Mais ou menos assim vivem os escritores.
Porra. Sou escritor. Sou bêbado. Sou maconheiro. Sou
corintiano. Sou uma porrada de coisas. Sou, na verdade, um cara. Sim, sou um
cara do caralho. Eu larguei a merda da faculdade por achar que ninguém podia me
ensinar nada lá, além de chavões acadêmicos. Literatura não se aprende com
diploma teórico. Literatura se aprende na prática, na solidão, na loucura, na
angústia, no medo, no sofrimento. E nem Letras, eu fazia. Fazia Jornalismo. Não
foi uma escolha difícil, a da profissão. Sempre escrevi. Escrevo desde a
infância, acho. Li Nietzsche aos 15, Baudelaire aos 16, Bukowski –
especificamente Mulheres – aos 17. Aí, comecei a beber. Enchia a cara por falta
do que fazer. Eu morava num condomínio enorme. Puta espaço pra lazer. Fumei
muita maconha nos bancos, no bosque, nas garagens, fazendo um som. Trepei inúmeras
vezes nesses mesmos bancos. Sinto saudades. Caroline, Agatha, Jéssica, Larissa,
Luíza. Meus amores. Com vocês aprendi sobre a vida, sobre vocês – mulheres.
Cheguei em Goiânia há três anos. Comecei a estudar. Caí com
a cara nos livros. E estudei pra caralho. Não saia, não bebia. Minha vida era
monótona e apática. Todos tinham um lazer. Eu tinha a pressão do vestibular.
Passei. E enchi a cara, ininterruptamente. Começaram as aulas, e eu segui a
beber. No começo, era uma novidade. As pessoas. Os professores. As conversas.
Depois, tudo me cansou. Comecei a perceber um conflito de ego nas rodas de conversa da
PUC. Todos competiam pra saber quem tinha mais conhecimento. Eu os achava
um bando de idiotas. Porra.. medir conhecimento é foda. É cúmulo da pobreza
espiritual e intelectual.
Nesta época, arrumei um emprego num jornal. Uma colega de
curso conseguiu a entrevista pra mim. Ela disse pros caras que eu tinha um bom texto, que eu era um puta jornalista – mesmo estando na faculdade
ainda -, que era um tremendo desperdício eu não atuar. Bem, lá fui eu. Bolei um
fino. Dei uns pegas. Aí, sim. Estava levemente chapado. Cheguei à recepção,
apresentei-me e a moça pediu pra eu esperar. Sentei-me, e abri um exemplar do
Diário do Cerrado.
Um cara se aproximou. Apertou-me as mãos. E falou pra
subirmos.
Na redação, os jornalistas batiam ao computador numa
velocidade frenética. O ritmo incessante do noticiário não dá trégua. O jornal
tem de informar a sociedade. Porra, se pensar bem, jornalismo é uma profissão
do caralho. Só meu pai, adora criticar minha escolha. Filha da puta. Nunca
leu uma frase que escrevi, e fica me enchendo o saco. Dá raiva. Tenho,
constantemente, vontade de mandá-lo à merda.
O editor me perguntou por que eu havia escolhido ser
jornalista. Disse-lhe que por que adoro escrever. Ele arregalou a sobrancelha,
e questionou:
- O que você gosta de escrever?
Meio fumado, fiquei pensando por alguns segundos, até
responder:
- Tudo... até um romance curto já escrevi.
- Sério? – se surpreendeu o editor.
- Sim.
Seguimos a entrevista.
Então, ele me avisou de que eu teria de escrever um artigo
pro jornal. Cheguei em casa, deitei em minha cama. Eu gosto das palavras. E
elas simpatizam comigo. Retornei a minha casa, abri uma breja e fui escrever.
Segui bebendo e escrevendo.
Aí, meu telefone tocou.
Era uma voz feminina:
- Alô – eu disse.
- E aí? – saudou a voz delicada e meiga, do outro lado da
linha.
- De boa. E você?
- Bem.
Eu não fazia mínima ideia com quem falava.
- Seu idiota, cê não faz ideia de quem está falando, né?
- Não mesmo.
- Sempre do mesmo jeito, meu garotinho.
Quando ela pronunciou o vocativo, lembrei-me do seu rosto.
Puta mulherão. Uma coroa sensacional. Bunda grande. Pernas de carne farta.
Lábios beijáveis. Papo interessante.
- Exatamente como descreveu: do mesmo jeito.
- Escrevendo? Gosto do que escreve. É sobre a vida, sobre a
existência.
- Obrigado – eu disse.
Continuamos a conversar. Ela me contou sobre sua vida, sobre
seus medos e inseguranças. Disse-me que sua vida se tornou careta desde a minha
partida. Caceta, bicho. Qualquer cara que receber essas palavras entra em
colapso. É como um murro. Foda. Mas porra, Marcus. Quando há uma oportunidade
decente, cê as dispensa. Diz que não consegue levar um relacionamento
tradicional. Aí, elas entram e saem de sua vida. E você segue melancólico. E os
outros andam com elas por aí, enquanto você anda com sua garrafa embaixo do
braço. Sou artista. Sou foda. Eu escrevo, caralho. Escritor tem compromisso com
a literatura. Compromisso com literatura? Cê chama isso que escreve de
literatura? Um amontoado silábico, cheio de palavrões, criticando e ironizando
Deus. Marcus, às vezes cê se comporta como um perfeito idiota.
Finalizei o texto.
“Tenho uma forte ligação com a contracultura. Descobri Satre
– pai do existencialismo – e passei a acreditar que “estamos condenados a ser
livres”. O francês iniciou sua carreira acadêmica nos anos 30, quando escrevera
a A imaginação – um ensaio que
transita entre Filosofia e Psicologia. “A imaginação é infinita”, afirma na
obra. Nesta época – década de 30 – Satre era considerado alienado por não dar a
mínima à política. Ele viva bêbado, quando estudante, junto de Simone de
Beauvoir, sua esposa. O casal jamais constituíra uma família aos moldes da
classe média. Satre viva a perambular de hotel em hotel, escrevendo ensaios,
críticas, romances, teses, peças de teatro. Nenhum intelectual produziu quanto
ele”, assim iniciava ele.
Dinheiro é uma merda, era o título.
Sou um existencialista, com um pé na contracultura, no
ácido.
Mandei-o pro e-mail do editor. Alguns dias depois, ele me
ligou e disse que eu estava contratado. O trabalho, a priori, era fácil. Ia pra
rua, apurava a matéria, entrevistava fontes e redigia o texto.
Pela manhã, comia hambúrguer, fumava um e bebia uma breja.
Era um café da manhã violento, e eu eventualmente chegava à redação pirado. Lá,
participava da reunião de pauta. Lia os jornais. E saia pra rua. Depois, volta
pra redação. Escrevia e ia pro Porcão, beber uma. Minha grana ia toda embora
com breja, ácido e fumo.
- Desde que começou a trabalhar, a piração só aumentou,
bicho – me disse Zeca.
- Pois é. Foda. Sabe como é, né?
- Meu, cê tem que parar. Cê pode morrer, seu idiota.
Morrer? Nunca vi, nem tive notícia de pessoas que morreram
por causa de ácido. Se você encher a cara do bagulho, a única coisa que vai lhe
acontecer é uma onda sem precedentes. Uma viajem muito maluca.
Na maioria das vezes, eu chegava em casa. Ligava um som. E
caminhava pela casa, pelado. Marcus, seu babaca. Cê parou de escrever. E cê aí
bate no peito e diz: “Sou artista”. Porra, artista que não escreve, que não
pensa, que só bebe e toma ácido. Cê vive com essa tua filosofia aí. Cê vai se
foder, cara. Se liga, bicho.
O telefone tocou.
- Pronto?
- Ou, cê vai fazer o que hoje, cara?
- Sei lá, Zeca. Acho que vou ficar em casa. Tenho que
terminar uma matéria.
- Porra... que viadinho.
Zeca deu uma forte gargalhada.
- Vá se foder.
- Sério, brother. Sabe a Fernanda?
- Sei, pô. É a mulher do Carlos.
- Exato.
- E o que tem ela?
- Vai tá lá.
- Bem, foda-se... vamo lá, cara.
- Esse é o Marcus que eu conheço.
Desliguei o telefone. Liguei um Doors nas alturas.
Zeca, seu filha da puta.
Sou Jim Morrison. Sou Bukowski. Sou Henry Miller. Sou foda,
porra.
Entrei em meu velho Passat. O carro tava fudido. Dava
vergonha de andar nele, mas era bem melhor do que depender do transporte
público. Cheguei na casa do Zeca. Ele já estava na porta. Entrou no carro, e
tirou um. Insinuei que o baseado podia passar entre os dentes, de tão fino.
Zeca me mandou tomar no cu.
- A mulher do Carlos é gostosa demais, puta que pariu! –
exclamei.
- Ela é a rainha dos meus sonhos.
- Amor de nossas vidas – completei.
Fernanda era deslumbrante. Tinha um metro e setenta. Olhos
castanhos. Cabelo ruivo. Lábios loucamente sexuais. Eu os olhava e ficava
pensando como seria o boquete dela. Ela deveria ser competente na arte de
chupar.
Ao chegarmos, Zeca esticou uma carreira. Deu um tiro. E
deixou uma linha pra mim. Eu não cheirava, portanto lhe disse pra guardar o
bagulho. Hotel California tocava no
fundo. Ambos estávamos mais uma vez chapados. Zeca podia ser considerado o guru
da loucura. Não deu certo na escola, nem no trabalho. Ele não gosta de coisas
responsáveis. Zeca gosta de viver à beira do abismo. A loucura é o seu tesão.
Descemos do carro. Eu segurava minha latinha de breja. Zeca
fumava seu Marlboro. Cumprimentamos a galera.
Light my fire começou a tocar.
Imediatamente, olhei pra Fernanda. Ela estava maravilhosa.
Talvez mais que o normal. Bem, Fernanda é sensacional de qualquer jeito. Seu
vestido lhe realçava a beleza, moldava seu corpo sinuoso. Fernanda estava pra
matar.
- Porra – ladrou Zeca -. A Fernanda tá gostosa de demais.
- Puta que pariu.
Pensei num crônica. “Ruivas são demais”. Esse seria o
título. Só preciso escrevê-la. Eu podia voltar pra literatura, aí. Marcus, cê
deveria ter ficado em casa. Mas se eu ficasse em casa, a ideia não iria vir. E
tudo iria continuar a mesma merda. Bloqueio do caralho.
Fernanda se dirigiu até mim. Deu-me, gentilmente, um beijo
no rosto. A gente já se conhecia. Ela fazia faculdade comigo. Éramos da mesma
turma. Aí, ela arrumou um namorado babaca, com cara de menino criado por vó. Era certo demais. Bebia controladamente. Lia
Stephen King. Achava Cinquenta tons de cinza um livro erótico. E Indie coisa de
macho. O cara é ou não um mané, porra?
Acendi um cigarro. Fernanda também. Então, fiz-lhe um
elogio:
- Cê tá estonteante.
- Obrigada, gatinho.
Refleti por alguns instantes, e emendei:
- Pô, a vida é curta demais. Então, foda-se: cê equilibra o
mundo, com teu estilo. Quando olho pros
teus lábios, sou tomado por uma louca
vontade de te beijar.
- Gracinha – respondeu ela.
Beijei-a violentamente. Falei sacanagens no ouvido dela. E
ela me deixou de pau duro. Eu esfregava meu cacete nela, que dizia em meu
ouvido “aqui não, meu bem”. E eu me controlei, mas foi difícil.
Fernanda irradiava sexo.
It´s my life.