quarta-feira, 29 de abril de 2015

Educação paranaense derrama lágrimas

Segundo SAMU, houveram 150 feridos, oito em estado grave. Os manifestantes foram repreendidos por balas de borracha e mordidas de cachorros policiais. (Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo)

O dia de hoje entrou para a história do Paraná, e não da maneira mais agradável. A polícia esperava para fazer a guarda e, caso necessário, utilizar de métodos truculentos. E seguiram à risca a cartilha. Partiram para cima dos educadores. “Manifestantes estranhos ao movimento dos servidores estaduais que estavam concentrados em frente à Assembleia Legislativa”, disse o governo paranaense, justificando o porquê de atacar os professores. Segundo a Gazeta do Povo, aproximadamente 150 pessoas foram feridas pelas forças policiais. O site da revista Carta Capital disse que foram mais 200, os feridos.

Em fevereiro deste ano, os professores do Paraná realizaram acampamento no Centro Cívico, em Curitiba. Mas a classe entrara em consenso com o governo e retornaram às salas de aula. Naquela ocasião, seis universidades e escolas estudais ficaram sem aula por cerca de 20 dias. Eles protestavam contra a medida de austeridade adotada pelo governo do tucano Beto Richa – reeleito ano passado, no primeiro turno, com 3.301.322 de votos (55,7%).

“A polícia estava lá por determinação do Poder Judiciário para proteger a sede do Poder Legislativo, uma instituição democrática que não pode ser afrontada no seu direito”, disse Richa. Cerca de 20 mil professores, de acordo com APP (Sindicato dos Professores do Ensino Fundamental e Médio), estavam reunidos em frente ao Palácio Iguaçu. “Sem violência”, gritavam, “ei polícia, prende o Beto Richa”, entoavam os militantes.

O confronto com a PM iniciou-se por volta das 15h. Na Assembleia Legislativa, os deputados votavam projeto de lei que alterava o ParanaPrevidência. Após ser aprovada pela casa, agora ela seguirá para a sanção de Beto Richa. As modificações acarretam perda de benefícios para os servidores públicos. Segundo André Adélio, professor de Filosofia, demorará dez anos para a classe assegurar novamente os direitos perdidos. “A maioria de nossos direitos a previdência, à saúde, se foram”, ressalvou.

(Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo)

Entrevista com o professor André Adélio:


Como a greve irá influenciar a vida dos professores de hoje em diante?
O massacre que houve nesse dia 29/04/2015 vai tirar o brilho da pouca estima que a educação paranaense tinha, principalmente quando o IDB baixou nos últimos anos do governo Richa. Mas o que mais afeta é a falta de respeito com que esse governo tratou nossa categoria, batendo nos professores como se fossem bandidos.

Qual o propósito do governador Beto Richa?
O propósito dele é o de insanidade total, no meu entendimento se resume a um fascismo!

Como a alteração do ParanaPrevidência influirá sobre a vida dos servidores públicos do Estado?
Vamos ter que pagar milhões de aposentadorias milionárias para policiais que não estavam enquadrados no nosso sistema. Essa atitude fascista agora causará sobrecarga a nossa categoria de professores e com certeza faltará dinheiro quando chegar a nossa vez de se aposentar.

(Foto: Gazeta do Povo)



O governador está a ser pouco democrático? Por quê?
Os fatos respondem por si. Bater nos professores e feri-los nos seus direitos e na sua dignidade, com balas de borracha, cassetetes, cães, gás de efeito moral e outras atrocidades, são fatos que mostram claramente o quanto esse governo nunca foi democrático.

Como o senhor vê a justificativa do governador? 
Precária e pífia, pois segundo o deputado Marcio Paulik, o governador já garantiu um equilíbrio nas contas do Estado. Então vejamos o comentário dele: "Com o objetivo de garantir a sustentabilidade do Fundo Previdenciário, o deputado estadual Marcio Pauliki apresentou duas emendas ao PL 252/2015 que propõe mudanças no plano de custeio do Paranaprevidência. As sugestões foram elaboradas em parceria com a APP-Sindicato e com o Fórum das Entidades, e devem ser analisadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Uma das emendas assegura que o estado faça o repasse mensal de 1% dos valores pagos aos aposentados e pensionistas para arcar com os custos administrativos do Fundo Previdenciário. A outra emenda prevê o aporte a ser feito pela administração pública seja atualizado atuarialmente. O valor é estimado em R$ 1 bilhão de royalties provenientes da Itaipu Binacional a ser feito em 2021. Ele afirma que o total que o estado do Paraná irá arrecadar com o aumento da alíquota dos impostos, IPVA, Nota Fiscal Paranaense e Cadin será suficiente para cobrir o déficit financeiro". Essas medidas são suficientes para cobrir o rombo do estado de R$ 4,5 bilhões, o segundo maior do país, perdendo apenas para o Rio de Janeiro. Não vejo porque o governo deve condicionar esse sequestro de R$ 125 milhões todos os meses do Paranaprevidência ao pagamento dos reajustes dos salários do funcionalismo em maio como também às progressões, gratificações.


terça-feira, 28 de abril de 2015

"Eu sou feliz aqui", diz morador de rua


Xan vive nas ruas de Goiânia há tempos. Ele - mestre de capoeira – se mostrou acessível ao diálogo. “Não estou bem”, sussurrou, antes de iniciar a conversa, apontando para a sua perna. Os cabelos grisalhos contam sobre a personalidade dele. Calçava all star, calça jeans e uma camiseta. A vestimenta era simples, humilde, velha para a sociedade.  Aparentava ter 40 e poucos anos, mas olhar de quem ainda quer viver, sem maldade, sem divagações. “Sou feliz aqui, assim”, afirmou. A ele cabe a frase do filósofo Jean-Paul Satre: “Somos condenados a ser livres”, escreveu o pensador em O ser e o nada.

“Cacete, outro dia desses levei uma porrada”, disse. “Ele – falara com o dedo em direção ao Gamba – fez merda. Aí já viu, né”, disse, “levei umas pancadas da polícia”, revelou, com a face pálida, revestida da voz carregada de birita. “Sinto muita dor nas pernas. Mas é só tomar umas cachaças e já revolve”, brincou. Seu amigo e companheiro das ruas, Gamba, permanecia em silêncio. “Aprendi a lutar com ele”, declarou. Corcunda, com feição física desgastada, trajando roupas surradas, Gamba mostrou-se feliz com a vida que leva. “Curto rock satânico”, bradou. Mas ele não queria saber de muito papo. Ficava quieto, enquanto Xan, a gesticular, relatava fatos de sua vida.

De repete chegara Salomão, a segurar um cigarro enrolado num papel de caderno. Cheirava a álcool. “Irmão, tem como você me presentear esse isqueiro?”, perguntou. O isqueiro fora às mãos dele. Imediatamente uma expressão de felicidade ganhou o rosto sofrido de Salomão. Acendeu o cigarro, e dera algumas tragadas. “Tá vendo ele ali. Esse não tem medo de descer a porrada”, afirmou Xan, referindo-se a Salomão, cuja fama era de ser o zelador deles. O trio ao fundo se completava. Eles são “companheiros das ruas”. Moram nas proximidades da Praça Cívica. 

Polícia

O cabo da Polícia Militar, Emanuel Francisco Dias, 47, afirmou que o cruzamento entre as avenidas 84 e Pedro Ludovico é ponto de concentração de moradores de rua. “Eles têm histórico de abandono, e uma estrutura familiar que os facilitou para se tornarem moradores de rua”, disse.

Emanuel ainda disse que a melhor forma de solucionar este problema é investir em educação. “Precisa melhorar todo o sistema”, afirmou. O cabo acredita que a corrupção é uma das causas de haver este contraste social. “Nossos governantes atuam em causa própria”, falou.

Nas dependências da Praça Cívica, no entanto, não há algum morador de rua. “Aqui dentro da Praça não tem moradores”, disse Emanuel.  Eles se concentram próximos da praça. Basta descer a Avenida Goiás para vê-los. Os moradores sentam-se nas calçadas, encostados nas portas das lojas, e por ali permanecem noite adentro.

Pesquisa

A ONU (Organização das Nações Unidas) desenvolveu pesquisa sobre as cidades mais desiguais do Brasil. E Goiânia está entre elas. Numa escala de 0 a 1 – com um a ser o ápice da desigualdade – Goiânia se junta a Fortaleza, Brasília e Belo Horizonte, como uma das capitais mais desiguais do Brasil, com 0,6.

Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) cerca de 28 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza. Antigamente, afirma a pesquisa, quem usufruía do Estado de Bem-Estar Social era a classe média. Aproximadamente 13 milhões de pessoas, acima dos 15 anos, ou 8,8%, não estão na escola. Já o ensino fundamental os números de matrícula são altos. De acordo com a pesquisa, 98,4% das crianças estão com frequência confirmada no ensino fundamental.

À margem da sociedade

“Você tem três reais?”, perguntou-me um morador de rua, enquanto saía de um posto de combustível em frente à Praça Cívica.

“Não tenho, amigo”, disse - “sou quebrado igual vocês”, completei.

“Não é não”, afirmou - “está bem vestido, de óculos, camiseta, bermuda, tênis novo. E ainda vem dizer que é como nós?”, finalizou.

Por fim, acabei cedendo. Tirei do bolso um real. Ele olhou para o meu maço de cigarros e afirmou:

“Ou três conto, ou três cigarros”

Eu analisei-o, esbocei uma risada, e falei:

“Assim não dá, chefe”, falei.

Ele saiu e foi embora. Eu virei às costas, caminhei em direção ao outro lado da rua e acendi um cigarro. Pensei na vida que levam os moradores de rua. Ninguém os vê. E quando os vê, estão carregados de ideias pré-fabricadas.

Xan e Gamba estavam juntos com o rapaz que me pedira três reais. Eles olharam-me e deram um sorriso. Gamba segurava uma garrafa de 29 – cachaça poderosa no submundo do álcool. Xan, com seus cabelos grandes, calça jeans e tênis, também estava alcoolizado. Acho que Xan nem me reconhecera, devido ao furor do álcool em seu organismo.

“O Gamba e o Xan estavam ali”, comentei com Raphael, enquanto ele abria uma garrafa de vinho.

“Eles te reconheceram?”, perguntou-me.


“Acho que não”, disse – “foda, eles vivem à margem da sociedade. Fazer o quê?”, completei.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Piratas, roqueiros e amigos

Johnny Deep e Keith Richards contracenaram juntos. E descobriram vários pontos em comum.  Durante a entrevista publicada na Rolling Stones EUA – traduzida para a edição 07 de julho de 2007 da Rolling Stone Brasil – eles falaram sobre a experiência que tiveram de conviver por uma semana. Richards interpretou o Capitão Teague, pai de Jack Sparrow (Johnny Deep), em Piratas do Caribe: Fim do mundo. Deep, por sua vez, revelou que se inspirou em Keith para compor Sparrow. Em sua biografia Vida, o guitarrista disse que apenas ensinou ao ator dobrar uma esquina embriagado. “Eu falei para ele que quando for dobrar uma esquina bêbado, jamais evitar a parede”, contou.

Questionado sobre os métodos de preparo para os shows, Keith declarou, entre risos, que a banda faz o mesmo ritual há anos. “Eles me avisam quando faltam dez minutos para começar. A banda geralmente fica dando um tempo lá no meu camarim. E a gente faz o que tá acostumado a fazer [risos]. É uma energia reprimida e você fica ali esperando para que os portões se abram... E lá vamos nós”, disse. O músico à época estava em turnê com os Rolling Stones, em Bigger a Band, quando recebeu o convite de Depp para participar do filme. "O resto dos Stones está relaxando, curtindo, e eu virei um pirata”, brincou. Keith saiu de uma apresentação na Dinamarca para ir ao set de gravação. "Ele chegou feito um pirata, vestido desse jeito. Foi a primeira vez que vi a minha equipe, com quem já trabalho há anos, boquiaberta. Só medindo o cara, espantados. Como se o bandido da cidade tivesse chegado", comentou Deep.


Keith Richards interpretou o pai de Jack Sparrow  (Johnny Deep) em Piratas do Caribe: Fim do mundo

A primeira pergunta é para você, Keith. Sua carreira como astro do rock foi, na verdade, uma espécie de laboratório para o papel de um pirata?
Keith Richards: Acho que dá para ver por esse lado, sim. São dois jeitos diferentes de levar uma vida desonesta. E os piratas são muito democráticos. Tudo está à venda: perna esquerda por tanto, testículos por tanto... Quero dizer, eles tinham negócios rolando naqueles barcos que estavam muito além da Constituição.

Você também tem experiência com bandas, Johnny, na sua adolescência, com a The Kids. Já descobriu se existe alguma diferença entre piratas e roqueiros?
Johnny Depp: Sempre achei que os piratas eram os roqueiros do século 18. Em ambos os casos [dos piratas e dos roqueiros], o mito chega antes deles. Eles estão em todas as bocas meses antes de aportar.


Lembra quando soube pela primeira vez do mito de Keith?
Depp: Isso aconteceu muito cedo. Simplesmente descobri sua música e ele sempre foi meu primeiro amor, desde criança. Lembro de quando comecei a fuçar em uma guitarra pela primeira vez. E Keith está muito na vanguarda.


Já tiveram a oportunidade de tocar juntos?
Richards: Ainda não.


Johnny, e como você se compara, como guitarrista, com esse deus da guitarra aqui?
Depp: Não gostaria nem de começar.

Richards: O Johnny deve ser melhor do que acha que é e eu provavelmente não sou tão bom quanto ele imagina.
Depp: Eu quase tive medo de encontrar Keith por um bom tempo. Sempre existe o temor de que seus heróis vão ser uns imbecis.
Richards: Quando o conheci, no começo pensava: "Ah, outro porra de amigo do meu filho". O Johnny começou nesse status, depois foi ganhando espaço.

Quanto tempo faz isso?
Richards: Acho que foi em 1995, em Nova York. Ou será que foi na Disneylândia? Meu filho Marlon me falava: "Você tem que conhecê-lo, ele é seu fã de verdade". Então, acabei encontrando o Johnny. Não sabia direito o que ele já tinha feito, achei que era um guitarrista, então pensei: "Ah, ele fez uns filmes também. Mais um daqueles caras". Mas depois, ao longo dos anos, a gente se conheceu melhor, tanto que estou aqui vestindo isto [ri de si mesmo ao se ver caracterizado de pirata].


Foi difícil convencê-lo a fazer parte deste filme?
Richards: Foi aquela história do lugar certo, na hora certa, com os caras certos. E, claro, porque ele é um cuzão.

Depp: Que a verdade seja dita.

Acho que você, Keith, teve uma ótima atuação no documentário do Chuck Berry, Hail! Hail! Rock'n' Roll (1987), em que fez o papel de um homem maduro, o produtor do show, enquanto o Chuck tocava o puteiro.
Richards: Era eu fazendo o que costumo fazer. O Chuck pediu, eu fiz. Sou um dos maiores fãs do Chuck Berry. E ele também tem uma história com o Chuck.
Depp: Eu era da The Kids. E a gente abriu para o Chuck Berry em Atlanta, eu tinha 17 anos na época. Ele chegou, entrou no nosso camarim e achou que a gente era a banda de apoio dele. Fiquei extasiado. Ele me passou a guitarra e falou: "Afina". Então liguei na tomada e usei o afinador eletrônico. Ele perguntou: "Que porra é essa?" "Um afinador eletrônico, amigo". Ele ficou fascinado.
Richards: É, o Chuck nunca tinha visto um afinador eletrônico antes. Ele achou que você estava tentando tirar uma da cara dele. Deus abençoe seu velho coração. O Chuck é um grande pirata, do seu modo.
Depp: É verdade, Chuck costumava estorquir, saquear e pilhar em todos os lugares a que ia.
Já que vocês não vêem diferença entre piratas e roqueiros, que tal entre roqueiros e atores? As praias estão entulhadas de ossos de astros do rock que gostariam de atuar...
Richards: Não sei analisar essa. Desde que bati a cabeça [ao cair de uma palmeira nas ilhas Fiji, no ano passado], tive esses médicos que se projetavam como rock stars. Sou só um músico. E se as pessoas gostam do que faço, graças a Deus, isso me leva a produzir mais. E eu quero fazer mais. Taí uma coisa que você não considera quando entra no jogo.


Johnny, seu personagem, Capitão Jack Sparrow, colocou você em outro patamar: o de ícone do cinema.
Depp: Não sinto nada diferente em relação a qualquer outro papel que já tenha feito. É que mais gente viu este filme e gostou do personagem. Fiquei chocado e comovido com isso.


Como vocês definem o encanto do Capitão Jack Sparrow?
Depp: Acho que é irreverência pura, ele é o malandro.

Richards: Ele representa um potencial de liberdade, quebra barreiras.

Quando você pensou no Keith ao compor o personagem, Johnny?
Depp: Você pergunta: "Quem é o maior rock star do mundo? Quem é interessante e carismático?" E então responde: "É o Keith, não é? É o Keith".


É verdade que quando você era pequeno, Keith, gostava do Roy Rogers, o caubói-cantor?
Richards: É verdade, ele era demais. Sabia atirar, tocar guitarra e andar a cavalo. O que mais você quer?


Quando você foi para o lado negro, na direção dos piratas?
Richards: Isso veio mais tarde, naturalmente. Você cria uma imagem que te acompanha para sempre. Você pode limpar a sua barra e virar uma pessoa certinha, mas mesmo assim, arrasta sua vida toda atrás de você.


Johnny, você teve reações negativas dos executivos dos estúdios quando começou a criar o Jack Sparrow, não?
Depp: No primeiro mês de filmagem todo mundo pensou que eu tinha pirado.

Richards: Não, a abertura com você no navio encalhado... Eu não teria feito nada melhor.

Então você viu o filme, Keith?
Richards: Claro. Como poderia não ter visto com meus netos por perto? Vi quando o primeiro [Piratas do Caribe: A Maldição da Pérola Negra, 2003] foi lançado. No segundo [Piratas do Caribe: O Baú da Morte, 2006], acabei dormindo no meio, mas foi porque estava acordado há três dias.

Depp: Eu também teria dormido.

Keith, você percebeu alguma semelhança logo de cara entre você e o personagem feito pelo Johnny?
Richards: Ele me ligou quando começou a dar entrevistas sobre o filme e disse: "Antes que você comece a ler por aí, tenho que te dizer que baseei algumas coisas do meu personagem em você". Bom, obrigado por me contar, Johnny. Do contrário, teria te processado até a alma [risos].


E quando você teve a idéia, Johnny, de chamar Keith para ser o seu pai em Piratas do Caribe 3?
Depp: Foi em um jantar, em Nova York. Mas nunca tive certeza de que ele toparia.

Richards: Eu tive uma semana de folga, Johnny.
Depp: Um tempo muito bem utilizado.
Richards: É. O resto dos Stones está relaxando, curtindo, e eu virei um pirata. É só uma coisa diferente para fazer. Mas não sei se consigo dar conta. Mas é isso, ou eu teria uma fala só e iria embora.

Como ele está se saindo?
Depp: Muito bem. Ele é o "Richards-Duas-Tomadas".


Supostamente, o cantor Frank Sinatra tinha paciência para um só take quando estava atuando.

Richards: É, mas ele era um grande filho da puta.

Depp: Acho que o Sinatra sempre acertou na mosca. Ele podia sair de cena e estaria tudo certo.

Johnny, o sucesso estrondoso dos dois primeiros Piratas surpreendeu você?
Depp: Muito, porque estou acostumado a ter só umas 18 pessoas assistindo aos meus filmes.


Keith, este é o mais perto que você vai chegar de um personagem da Disney?

Richards: Sou o próximo Mickey Mouse, tome cuidado.

Depp: Um Mickey com dreads.

Johnny, qual foi o disco dos Stones com o qual você mais se identificou?
Depp: Eu era fã das coisas mais antigas. Sempre caí mais para os lados das faixas do Keith: "Before They Make Me Run", "Little T&A". Como guitarrista, ele era um deus, e ainda é. Só não conte isso para ele.


Johnny, em algum nível você se considera um rock star falido?
Depp: Pior que isso, sou um músico falido. A música era a minha vida, meu primeiro amor.

Richards: Ele tem uma das melhores coleções de guitarra que eu já vi, é muito eclético.
Depp:Tenho uns belos violões L1, da Gibson.

Jonny Deep e Keith Richards



Keith, você não vem usando um anel de caveira e outros apetrechos de pirata desde a época de sua banda solo, a X-pensive Winos?
Richards Desde o final dos anos 60, começo dos 70. Tenho um grande amigo que também faz minhas algemas, mas não dá para mostrar agora porque estão embaixo destas malditas mangas de pirata.

Ao longo dos anos, algumas das melhores frases foram atribuídas a você. Uma delas é "Não viajo sob nenhuma bandeira. Sou um músico". O que para mim é o éthos dos piratas...
Richards: Cara, se não tivesse uma guitarra, teria um barco.
Depp: E eu, um Maserati.

Você acha que tem que ser meio pirata para sobreviver na música?
Richards: O mundo da música nunca foi diferente. É uma piscina cheia de piranhas. Quer entrar ali? É melhor você não ser saboroso.


Aqui vai mais uma frase atribuída a Richards: "Nunca tive problemas com drogas. Tive problemas com a polícia".
Richards: Eu também apoio essa frase aí [risos].


As crianças que nasceram agora podem descobrir o Keith através do Piratas. Como você vê isso?
Richards: Ótimo. Sensacional.
Depp: Se for assim que elas vão descobrir o Keith, beleza.Tem também mais 40 anos de uma música incrível para descobrir depois.

Richards: Descobriram o Johnny, não foi? Podem me descobrir também. É uma geração diferente, e é por isso que estou fazendo o papel do pai dele.
Como vocês comparam a fraternidade entre uma banda com a fraternidade entre os piratas?
Richards: São uma tripulação, certo? É um trabalho em equipe. O Johnny vem fazendo Piratas do Caribe há três ou quatro anos, faz e pára, faz e pára. E a tripulação dele fez com que me sentisse em casa. É uma coisa de família. Minha vida inteira gira em torno disso.


Você já recusou muitos papéis como ator?
Richards: Já me ofereceram algumas coisas, mas eram todas muito ridículas. Só faria isso com amigos, e foi assim que aconteceu desta vez. É por isso que estou usando esta merda de peruca que pesa 2 quilos.


Quantas horas você levou para se maquiar? Porque devo dizer que esse visual de pirata ficou bastante natural em você.
Richards: Leva cerca de uma hora e meia, porque eles colocam várias cicatrizes. Como se eu já não tivesse cicatrizes o suficiente.


Como anda sua atuação?
Richards: Fingir ser o pai dele se tornou interessante. Não sei direito o que estou fazendo - porque é por muito pouco tempo - mas estou dando o melhor de mim. Sei que posso olhar para esse homem nos olhos e a gente pode dar uma de bobo sem errar a mão.

Depp: Ele chegou feito um pirata, vestido desse jeito. Foi a primeira vez que vi a minha equipe, com quem já trabalho há anos, boquiaberta. Só medindo o cara, espantados. Como se o bandido da cidade tivesse chegado.
Richards: Você juntou uma equipe e tanto.
Depp: Tome muito cuidado comigo, seu degenerado.

O Jack Sparrow tem problemas com o pai?
Depp: É uma relação de amor e ódio.

Este filme obviamente interrompeu a turnê dos Stones. Como estão indo os shows?

Richards: Muito bem. Eu saí da Dinamarca para fazer isto aqui. E vamos combinar que, se os shows dos Stones não estivessem indo bem, você já teria lido a respeito em tudo quanto é lugar. Mas ao vir para cá, pensei que estava com jetlag, mas consegui filmar mesmo assim. A carcaça do velho aqui ainda está segurando a onda?

Depp: A carcaça ainda está segurando a onda, sim.

O produtor e chefão Jerry Bruckheimer veio ver vocês dois juntos?
Depp: Sim, ele veio ver a gente ontem.
Richards: Grande coisa. Eu já vi todos eles indo e vindo, meu bem& [risos]
Quando você era mais jovem, Johnny, chegou a ver os Stones no palco ou os shows eram muito caros para você?

Depp: Estavam muito fora do meu orçamento. Agora já vi várias vezes. E só vai ficando melhor. É inacreditável a energia deles.

Richards: Eu preciso de expiação.

Você ainda toca e compõe, Johnny?
Depp: Sim. Toco em casa, faço umas gravações caseiras, toco em discos de amigos. Às vezes toco em mim também.
Richards: É, sempre tem isso.

Keith, você levou um século para fazer um álbum solo [Talk Is Cheap, 1988]. Johnny, você faria um disco?

Depp: Não. Acho que músicos dando uma de atores é uma coisa, mas atores dando uma de músicos...

Richards: Você pode fazer o que quiser. Deixa de ser medroso.

Keith, você contribuiu com alguma música para este filme?

Richards: Só com um pouquinho de "ho, ho, e uma garrafa de rum"& o Johnny conseguiu mandar fazer uma guitarra maravilhosa em uma semana, que parece ter 300 anos. Então, fiz um pouco do que faço para me aquecer nos shows. E eles disseram que gostaram.


Mas você tocou no filme?
Richards: Sim, uma musiquinha adorável. Vocês vão adorar.


Vocês dois parecem piratas mesmo - dois cães sarnentos e maliciosos.
Richards: Ele já vem me lambendo há alguns anos.


Contracenar neste filme deixou vocês dois mais próximos?
Richards: Obviamente, a gente pôde se conhecer um pouco melhor. Quero dizer, ele virou um camarada meu: "Quer fazer isso?" "Claro, por que não? O máximo que vai acontecer é eu cair de cara, certo?"
Depp: Você não caiu de cara.

Mas em termos de rock'n'roll, você não acha que está abrindo um novo precedente para a longevidade?
Richards: Não tem essa história de "em termos de rock". Quem pode dizer quanto tempo alguém pode continuar a fazer isso? Bater as botas com 19 ou 20, quando você está legal. Dois anos nas paradas.


Bom, é uma questão de orgulho que você seja um símbolo de&
Richards: Não é uma questão de orgulho, a gente só continuou tocando. E você pode continuar fazendo quando tem uma banda. Por que não? Quantos milhões de pessoas estão aí querendo me ver? Caralho, quem sou eu para dizer não? Vou me divertir muito com essas pessoas. Rock tem que ser divertido. Sério, preciso da adrenalina e ali existe uma troca de energia.


O Keith inspirou você na carreira, Johnny?
Depp: Ele é determinado.
Richards: Ele provavelmente pensou nisso antes de me conhecer.
Depp: Ele era uma das pessoas que eu admirava pelo que já havia feito e pela maneira como lidava com aquilo. Quarenta e tantos anos sendo esse deus. E ele é bacana.

Keith, quando você começou a falar com a imprensa, era surpreendentemente objetivo e honesto.
Richards: Depois de tudo por que passei, foda-se. Você quer saber como é? É assim. Não sou nenhum anjo.


Mas agora você é um ator. O que você aprendeu com o Johnny?
Richards: Antes de rodar uma cena, os olhos dele mudam e ele vira o Jack.
Depp: Isso é sério? Eu não percebo essa mudança.
Richards: Você incorpora o Jack em um segundo.
Depp: Não fazia idéia.

Você era um músico carismático quando estava no palco, Johnny?
Depp: Não mesmo. Eu tentava ficar longe dos holofotes.

Richards: Isso é difícil. Não funciona.

Keith, como você entra no clima para um show dos Stones?
Richards: [Risos] Essa é uma pergunta perigosa. Eles me avisam quando faltam dez minutos para começar. A banda geralmente fica dando um tempo lá no meu camarim. E a gente faz o que tá acostumado a fazer [risos]. É uma energia reprimida e você fica ali esperando para que os portões se abram... E lá vamos nós.


Como Jack Sparrow, Johnny, o que você pegou do Keith, além do olhar?
Richards: O olhar, é verdade. Elegantemente bêbado.

Depp: Eu não estava tentando fazer uma imitação do Keith, mas tem alguma coisa nele que achei que teria a ver com o personagem.
Richards: Bom, você voltou para sua história de rock stars e piratas.
Quero dizer, esta roupa que a gente está usando foi tirada de gravuras de piratas que se mostravam como queriam que fossem vistos. Você não acha que eles ficavam no convés usando essa merda, né? Eram os cartões-postais deles. É assim que eles querem ser apresentados, como querem ser percebidos. No dia-a-dia, eles deviam usar cuecas e mais nada.

O que os dois piratas sabem sobre ser cool que o resto de nós não sabe?
Richards: Se você é cool, você não sabe nada sobre isso. Ou você é ou não é.




O jogador e a derrota

O bar. André deixara-o. De segunda a segunda ele estava lá. Participava dos campeonatos de sinuca e, depois, enchia a cara. Às vezes, ganhava. Em outras, perdia. Mas os amigos iam até sua casa chamar-lhe. André tinha fama de bom jogador. “André segura um taco como ninguém. Temos que chamar ele”, comentavam João José – amigos de André.

- cara vai ter um campeonato de sinuca, cê vai participar? – perguntou José.

- tô sem grana, bicho – respondeu André – além de que estou tentando parar de jogar e beber. Ultimamente ando bebendo pra cacete. Minha mulher todos os dias pega no meu pé – completou com a voz rouca de ressaca.

- como assim? Nunca vimos ninguém, na redondeza, jogar melhor que você – emendou João, com convicção.

André permanecera em silencio. Será que deveria ir jogar? Ele dissera ao João que pensaria sobre as possibilidades. “Acho que vou, sim. É uma grana que pode entrar”, pensou, racionalmente. E ele tinha, sim, grandes chances de faturar o torneio. Já o levara outras vezes. Por que não levaria agora? Não havia motivo aparente para não levá-lo.

O jogador fora até a geladeira pegara uma cerveja e a bebera. Estava medindo as probabilidades que tinha de participar do torneio, enquanto bebericava a birita. “O foda é que tenho de pagar”, falou, “mas é só 5 conto. Não é possível que eu não arrume este dinheiro”, constatou, imaginando o que falaria à sua esposa.

Rosangela era uma mulher de personalidade forte. Falava o que lhe vinha à cabeça, sem receios, nem medo. “Não me importo com isso, com o que os outros vão pensar de mim”, dizia ela. Rosangela sabia da queda pela boêmia do marido.

O homem resolvera avisar a esposa. Tomou a decisão e quando chegasse em casa à noite falaria para ela sobre a sua vontade de competir no torneio. “Que porra, cê vai participar disso mesmo”, imaginou André, vendo a esposa falar diante de si.

André ouviu o telefone tocar. Era João:

- e aí, vai participar?

- vou, vou, sim. Pode contar comigo.

- e a patroa?

- então, vou falar com ela, ainda...

- ainda?!

- é foda falar com ela, cara. Sei lá o quê vai dizer pra mim.

João encontrou José no bar “fim de noite” – palco do torneio. Eles conversavam sobre André:

- acho que essa mulher tá fazendo mal pra ele – constatou João.

- ela o controla demais, bicho – afirmou com veemência José.

- nem parece que é o nosso velho amigo, que conhecemos há anos – desabafou João – lembra quando éramos jovens e não estávamos nem aí pra nada? Era do caralho – lembrou.

- nos divertíamos demais!

Os dois continuavam a conversar. Lembravam histórias, criavam expectativas. Se André participasse da competição, a volta dele à vida estava consumada. Eles tinham uma conexão invejável. “Certeza que Andrezinho iria faturar esse torneio de merda”, bradou José. “É, ele sabe jogar. Coisa que nós nunca soubermos fazer: jogar sinuca decentemente”, disse João, com ares de tristeza.

Passaram-se uma semana. André iria ao campeonato. E logo no primeiro jogo, duelaria com um dos melhores da sinuca no bairro. “Desce uma carteira de OFF e uma Antarctica, porque o negócio será pesado”, pediu, com a face travestida por um sorriso sarcástico, típico de jogador.

Antônio – proprietário do bar – trouxera-lhe a bebida e o cigarro. “Há tempos não fumo um cigarro”, falou André, com o olhar direcionado ao oponente. “Que conquista , cara”, elogiou Claudio, despido de emoção.
A feição facial dele era limpa. Tinha postura de quem sempre ia ao bar. E jogava. Sabia como segurar um taco. Segurava-o com estilo e desenvoltura. A sinuca era a vida de ambos.

Iniciou-se a peleja. O jogo era técnico. Matemático, pensado e articulado. Os dois não queriam e não podiam errar. Mas André – com anos de sinuca nas costas – matou a primeira. E ficou com as bolas pares. Então, começou a jogar. Matou uma, duas, três, quatro, cinco, seis bolas.

Claudio desesperado clamou:

- que porra é essa aqui? O que você fez derrubar todas essas bolas?

- anos com o taco na mão, cara.

- não, não, desisto.

- desiste? Não, vamos jogar!

- como?

- ora, segure a merda do taco. E vá pro jogo!

- agora num dá mais, André.

As partidas foram se sucedendo. André despachava seus oponentes. Parecia um mestre do taco. Todos o olhavam. Ficavam e permaneciam estáticos, apenas a observar um craque na sinuca. Menos a classe média, cujo lazer passa longe dos bares periféricos. “Em bar é difícil achar gente que estude”, afirmavam. E sem rodeios, nem formalidades, todos ficavam contentes quando os branquinhos ficavam longe. Ou nem iam. Aí o jogo fluía. A risada corria solta.

Olhar fixo, taco e giz na mão. André estava imóvel. Tinha olhos somente para a mesa. Mas por ironia do destino, ele não conseguira encaçapar uma bola sequer nesta partida. “André, já deu seu tempo”, falavam, “cê tem é que ficar em casa e parar de beber”, diziam.

André caminhou até seu Antônio, pediu uma cerveja, sentou-se à mesa – com João e José – e disse: “Hoje é por minha conta”.


domingo, 19 de abril de 2015

Os doidões da noite

Raphael levantou-se e foi comprar um maço de cigarros. Eu fiquei na mesa. Esperei-o, e dei uma bebericada num Cantina da Serra – o vinho mais agressivo que há no submundo do álcool.

Via-o andar em direção ao posto de combustível. Apenas lá vendia cigarro. E ele ficava do outro lado da rua. Atravessá-la com álcool e maconha no cérebro era uma atividade que exigia atenção. Enchi meu copo. “Porra, bem que podia ter um cigarro aqui”, pensei. Mas Raphael havia ido comprá-lo. “Espere seu fumante invertebrado”, disse a mim mesmo, num exercício introspectivo.

- posso me sentar com você? – perguntou-me um cara estranho – estou sem amigos – completou.

- claro bicho – respondi, educadamente e demasiadamente comovido pelo retraimento dele – meu brother foi ali comprar um cigarro. Ele já volta – falei.

Profano vestia uma camisa do Black Sabbath. Pelo menos no som o sujeito representava. Gostava de hard rock/heavy metal. Não eram meus sub-gêneros de rock prediletos. Mas era rock and roll. Entretanto, sua aparência assustava. Cabelos longos, que iam até as costas. Olhos pretos cuja mensagem era “quero te matar”. Parecia ser um neonazista pronto para assassinar um cara que trajava uma camisa do Jimi Hendrix e tinha alguns colares pendurados no pescoço com o símbolo da paz. Comecei a ficar trêmulo. Em poucos minutos, estava sóbrio novamente.

- qual é a cerveja mais barata que você tem? – perguntou ao dono do bar.

- imperial – respondeu.

- quanto é?

- 5 reais.

- manda vir.

Passei a analisá-lo. Dei um longo gole em meu vinho. Comecei a pensar em como iria embora da mesa. Não confiava na aparência deste sujeito. Vestia-se todo de preto, com coturnos, óculos pendurado na gola da camiseta. Imagina fumar um baseado ali?

Raphael voltou com cigarro em mãos. “Quer um cigarro, cara?”, disse. “Claro”, redargui. Acendi-o e joguei fumaças ao ar. Minha mente divagava em pensamentos lunáticos.

- como é o teu nome, cara? – Raphael quis saber.

- Profano.

- como?

- Profano.

Profano colocou as mãos no bolso e pôs sobre a mesa várias bitucas de cigarro. Havia mais ou menos umas cinco. “Então vocês não vão pagar?”, esbravejou. “Não temos dinheiro”, afirmou Raphael, sabiamente. “Como assim?”, reagiu. “Ele aqui – disse apontando pra mim – só tem cartão”. “Você saí pros lugares só com cartão?”, interrogou, “que tal você pagar no cartão e eu te pagar, depois, em dinheiro”, propôs. Eu o alertei de que não aceitavam cartão no bar. Ele resmungou alguma coisa. Não entendi.

O dono do bar viera até nossa mesa. Conversara com Profano. Poucos minutos depois, ele levantou-se e fora até o porcão - bar do lado. O que fora fazer? Pegar uma arma, talvez. Confesso que este era o meu palpite quando Profano levantou-se. “Cara vá ali e veja o que ele foi fazer?”, sugeriu Raphael. Levantei-me e fui. Não o vi. “Meu, vamos vazar”, propus. Raphael imediatamente acatou minha ideia. Fomos embora. “Acho que vou dar um gole naquela cerveja dele”, falei. “Deixe de ser maluco. Já imaginou cê encontrar o cara? Ele ia olhar pra sua cara e ia te quebrar no meio”, alertou.

Caímos na gargalhada. E tentávamos descobrir de onde surgira aquela figura exótica.

- como ele apareceu? – perguntou Raphael.

- eu estava sentado, bebendo meu vinho. Profano apareceu. Pediu para se sentar. Disse que estava sem nenhum amigo. Porra, eu olhei pro cara, e disse: “de boa, senta aí”.

- sério que ele disse isto? Até eu, então, iria me comover – afirmou Raphael com a sua ironia caraterística.

Andamos um pouco. Chegamos ao Martin Cererê. Estávamos sem grana. Apenas tínhamos uma Cantina da Serra – pela metade – nas mãos. Sentamos. Outro baseado fora confeccionado.

- uma hora dessas o cara já deve ter se matado – ironizei.

Raphael dera uma olhada nas mulheres que passavam do outro lado da rua. Nem prestara atenção no que eu falara.

- porra, eu dei um cigarro praquele cara – reclamou – vamos pra 10. Bebemos uma cerveja lá e eu posso comprar um skini pra comer – sugeriu.

Levantamos e seguimos atrás de umas garotas que saíram do evento no Martin. "Olhe as tatuagens dela, se mexendo ao andar", clamei, todo espalhafatoso. "Que gatinha", afirmou Raphael. Viramos a rua. Aprendi que quando se está a dobrar uma esquina bêbado, jamais deve-se evitar a parede. O fiz, por precaução. Esbarrei-me nela, e não caí. Mantive-me em pé, firme. Descemos até a 10, no Universitário. "Cara, me dê um cigarro", pedi. Acendi-o. Chegamos e fomos em direção a uns bancos que haviam numa praça ao lado.

Enquanto Raphael estava a produzir outro baseado, um cara chegara:

- posso dar umas bolas?

- pode sim, brother – disse Raphael.

O cara ficara de pé, a olhar-nos. Ele pedira um cigarro e um gole de vinho para a caminhada. Não tínhamos motivos para ficar com receio dele. Estava vestido de acordo com os padrões. Trajava uma regata laranja, um tênis novo nos pés e uma bermuda jeans.

- que rolê miado – resmungou Raphael.

- só tomamos no cu hoje.

- pois é. Primeiro foi aquele cara na pastela. Agora esse maluco aqui na 10. Só o serrote.

Comprei mais duas latinhas de cerveja. Tive um breve desentendimento com o vendedor da distribuidora. Perguntei a ele se tinha latão. A resposta foi "sim". Porém, o rapaz afirmara que só podia passar, no cartão, acima de R$5. Então, pedi duas latinhas.

- não dá, né – falei.

- uai, claro que dá.

Abri a cerveja e resmunguei: “que rolê”.

Tim-tim.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Poeta do ácido

Jim Morrison tinha alma de artista. Cantor, letrista e poeta, estudou cinema na UCLA (Universidade da Califórnia). Em 1969, após show em Miami – em que exibiu a genitália –, a Rolling Stone EUA o entrevistou. O jornalista Terry Hopkins revelou os bastidores da conversa. “Ele achava que a cobertura da revista sobre o catastrófico show em Miami o fez parecer um palhaço. No final, mudou de ideia”, contou. Morrison não entrou em detalhes sobre sua vida pessoal. Mas ele sentiu-se a vontade para comentar os tumultuados shows do Doors e ainda aproveitou para falar sobre a sua relação com a poesia. “Acho que foi quem me ensinou a falar, a conversar. De verdade. Acho que foi a primeira vez em que aprendi a falar. Até o advento da linguagem, era o toque – comunicação não verbal”,  disse.

Morrison com o famoso cabelo "Alexandre, o Grande"

ENTREVISTA

Os Beatles e outros artistas parecem ter voltado às raízes, ao som básico... 

Sim, o country e o blues, é isso. As pessoas têm esses novos poços de informação e ideias, e isso foi bem longe. E, um dia, parou. Então, agora as pessoas estão voltando a esta forma básica de música. Obviamente, haverá uma nova síntese – provavelmente daqui a dois ou três anos. O ciclo parece ter essa 
duração; essa é a duração de uma geração agora.

Você quer dizer uma nova síntese entre o country e o blues? 

Não sei, cara. O rock era isso, country e blues. Há muitos outros elementos dos quais as pessoas ficaram cientes, como música indiana, oriental, africana e eletrônica. Provavelmente seria uma síntese disso, uma síntese muito louca. Acho que, nos Estados Unidos, voltamos ao blues e country porque são nossas duas formas de música nativas. Sabe o que pode acontecer? As grandes mentes musicais que tratavam de coisas clássicas podem entrar em áreas populares.

Você já tocou algum instrumento musical? 

Quando era criança, tentei piano por um tempo, mas não tinha disciplina para continuar. Tentei por uns meses. Acho que cheguei até o livro do terceiro nível.

Tem vontade de tocar um instrumento hoje? 

Na verdade, não. Toco maracas. Consigo tocar algumas músicas no piano. Só minhas invenções, então não é realmente música; é barulho. Consigo tocar uma, mas ela só tem duas mudanças, dois acordes, então é bem básica. Realmente gostaria de conseguir tocar guitarra, mas não tenho o sentimento necessário.

Como foi o começo do The Doors na gravadora Elektra? 

A Elektra na época era nova na cena do rock. Tinha o Love e a Paul Butterfield Band, que estava mais no blues e folk. O Love era a primeira banda de rock com potencial da Elektra para o mercado de singles, já que a Elektra era predominantemente uma gravadora de álbuns. Depois de contratar o Love, o presidente da empresa [Jac Holzman] nos ouviu tocar no Whisky a Go Go. Acho que ele me contou uma vez que não gostou. Ele voltou outras vezes e enfim todos na gravadora estavam convencidos de que faríamos muito sucesso. Então, nos contratou.

É verdade que você gostaria de voltar aos tempos que a banda tocava no Whisky a Go Go? 

Só digo que algumas das melhores viagens musicais que fizemos foram em clubes pequenos. Grandes shows são ótimos, mas entram em um fenômeno de multidão que realmente não tem muito a ver com a música. Em um clube, a atmosfera é diferente. Eles podem ver você suar e você consegue vê-los. E há muito menos bobagem. Em um show em estádio, você reúne muita gente e não importa tanto o que faz. Em um clube, tem de empolgar as pessoas só com a música. Se não der certo, todos percebem.

É mais difícil fracassar em um grande show? 

É quase impossível. Há a simples empolgação de estar no evento, aquela massa de gente se misturando, isso gera um tipo de eletricidade. É empolgante, mas não é exatamente sobre música. É histeria em massa.

Você já me disse que, tocando em locais menores, há a chance de compor, algo difícil quando se está em uma turnê de grandes shows. 

Certo. Além disso, gosto de trabalhar. Não há nada mais divertido do que tocar música para uma plateia. Dá para improvisar nos ensaios, mas é meio que uma atmosfera morta. Não há retorno do público. Não há tensão, na verdade, porque em um clube, com um público pequeno, você fica livre para fazer qualquer coisa. Ainda existe a obrigação de ser bom, então você não consegue ficar realmente solto; há gente olhando. Então, há essa tensão linda. Há liberdade e, ao mesmo tempo, uma obrigação de tocar bem. Posso trabalhar o dia inteiro, voltar para casa, tomar banho, trocar de roupa e fazer duas ou três apresentações no Whisky, cara, e amo isso. Amo a performance no palco do mesmo jeito que um atleta ama correr para se manter em forma.

Vocês conseguem criar algo quando improvisam? 

Sim. Veja, precisávamos de outra música para este álbum [The Soft Parade]. Estávamos queimando neurônios tentando pensar em algo. Estávamos no estúdio, então começamos a tocar várias músicas antigas. Viagens de blues. Clássicos do rock. Finalmente, começamos a tocar por uma hora. Passamos por toda a história do rock – começando com o blues, pelo rock and roll, surf music, música latina, tudo. E saiu algo. Eu a chamo de “Rock Is Dead”. Duvido que alguém escute um dia. [N.R.: “Rock Is Dead” finalmente foi lançada em The Doors Box Set (1997) ]

Recentemente foi divulgado que você havia dito que o rock estava morto. É algo em que você realmente acredita? 

É como o que falamos antes. Falei algo sobre o movimento de volta às raízes. A chama inicial se apagou. A coisa que chamam de “rock and roll” ficou decadente. Daí houve uma ressurreição do estilo promovida pelos ingleses. Aquilo foi muito longe, foi articulado. Depois, ficou olhando para si próprio, o que, acho, é a morte. O rock and roll ficou com vergonha de si, sem evoluir, e se tornou algo meio incestuoso. A energia acabou. Não existe mais uma crença.

Como reage ao que escrevem a seu respeito? 

Bem, eu pergunto: há uma coisa pior do que uma foto muito ruim? Uma foto pode fazer qualquer pessoa parecer um anjo, bobo, demônio, uma não entidade. Muito disso vem por acaso; muito é malícia e também idolatria. Uma foto ruim pode te dar vários momentos de perda psíquica real. Você sabe que não é você, mas alguém escolheu te criticar daquela forma.

Você se imagina um roqueiro a vida toda? 

É difícil dizer. Talvez eu vire um executivo de uma empresa... Meio que gosto da imagem. Escritório grande. Secretária...

Nos três primeiros álbuns, o crédito de compositor em cada faixa ia para o The Doors, em vez de ir para os indivíduos. Mas sei que a partir de agora, com o novo The Soft Parade, os compositores individuais serão listados nos álbuns. Por quê? 

No começo, eu escrevia a maioria das canções, letra e música. Em cada álbum seguinte, Robby [Krieger, guitarrista] contribuiu com mais músicas, até que finalmente em The Soft Parade tudo está dividido praticamente igual entre nós dois. Temos uma visão muito diferente da realidade, argumentos diferentes, então senti que era hora. Somos uma parceria, sabe? Artisticamente e financeiramente. Dividimos por igual. No começo, muito foi em interesse coletivo, para manter tudo unido. Agora que a unidade não está mais tanto em risco, achei que era o momento de as pessoas saberem quem estava dizendo o quê. Então, este será o primeiro disco em que daremos créditos ao compositor e acho que continuaremos fazendo isso.

Como sua visão das coisas é diferente da de Robby? A dele é, digamos, mais romântica, ou o que é? 

Não sei bem. Você terá de descobrir sozinho. Não sei mesmo. Musicalmente, como guitarrista, ele é mais complexo – mudanças de acorde, lindas melodias e tal – e minha coisa está mais na veia do blues: longa, errante, básica e primitiva. É que a diferença entre dois poetas é muito grande. Em muitas músicas no começo, eu ou Robby vínhamos com a ideia básica, letras e melodia, mas depois todo o arranjo e a gestação real da canção aconteciam noite após noite, dia após dia, em ensaios ou nos clubes. Quando viramos uma banda de grandes shows, uma banda de discos, e quando fomos contratados para lançar tantos álbuns por ano, tantos singles a cada seis meses, aquele processo natural, espontâneo e gerador não teve a chance de acontecer como era no começo. Tivemos que realmente criar músicas no estúdio. O que começou a acontecer foi que Robby ou eu vínhamos com a canção e o arranjo já completos em nossa cabeça em vez de trabalhar lentamente naquilo.

Você já declarou que gosta de fazer as pessoas se levantarem da cadeira, mas não de criar intencionalmente uma situação caótica... 

A situação nunca ficou fora de controle, na verdade. É algo bem brincalhão, mesmo. Nós nos divertimos, a garotada se diverte, a polícia se diverte. É um triângulo meio estranho. Só pensamos em subir ao palco e tocar boa música. Às vezes, eu me empolgo e excito as pessoas um pouco, mas normalmente estamos ali tentando tocar boa música. É isso. Cada vez é diferente. Há diversos graus de febre no auditório esperando por você. Daí, você sobe ao palco e encontra essa onda de energia em potencial. Nunca sabe o que será.

O que você quer dizer com “às vezes, eu me empolgo e excito as pessoas um pouco”? 

Digamos que estava testando os limites da realidade. Estava curioso para ver o que aconteceria. Era só isso: mera curiosidade.

Como você testa os limites? 

Eu simplesmente tento levar a situação o mais longe possível.

E mesmo assim não sente, em momento algum, que as coisas saíram do controle? 

Nunca. Você tem de olhar para isso de maneira lógica. Se não houvesse policiais ali, alguém tentaria subir ao palco? O que eles fariam quando conseguissem? Quando sobem, ficam muito tranquilos, não vão fazer nada. O único incentivo para subir é porque há uma barreira. Se não houvesse barreira, não haveria incentivo. É isso. Acredito firmemente nisso. Sem incentivo, sem carga. Ação e reação. Pense nos shows gratuitos no parque. Nenhuma ação, nenhuma reação. Nenhum estímulo, nenhuma resposta. Só que é interessante, porque a garotada tem uma chance de testar os policiais. Você os vê hoje, andando com suas armas e uniformes, e o policial se porta como se fosse o homem mais durão do quarteirão, e todos ficam curiosos sobre o que exatamente aconteceria se você o desafiasse. O que ele vai fazer? Acho que é uma coisa boa, porque dá aos jovens uma chance de testar a autoridade.

Há uma citação atribuída a você que aparece muito na imprensa. Diz: “Estou interessado em qualquer coisa sobre revolta, desordem, caos...” 
“... especialmente atividade que pareça não ter significado.”

Isso, essa mesmo. É outro exemplo de manipulação da mídia? Você inventou essa frase para um jornalista? 

Sim, definitivamente, criei a frase, mas tem verdade nela também. Quem não fica fascinado com o caos? Só que é mais do que isso. Estou interessado em atividade que não tenha significado, e tudo o que quero dizer com isso é atividade livre. Tocar. Atividade que não tenha nada nela exceto o que é. Nenhuma repercussão. Nenhuma motivação. Atividade... livre. Acho que deveria haver um carnaval nos Estados Unidos, como o do Rio de Janeiro. Deveria haver uma semana de hilaridade nacional... uma pausa em todo trabalho, todos os negócios, toda discriminação, toda autoridade. Uma semana de liberdade total. Seria o começo. Claro, a estrutura de poder não seria realmente alterada, mas alguém nas ruas – não sei como o escolheriam, aleatoriamente, talvez – se tornaria o presidente. Outra pessoa seria o vice. Outras seriam senadores, deputados, no tribunal superior, policiais. Só duraria uma semana e, depois, voltaria ao que era antes. Acho que precisamos disso. É. Algo assim.

Tem algum tipo de ritual que você e os membros do The Doors fazem? 

Sim, existe um ritual no sentido de que usamos os mesmos acessórios e as mesmas pessoas e as mesmas formas repetidamente. A música definitivamente é um ritual, mas não acho que esteja esclarecendo o ritual ou acrescentando qualquer coisa a ele.

Você se vê indo mais em direção à poesia, à literatura em geral? 

É minha maior esperança, meu sonho.

E quando você começou a escrever poemas? 

Ah, acho que por volta da 5a ou 6a série escrevi um chamado “The Poney Express”. É o primeiro que me lembro. Era um desses poemas tipo balada. Só que nunca consegui terminar. Sempre quis escrever, mas sempre achei que só seria bom se a mão pegasse a caneta e começasse a se mexer sem eu ter algo a ver com aquilo. Como uma escrita automática. Escrevi outros, claro. Escrevi “Horse Latitudes” quando estava no ensino médio. Guardei muitos cadernos durante o ensino médio e a faculdade e, quando saí da escola por algum motivo estúpido – talvez sábio –, joguei tudo fora. Não consigo pensar em nada que mais adoraria ter agora do que aqueles cadernos perdidos. Estive pensando em ser hipnotizado ou tomar pentatol sódico para tentar lembrar, porque escrevi naqueles cadernos noite após noite. Só que, talvez se nunca os tivesse jogado fora, nunca teria escrito algo original – porque eram principalmente acúmulos de coisas que eu tinha lido ou ouvido, como citações de livros. Acho que, se nunca tivesse me livrado deles, nunca seria livre.

O que o atraiu na poesia? 

Acho que foi quem me ensinou a falar, a conversar. De verdade. Acho que foi a primeira vez em que aprendi a falar. Até o advento da linguagem, era o toque – comunicação não verbal.

Tenho a sensação de que muitas pessoas que militam no rock não têm muito ou nenhum respeito pela forma – quero dizer, de nunca admitirem ser cantores ou músicos de rock. Em vez disso, sempre dizem que são, na verdade, músicos de jazz ou cineastas... 

Sei o que você quer dizer. Mas acho que a maioria dos músicos e cantores de rock realmente gosta do que faz. Seria psicologicamente enervante só fazer isso para ganhar dinheiro. Acho que o que estraga tudo é a besteira dita pela imprensa, pelos colunistas de fofocas e revistas para fãs. Um baterista, vocalista ou guitarrista gosta do que está fazendo e, então, de repente, todos dizem alguma besteira estranha sobre a viagem do cara. Ele começa a duvidar de sua motivação. Sempre há um grupo que atrapalha a sensibilidade. Então, você tem uma leve sensação de vergonha e frustração no que está fazendo. É uma pena, de verdade. Queria poder ser mais específico, mas acho que você entende o que eu quero dizer.

* Entrevista republicada em janeiro de 2014, na edição 88 da Rolling Stone Brasil