfilam em suas fantasias
À noite os bêbados, os chapados, os loucos, os desvairados
Saem para viver, para pensar, para filosofar, para foder, para celebrar

Não há arte com engravatados
Ligue o som
Desligue o sol
E ouça o blues lisérgico do Doors

Marcus Vinícius Beck