terça-feira, 30 de junho de 2015

MAIS UM TRABALHO


Abri a porta, e entrei em casa. Mais um dia de trabalho. Eu trabalhava 8 horas por dia, de segunda a sexta. No sábado estava no serviço, também, mas pela manhã. Saía do trampo, e ia para a casa. Minha esposa, meu amor. Ela estava sempre assistindo televisão. Abraçava-a e perguntava como havia sido seu dia. As respostas eram sempre iguais . “Bem”, dizia ela. Era a vida que eu escolhera para mim. Meus amigos falaram que o casamento não seria uma merda. Mas eu ignorei-os. A vida de cônjuge me agrava.

Deixei meu paletó sobre o sofá. Fui ao banheiro, mijei e troquei de roupa. Desci à cozinha, e perguntei o que faltava em casa:

“Nada”, respondeu-me Jordana.

“Temos pão”, quis saber eu.

“Aham”, balbuciou ela.

Abri uma sacola e encontrei alguns pães. Comi-os, e avisei Jordana que iria dar uma volta:

“Trabalho, né”, constatou ela.

“Sim”, respondi. “Devo voltar lá pelas 22h”, avisei.

Entrei em meu Camaro. Liguei-o e dei a partida. Ouvi o ronco do motor e imediatamente uma sensação de vaidade me tomara. Ninguém na vizinhança tinha um carro esse. Eu era o único. Os vizinhos, certamente, haviam escutado o motor. Meu carro, idiotas. Podem babar.

Parei no semáforo. O céu estava claro, porque a lua o iluminava. Bela imagem. De repente, uma luz verde refletiu no vidro do carro. Era o sinal. Arranquei, andando a 60 km por hora.

Virei numa esquina, nada. Em outra, nada. Novamente, porra nenhuma. “Vai ver é por que está frio”, cogitei. E de fato, fazia uns 15 graus em Goiânia. Dobrei na 136, no Setor Marista. Pisei fundo no acelerador. Achei um crioulo na rua. Fitei-o, descaradamente. Saí. Dei uma volta na esquina e voltei para lá.

“E aí, brother”,  eu disse. “Não tem um desse aí, não”, perguntei, solicitando uma pedra de crack.

“Tenho, sim”, falou ele.

“Entra”, pedi.

Ele veio até a porta do carro. Apontei-lhe a arma, discretamente, e disse:

“Entra já, ou vai morrer”.

Sem pensar duas vezes, o cara entrara em meu carro. Saí dali.

“É o seguinte: nós vamos dar uma volta. E eu só quero conversar, beleza?”, avisei .

Mais calmo, ele perguntou se podia acender um cigarro. Disse-lhe que ‘sim’.
Demos três voltas na Praça do Cruzeiro. Descemos até a Praça Cívica e voltamos à Praça do Cruzeiro. Ele estava tranquilo.

Parei o carro numa rua deserta e escura.

Pahhhhh pahhhhhh pahhhhh.

Olhei para a cabeça dele. Vi só sangue. Tirei o corpo, e o joguei na rua.

Liguei Mozart no pen-drive do carro.

Cheguei em casa, Jordana estava vendo Jornal da Globo. “Tudo bem?”, falei, beijando-a. “Tudo”, respondeu.

É isso aí: mais um trabalho concluído.


quarta-feira, 3 de junho de 2015

Vamos


- dá um cigarro - me pediu o cara.

Fitei-o. Pensei, seriamente, se deveria dar-lhe um cigarro. Mas acabei o entregando.

O sujeito queria puxar conversa comigo. Eu nem o conhecia. Ele trajava uma camisa polo listrada; nos pés, uma bota típica de quem faz Medicina Veterinária. Pele escura. Sotaque do interior de Goiás:

"você faz faculdade aonde?" – perguntei, tentando iniciar um diálogo.

"na UFG" – respondeu ele, secamente.

Assenti com minha cabeça qualquer coisa. Por um instante achei-o um ser desprezível, daqueles que lhe pedem desde um simples cigarro até dinheiro.

- e você" – disse – faz o quê?

- jornalismo.

- onde?

- na PUC.

Ele olhou-me e pensou algo como “que cara estranho”. Eu sabia e percebia isso. Ou talvez um cara como ele não tenha inteligência suficiente para pensar algo. “Me dá outro cigarro”, pediu. “Cara espere. Estou sem grana para comprar outra carteira. Tenho que fazer essa aqui durar” – falei, apontando para meu Hollywood vermelho.

Continuamos a andar. O tempo estava congelado, os minutos pereciam que não passavam. Quando estávamos a uma esquina de chegar à Praça Universitária, ele pediu-me outro cigarro. Agora, demonstrando minha perplexidade, alertei-o de que eu não os tinha. “O gordo tem duas carteiras”, declarou, com a ingenuidade de quem não sabe nada. “Então peça para ele.”

Perambulamos um pouco por lá. Havia umas apresentações culturais. Ao chegar, notei uma banda cantando Bete Balanço, do Barão Vermelho. Parei, e prestei atenção no som. “Pode seguir a tua estrela, o teu brinquedo de estar”...

- os caras são estão aqui - disse.

Fiquei calado, procurando ignorá-lo.

- Bicho eu já vim pra cá com eles várias vezes – gritei - devem estar ali embaixo – apontei e saí, deixando-o imóvel - esse porra deve gostar de sertanejo universitário e essas merdas – pensei.

E depois soube que minhas reflexões tinham fundamento. Realmente, ele gosta de sertanejo universitário. "E você curte o quê?" - interrogou. "Rock, jazz, blues', respondi.

Meneou a face expressando uma falsa concordância e compreensão da realidade.

Levei a mão ao bolso. Contei as moedas. Tinha cinco reais.

- e aí Beck, como que tá? – disse João, estendendo a mão para eu felicitar lhe.

- e aí meu brother – cumprimentei – tranquilo e ocê?

- suave demais - respondeu, abrindo um sorriso na face, típico da vida alternativa.

- li seu texto. Achei genial - falou.

Imediatamente, fiquei surpreso. Se alguém lhe diz que leu seus escritos - e os achou bons - uma sensação de bondade se acende dentro de si. É inexplicável. E inacreditável.

Criamos um roteiro para um filme. Discutimos, divagamos sobre arte, jazz, filosofia. Saí dali com a convicção de que eu devo escrever um roteiro. “Você pode ser um roteirista. Tenho vontade demais de fazer algo contigo. Podemos fazer um cinema artístico, experimental”, afirmou.

João me avisou de que estava indo embora. Despedi-me deles e fui procurar Rogério. Andei pela praça toda. Não os encontrei. Comprei uma cerveja. Bebi-a em poucos minutos, em goles longos.

Observei, enquanto caminhava pela praça, várias tendas. PSOL, PT, MST e do movimento estudantil, organizado pela UNE, eram as que estavam disseminando suas propostas. Animei-me, porque na do PT, ouvi “Ela partiu” do Tim Maia. Agora, sem o cara a importunar-me, apreciei a música. “Ela patiu, partiu. E nunca mais voltou...”

Esbarrei em duas colegas de curso. Eu já estava pirado. Cogitei a hipótese de só balançar a cabeça e sorrir, era mais garantia de que a comunicação seria fluente.

- venha aqui conhecer o povo - disse, acenando para um pessoal que havia da tenda da CUT.

- que legal, só vou comprar uma cerveja é já volto - falei.

Virei as costas e fui embora. Definitivamente, eu não queria conversar sobre política. Todo aquele povo destilando empáfia doutrinadora, deixava-me assustado.

Ouvi uma moça berrando algo como “Paraná... Ceará, Ceará”. Sentei-me embaixo de um poste. Fumei um cigarro, vi uns hippies deitados na grama.

Após uma hora vi Rogério, com seu cabelo amarrado. Cheguei à roda. Estendi a mão para todos.

- vamos tomar um ácido? – perguntou Robson, colando-me numa encruzilhada.

Sorri, e disse “sim” com a cabeça.