segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A telecracia e o futebol

Hoje em dia, a televisão ganhou o espaço dos estádios. Se antes os torcedores preferiam ter as calças polidas pela poeira das arquibancadas, de uns tempos para cá os costumes mudaram. A sala de casa virou a nova arquibancada.

Realizado no México, o Mundial de 86 provocou críticas por conta do horário das partidas. Para agradar as emissoras europeias, os jogos eram realizados sob um calor desumano, ao sol do meio-dia.

Não demorou muito para que Maradona e Valdano demonstrassem descontentamento com oligarquia televisiva, que, no México, através da Televisa, controla o futebol e, além de tudo, é dona do maior time do País, o América.

“Tenho a garganta seca. A grama está como a merda seca: dura, estranha, hostil. O sol cai a pique sobre o estádio e explode sobre nossas cabeças. Não projetamos sombras. Dizem que isto é bom para a televisão”, declarou o goleiro da Seleção Alemã, no Mundial do México, Harald Schumacher.

O que importava mais: a venda do futebol ou o espetáculo? Brilhantemente, o manda-chuva da FIFA, João Havelange, responsável por transformar o esporte bretão num mero produto, sentenciou: “Calem a boca e joguem”.

E todos, obviamente, abaixaram a cabeça e acataram o chefão.

Mas, caro amigo, ingênuo torcedor, já lhe ocorreu perguntar quem dirigiu a Copa de 86? A Federação Mexicana? Não, péra. Quem dirigiu foi Guilhermo Canedo, mandatário do tempo ocioso dos mexicanos, que enche a cabeça deles com enredos pífios, como o plim-plim por aqui.

Corajosamente, após a Copa do Mundo, um jornalista mexicano questionou Canedo, que foi seco: “Esta é uma empresa privada que não tem de prestar contas a ninguém”. Canedo seguiu como menino querido de Havelange, numa das vice-presidências da FIFA, outra empresa privada que tampouco presta contas a alguém.

No Brasil, a Rede Globo também manda no tempo livre dos brasileiros. O ex-jogador Alex, com passagem pelo Palmeiras e Fenerbahce, afirmou que a emissora carioca, ao contrário do que muitos pensam, é quem dá a última palavra no futebol brasileiro.

“Acho que a CBF não tem uma interferência dentro do futebol tão grande. A CBF cuida apenas da Seleção Brasileira. Quem realmente cuida do futebol brasileiro é a Globo. A gente sabe que a Globo trabalha na dependência da novela. A gente brinca aqui no Coritiba que os jogos de quarta-feira só rolam depois do último beijo da novela”, disse o jogador, em entrevista ao Diário Lance.

Alex ainda declarou que o horário é prejudicial para o torcedor brasileiro. “O cara sai de casa ou do trabalho, precisa ir para o estádio dez horas da noite, assistir ao jogo, voltar para casa, e ainda precisa acordar sete horas da manhã no outro dia. Poxa, isso é desumano”, afirmou.

Em todo o mundo, por meios diretos ou indiretos, as emissoras de televisão dizem quando, como e onde serão os jogos. O futebol vendeu-se à telinha, como diz Eduardo Galeano, “de corpo, alma e roupa”.

Todavia, quem concorre com os espetáculos futebolísticos na telinha? Na Itália e França, em 1993, a Final da Copa dos Campeões foi disputada entre Milan e Olympique de Marselha. O time italiano, como se sabe, pertence ao czar da televisão, Silvio Berlusconi. Bernard Taipe, presidente do time francês, não era dono da televisão francesa, mas o Olympique havia recebido trezentas vezes mais dinheiro do que em 1980.

Agora, milhares de pessoas podem ver as partidas. Os estádios viraram arenas. Cada vez menos gente vai aos estádios. E os torcedores viraram consumidores de marcas. Os manipuladores de imagens, mestre Galeano, estão com o sorriso de ponta a ponta. E o bolso transbordando dólares (ou será que é Euro?). 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

A obra que revolucionou o texto jornalístico


Considerado um clássico contracultura, o jornalista Hunter Thompson lançou Medo e Delírio em Las Vegas: uma viagem ao coração da América, em 1972. A obra modificou as regras do texto jornalístico, pois Hunter acreditava que o jornalista, para escrever uma boa história, precisava atuar e protagonizar os fatos.

Hunter era um porra-louca. Na infância, enfrentou problemas com a polícia. E disto fez sua matéria-prima. Ao contrário de seus antecessores do new journalism, Hunter escrevia em primeira pessoa. Seus textos tinham um ar essencialmente subjetivo.

Aliás, sua obra é repleta de fugas em alta velocidade, sarcasmo desenfreado e metáforas tão alucinadas quanto a final da Libertadores de 2012, quando o Corinthians batera o Boca Juniors, no Pacaembu. Sem dúvida, Hunter criou um novo estilo de escrita, que fora intitulado como jornalismo gonzo, e dispensava da pirâmide invertida, adotada pelas redações.

Fã de Hemingway, Fitzgerald e Jack Keroauc, o jornalista levou às últimas consequências os ensinamentos de Tom Wolfe, o “terno branco”, que escreveu o manifesto do new journalism, Radical chique e o novo jornalismo, em 1973. “Uma prosa enlouquecida, corrosiva e poética, que começa onde Um sonho americano, de Norman Mailer, termina e explora o que Tom Wolfe deixou de fora”, assegura o The New York Times.  

Maluco o cara, não? Mas imagine alugar um conversível que anda mais rápido que o vento e ter como destino Las Vegas, o coração da cultura estadunidense. Imagine rechear o porta-malas do veículo com as mais diversas substâncias. E, agora, imagine ter como advogado um samoano nada confiável.

Aqui está a história de Medo e Delírio em Las Vegas, obra que colocou Hunter Thompson como um dos grandes retratistas dos ideias libertários que sacudiram a cultura estadunidense, na década de 1960.

Originalmente publicado em artigos na revista Rolling Stone, Medo e Delírio em Las Vegas chegou ao cinema em 1998, com Johnny Deep, como Raoul Duke, e Benício Del Toro, como o Dr Gonzo. 

Confira um trecho da obra: 

"Estávamos em algum lugar perto de Barstow, à beira do deserto, quando as drogas começaram a fazer efeito. Lembro que falei algo como "estou meio tonto; acho melhor você dirigir..." E repente fomos cercados por um rugido terrível , e o céu se encheu de algo que pareciam morcegos imensos , descendo, guinhando e mergulhando ao redor do carro, que avançava até Las Vegas a uns 160 quilômetros por hora, com a capota abaixada. E uma voz gritava: "Jesus Santíssimo! Que diabo são esses bichos?"

Foda, né?

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Pela volta do cafuné



Dos dengos femininos o que mais nos faz falta é o tal do cafuné. 

Impressionado com o desdém de homens e mulheres, o blog resolveu lançar uma campanha para 2017. 

Que tenhamos mais cafunés. Que não o deixemos apenas para a hora agá, nem o utilizemos como combustível para o sexo – aliás, depois da foda cai muito bem.  

Que o cafuné, neste ano novo, seja permanente, ora pois.

Que sigamos o exemplo de Jorge Amado e sua amada, Zélia Gattai, na foto que ilustra este post.

Pela volta imediata dos mais nobres dos gestos de carinho e delicadeza.

Este servo vagabundo das palavras, numa discussão acalorada no boteco, chegou à conclusão de que não há nada mais lindo do que as mãos de uma moça caminhando pelos teus cabelos.

Pela criação da Casa de Cafunés Gilberto Freyre. Há alguns anos, o jornalista e escritor Xico Sá propôs sua crianção, em seu blog, na Folha de São Paulo

Infelizmente, nada saíra do papel e o clube dos machos passara a fazer cada vez menos cafuné nas damas.

Que homens e mulheres sejam treinados para reaprenderem o hábito do cafuné, e não o desaprendam jamais.

Ou ainda: que seja feita uma sonora campanha de saúde pública cujo propósito seja a volta do carinho mais sublime da espécie humana.

Quantas doenças nervosas seriam evitadas, quantos barracos de casais seriam esquecidos, se o tal do cafuné fosse prática corriqueira?

Sem falar no erotismo que o dengo desperta, como atesta o sociólogo francês Roger Bastide, em seu belo ensaio “A psicanálise do cafuné”.

Pura libido.

Delícia de se sentir, formosura de se ver. O cafuné, amigo leitor, sem dúvida, é um dos atos mais lindos que um ser-humano pode fazer em outro. Todos os instintos animais correm para o fundo do ralo, se o cara agrada a dama com um cafuné, ou vice-versa.

Até o mais aloprado dos homens vira sujeito cordial e gentil, com cafunés.

Talvez Jair Bolsonaro chegasse a conclusão de que não vale a pena jorrar, como uma metralhadora 7 milímetros, palavras inúteis que estimulam o ódio, o preconceito, a intolerância.

Ai que preguiça, que arrepio no cangote. Porra, quero meus cafunés de volta.

Como pode uma criatura, como esses rapazes com calças coladas ao corpo, que se denominam Bolsomitos, passarem pela vida sem desfrutar de um bom cafuné?

Pela obrigatoriedade dos cafunés no receio das escolas, nos pátios das faculdades, no café da firma, nas redações, nos intervalos dos jogos do teu time.

Não se pode condenar toda uma geração a viver sem cafuné. Trata-se de uma questão de segurança nacional, tão importante quanto políticas sociais.

Porque o cafuné, amigo leitor, é a assinatura renascentista de mulher. Um tesão.