sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Ensaio sobre jazz, literatura e ócio

Frenético. Sôfrego. Inquieto. Estes são alguns dos adjetivos que qualificam o jazz. O gênero, que nascera na década de 1920, nos EUA, carrega o fardo da criminalização social e étnica em suas melodias. Vários músicos, como Thelonious Monk, incrementavam as canções em longas sessões de jam sessions. Django Reinhardt, violonista francês, morto nos anos 50, é considerado um dos maiores instrumentistas do século XX. Anos depois, o rei da guitarra, Jimi Hendrix, disse que Django foi um melhores músicos que viu tocar. Django não tinha um dos dedos em sua mão esquerda. Ele executava seus solos de forma autêntica e sublime, usando apenas três dedos.

No álbum Monk´s Dream, Thelonious Monk sentou-se em seu piano e criou uma nova atmosfera jazzística. Ao colocar o disco, somos introduzidos ao piano suave, simples e poético de Monk. O lirismo das teclas nos leva para ruas desertas, com homens fumando cigarro, prostitutas mal-encaradas nas portas dos puteiros e cafetões com camisas abertas. Na década de 1950, Allen Ginsberg afrouxou o nó da gravata da linguagem poética. Ele e Jack Kerouac – autor de On The Road – foram influenciados pelo jazz. A prosa deles é marcada pelo improviso, pelo fluxo de consciência. Os pensamentos não são censurados, são jorrados ao papel com uma espontaneidade poética que chocara os acadêmicos da época. Ginsberg mostrou que a poesia pode ser declamada no ritmo dos desajustados, dos excluídos, dos inconformados, dos loucos, dos célebres, daqueles que não conseguem ser um simples parafuso na engrenagem.

Chet Baker assoprava o saxofone. Miles Davis o trompete. John Coltrane comovia e impressionava a multidão. Ella Fitzgerald, com sua voz, sensibilizava os fãs. Jazz e literatura. Irmãos distantes. Se os escritores soubessem que as frases possuem ritmos, e eles estão enclausurados nos pontos, nas vírgulas, nas frases a literatura seria outra. Seria menos maçante. Acontece que poucos sabem escrever. A escrita é a música em palavras. Schopenhauer afirmou que a música é a representação sonora da vida. Segundo ele, através dos sons a gente acha um propósito à vida. Vivemos num emaranhado careta. Trabalhamos oito horas por dia. Bem, se pensarmos que há dois séculos os homens tinham uma carga horária de 16 horas, estamos em vantagem. Hoje, trabalhamos oito horas. E aí, chegamos em casa e ligamos a tv para saber o que aconteceu no mundo e temos contato com as novidades da indústria cultural, seus produtos pré-fabricados, sem elegância, sem estilo.

Os meios de comunicação de massa, diariamente, tentam nos vender uma realidade. A gente têm nossas mentes abertas e “informações” são implantadas nela. Digerimos um rock sem guitarra, um filme sem enredo e crítica, uma peça sem atores. Passamos a pensar menos, a consumir mais, a preterir o material ao espiritual. Mas eu quero ligar meu som, e ouvir um jazz. Não quero ouvir Cold Play. Quero escrever meus poemas, em meu quarto escuro e vazio e vácuo.

Jim Morrison disse que a porta é a metáfora para chegar ao conhecimento. “Há o conhecido, o desconhecido, e entre eles há a porta”, disse o líder do The Doors. Porém, quando acharmos o conhecimento pleno, o que iremos fazer com ele? Ah, talvez a vida perca a graça. A gente vive com a esperança de que terá o paraíso e todos serão perdoados e as pessoas serão todas felizes e sorridentes, em seus empregos de merda.  

Viva a sua vida. Viva o agora. Satre disse que “a essência precede a existência”. Só temos essa chance de viver. Vamos gritar. Vamos andar. Vamos amar. Vamos foder. Vamos beber. Vamos, simplesmente, viver. Que mal há nisso? Temos medo de pegar na mão de um desconhecido, e dizer-lhe que o amamos. Vivemos condicionados ao terror. Na tv, vemos imagens de sangue. Mudamos de canal, e o apresentador prega o ódio. Não temos para aonde correr. O livro está fechado. As palavras não vêm à folha todos os dias. O músico não se lembra dos acordes, todos os dias. O ator não decora o texto, todos os dias.

Precisamos da arte. Libertamo-nos na arte. Precisamos de inutilidade. Precisamos e angariamos por ócio, por vagabundagem, por atividades desprezíveis. Queremos rebeldia. Queremos poesia à prosa. Queremos metáfora à metonímia. Queremos sensibilidade à brutalidade. Queremos o amor ao ódio. Queremos o beijo, o abraço, o afago.

Os rebeldes foram embora. É mais fácil ser obediente. Se o fizer, irão falar-lhe sobre as oportunidades de ascender na vida. Mas essas oportunidades não chegam. E o discurso nunca muda. Como eu queria ouvir a voz de Ella Fitzgerald, o saxofone de Chet Baker, o trompete de Miles Davis, a guitarra de Hendrix, a poesia de Ginsberg.

Eles tinham estilo.

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