sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Keroauc, o beat que não desejava ser beat

Escritor desprezava a cultura pop e não queria ser visto como ícone

Jack Keroauc

Ao longo de nove anos, Jean-Louis Lebris de Kerouac, mais conhecido como Jack Keroauc, viajou de Nova Iorque a São Francisco e do México ao Alasca. Quando não estava na estrada, ele passava seus dias com o poeta Allen Ginsberg e com o escritor junkey William Burroughs, autor de Almoço Nu, uma das obras mais importantes da geração beat.

Seus amigos já eram autores famosos nesta época, e Keroauc ainda trabalhava em seu primeiro romance. Pouco tempo depois de lançar On the road, sua oba mais famosa, o autor publicou a novela The subterraneans. Após o lançamento, o texto causou controvérsias pela forma com que relatou os afro-americanos.

Mesmo com todas as críticas que o acompanhavam, o potencial de Keroauc era inegável. Sobre efeitos de benzedrina, ele escreveu The Subterraneans em apenas três dias. Seus textos apresentava uma prosa espontânea, com frases longas, adjetivação empolgada e metáforas bem construídas, sobretudo em On the road.

Refugiado numa cabana nas imediações do Desolation Park, o autor passou dois meses sozinho. Nesse tempo, escreveu 12 novelas, produziu inúmeros haicais e escreveu cartas. De volta a São Francisco, celebrou seu retorno em um clube de jazz, gênero que esteve em sua obra principal.

Geração beat

Considerado um escritor delicado que desprezava a cultura pop, Keroauc é considerado o criador do termo geração beat. Quando On the road foi lançado, nove anos depois de ter escrito o esboço de The Weeks, um trabalho registrado em 36,5 metros de rolo de teletipo, que exigiu densa revisão, acabou sendo leiloado por 2,4 milhões de euros. Em seguida, ele se tornou o autor mais famoso da geração beat.

Na década de 1960, no entanto, Keroauc elegeu a bebida como uma de suas prioridades. E ela o levou a ruína. À época, deu várias entrevistas e provocou má impressão em todas. Declarou que os hippies eram um bando de comunistas. E causou ainda mais espanto quando afirmou que mulheres eram como demônios que deveriam ser mantidas em casa.  Chegou a falar, inclusive, que os negros e judeus eram problemas nacionais. Disse, também, que seu maior sonho era ter sido fuzileiro naval, na Guerra do Vietnã.

Visto como alienado, ele foi à contramão de seus amigos pacifistas, como Allen Ginsberg. Após ser informado que seu amigo, Neal Cassady, que o inspirou a escreveu On the road, se tornou motorista do grupo de escritores Merry Pranksters, Keroauc disse que ele foi sugado pelos hippies e pelo LSD. Cadassy, quando soube da declaração do amigo, afirmou que era triste ver como Keroauc havia desistido de tudo. “Agora ele é apenas um bêbado famoso em seus próprios termos”, frisou Neal.

Vítima de overdose, Neal morreu nas montanhas mexicanas em 4 de fevereiro de 1968. Perto dele havia uma bíblia e cartas antigas de Keroauc e Ginsberg. No mesmo ano, Keroauc finalizou a produção da décima quarta novela biográfica – Vanity Duluz. Na obra, ele recorda que era chamado de Memoru Babe pelks colegas de classe por causa de sua memória privilegiada. “Vivendo novamente em Lowell, sua cidade natal, Keroauc não conseguia se recordar de seus ataques de fúria em decorrência do alcoolismo. Numa noite, ele arremessou uma faca na parede atrás de sua mãe”, relata Steve King.

Morte

Jack Keroauc deixou esse mundo em 21 de outubro de 1969, um ano e sete meses após a morte de Cassady. A causa foi hemorragia gastrointestinal provacada pela cirrose. Mesmo com altos e baixos, ele foi considerado pelo jornal The New York Times como o mais importante escritor moderno desconhecido dos EUA.

“Durante o funeral de Kerouac, o padre escolheu uma passagem bíblica que fala da reflexão de dois discípulos que acompanhavam Jesus até Emaús. ‘Não era como um fogo queimando dentro de nós quando ele falava conosco na estrada?’”, cita King.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Assim nascem as crônicas

Algumas saem fáceis, como as de Rubem Braga. Outras são um pouco mais difíceis, e a gente tem de suar, digo, passear os dedos pelas teclas, para que a ideia baixe no papel.

Algumas são fáceis como beijos roubados de mulheres difíceis, que nos deixam encabulados, logo nós, homens, seres altamente limitados, cuja vida resume-se a porres no boteco manjado da esquina e comentários mordazes sobre o jogo do Timão.

Algumas, amigo, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força, como se fosse o último cigarro que há em tua carteira de Marlboro. Outras, cara, vão pro papel carregadas de lirismo, mas não podemos esquecer de que algumas, também, estão só o fiapo da narrativa, sem sustança, sem tutano. Aí se tem de apelar pra metalinguagem – a crônica sobre a falta de assunto.

Algumas vem ao mundo pra confundir a audiência, são crônicas-travestidas. Pois é, a gente não tem a mínima ideia se o troço é conto, crônica, ou poema em prosa.

Algumas não têm jeito, não. Ah, elas eram apenas notícia, mas aí vai um tal de Moacyr Silar e as transforma naquele texto precioso, que brilha como a lua numa rua deserta.
Algumas são de costumes, e até ficam como registro histórico, como as do João do Rio – já ouviu falar?

Algumas são aliterações. Outras paradoxos.

Algumas são metáforas. Outras metonímias.

Algumas roubamos dos mestres. Outras recorremos aos livros.

Algumas já nascem crônicas de rua, como arte de chutar tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os mestres da sinuca, grande João Antônio, saca? Há, ainda, aquelas que são sobre os marginais, entenda, os poetas marginais, que não tão nem aí pra caceta toda.

Algumas são do louco amor, como aquela do velho Bukowski, o dirty old man da prosa americana, poeta genial e fodido pela vida.

Algumas, criatura sublime, querida menina que me acompanhou por estas linhas trôpegas, são como aquelas, que escrevi quando me viste pela primeira vez e poeticamente me deste.

Algumas são como as do tio Nelson Rodrigues, contam a vida como ela é. Outras são como as de Paulo Mendes Campos, transbordam lirismo, brotinho, maravilhosa, estonteante.

Algumas, cara, a gente nem sabe como começará, pois a coisa não caminha, em hipótese alguma, pra folha em branco, que fica encarando-lhe com olhar furioso.

Algumas nascem daquele diálogo pós-foda, onde os dois estão com um cigarro entre os dedos, conversando sobre a vida.

Algumas saem com um Lou Reed cantando Perfect Day, evocando-lhe múltiplos paraísos libidinais, cujos fluídos corporais ainda ecoam em teu ouvido. Outras ficam no ponto com aquele Fagner, ave María, que cê bota no rádio altas horas da madrugada.

Algumas vão pro papel como o trompete de Miles Davis, em Kind of blue, o clássico do jazz, de 1959, que eleva a energia orgástica de qualquer foda convencional.

Algumas nos emocionam já na primeira frase, como a Última crônica, de Fernando Sabino, que narra a história de uma família pobre, que entra num botequim na gávea, no Rio de Janeiro, e compra uma coca-cola pra comemorar o aniversário do filho.

Algumas são como um disco dos Beatles, leve e cheio de amor. Outras são como um disco dos Stones, rebeldes e pesadas. 

domingo, 16 de outubro de 2016

O Brasil dos gângsteres e o povo

No Brasil dos gângsteres peemedebistas, a ofensiva reacionária traz consequências danosas para o povo. Seria um equivoco atroz acreditar que o impiti irá parar as investigações da Lava-Jato. O governo passa, a polícia continua e a lógica burocrática segue nadando com braçadas voluptuosas, rumo ao tão sonhado neoliberalismo. Mídia, polícia e Judiciário podem divergir em muitas coisas, mas concordam com a trupe que chegara ao poder para defender os interesses da burguesia nacional e internacional, pois o inimigo do povo, José Serra, pretende entregar o pré-sal de mãos beijadas aos gringos.

A burocracia jurídica não pode ser considerada uma classe social, jamais. Organizada e centralizada no mesmo nível hierárquico do exército, ela atua conforme os interesses da elite brasileira e, às vezes, pode, ou não, agir de acordo com quem está no governo. Os burocratas ainda contam com a narrativa dos jornalões, que ludibriam a sociedade com reportagens chapa-branca, repletas de adjetivos nada lúcidos e coerentes. O objetivo do impiti, minha gente, é entregar de bandeja o petróleo às multinacionais.

Infelizmente, os governos petistas não brecaram o capital internacional. Todavia, a aliança entre PMBD e PSDB garante a longo prazo - sem falso otimismo, por favor – a travessia de uma matriz energética para outra. O poeta medíocre, Michel Temer, servirá de instrumento do capital internacional, cujos olhos estão voltados e antenados aos meandros tucanos, sobretudo de Serra, que garganteia na grande mídia falácias neoliberais, de sangrar os tímpanos.

Henrique Meirelles, superministro da fazenda, também é um burocrata da privatização, e que tem como alter-ego, com licença Gilberto Vasconcellos, o vende-pátria, Roberto Campos, que fora adversário da Petrobrás, num tempo não muito distante, no governo FHC. Hoje, o protagonismo de Meirelles será mais nocivo do que no governo Lula, quando ocupou o posto de presidente do Banco Central. Com o impiti, as nações que estão na ponta do capitalismo mundial serão proprietárias do sol e da água doce e, quiçá, do ar, como se cogitou no Peru, na década de 1990. Imagine?

Pois é. Enquanto isso, chego a conclusão de que a justiça é uma senhora altamente volúvel. O jurista do PMDB, o doutô em Constituição, como dele diz Lula, poeta com versos duvidosos, é a anticonstituição em carne e osso. A Carta Magna virou coisa para boi-dormir, sim. Temer não é o todo. Aliás, não é nada. É apenas uma fatia do pão que os gringos possuem, e almejam. Sábio mesmo fora Hugo Chávez, que durante o governo Lula, quando se descobriu o pré-sal, disse que o colega brasileiro estava milionário, com um Oriente Médio no fundo do mar. Chávez avisou: o tal do pré-sal despertaria a ganancia dos imperialistas. Dito e feito.

O golpe que se sacramentou no Brasil têm suas particularidades, típicas de um país que padeceu de três séculos e meio de escravidão, e cuja casa-grande continua de pé, firme e forte. Dilma, na cartada final do impiti, ao invés de colocar sua defesa num Congresso que tanto a desrespeitou, deveria ler a ficha-corrida de seus acusadores, que, naquela ocasião, tinham plena convicção de que eram paladinos da moralidade. Pasme, o que vai ser do futuro?

Pergunta meio óbvia, mas vamos lá. O Brasil têm tradições em golpes. Em 1889, proclamou-se a República com golpe. Getúlio Vargas chegara ao poder, em 1930, por meio de um golpe. E depois dera outro golpe para se perpetuar no Poder e transformar o país numa ditadura, Estado Novo, com inclinações fascistas. Vargas voltara ao poder, em 1954, através do voto popular. Com o lema “o petróleo é nosso”, Vargas, desta vez eleito democraticamente, fizera um governo nacionalista, que visava o capital nacional em detrimento da dinheirama dos gringos.

No final dos anos 50, o que se sucedeu foi a democracia yô-yô-yô que escancarou o País à farra das multinacionais. Os governos depois de Vargas foram o prelúdio para o neoliberalismo de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Em 1964, o desfecho, no entanto, fora totalmente trágico. Os militares, com a ajuda cúmplice da burguesia nacional, chegaram ao poder e levaram o País a uma bad, sem precedentes na história tupiniquim, que durou 20 anos.

Mas o cúmulo foi, em editorial, o jornal dos Marinhos, O Globo, que sucumbe ante a crise que assola a imprensa, sugerir que para as classes mais baixas terem acesso as universidades seria preciso privatizá-las. O Globo, todavia, esqueceu-se de que os pobres teriam uma única opção: bolsas de estudo. Caso contrário, babaú possiblidade de ascender social e intelectualmente. A saída, na visão mimética deles, não é facilitar o acesso de quem vem das escolas públicas, projeto que o PT, tem-se de reconhecer, concretizou nos últimos anos.

Recentemente, o governo lançou uma campanha publicitária cujo lema é “vamos tirar o Brasil do vermelho”. A oligarquia midiática e os burocratas abriram um sorrisão, claro. Lembrei-me do tempo em que se acreditava que os esquerdistas, sobretudo os comunistas, eram devoradores de criancinhas. Ora, ser de esquerda é pretexto para se fomentar discursos repletos de adjetivos equivocados e substantivos inexistentes?

O Brasil, parece, voltara à estaca primária. Multiplicam-se cidadãos com preocupante capacidade de acreditar nas lorotas que são propagadas pelos porta-vozes da casa-grande & senzala. Vocês, senhores que se auto-intitulam nobres, deveriam correr os olhos pelo livrinho homônimo de Gilberto Freyre.

Tenho certeza de apenas uma coisa: sair do vermelho para essa trupe que está no poder é simplesmente entregar o Brasil para os gringos. Queria estar errado, porém atesto com ardor os meandros demente e alucinado do chanceler José Serra, que, certamente, pelo volto direito não chegaria à presidência tão cedo.

Eles, digo, os reacionários, querem transformar o Brasil nos Estados Unidos, mas num Estados Unidos, meu amigo, que já era. Num Estados Unidos onírico e fantasmagórico.

sábado, 15 de outubro de 2016

Bob Dylan, ícone da cultura do século XX



William Blake e Baudelaire, Rimbaud e Walt Whitmann, Allen Ginsberg e Bob Dylan. O que eles têm em comum? A poesia. E mais: transgrediram, como todo bom artista, os costumes e tradições da métrica poética. Mas na última quinta-feira (13), o prêmio Nobel da Literatura entregue ao compositor e cantor Bob Dylan causou espanto entre os romancistas e escritores “de ofício”.

"Se Dylan pode ganhar o Nobel de Literatura, então acho que Stephen King deveria ser eleito para o Hall da Fama do Rock and Roll", ironizou o autor norte-americano Jason Pinter em seu perfil no twitter. "Esse é o Nobel mais sem graça desde que Barack Obama foi premiado por não ser o George W. Bush", provocou o romancista britânico-indiano Hari Kunzru.

Provavelmente, essa não vai ser a última vez que Bob Dylan se envolverá em polêmica relacionada ao conservadorismo artístico. Em meados da década de 1960, ao deixar o violão de lado para segurar guitarras elétricas, Dylan passara a conviver com vaias e, inclusive, incomodou a cantora folk Joan
Baez e outros nomes do gênero ao se apresentar com conjunto de blues elétrico.

Neste período, no Brasil, Elis Regina liderara a criação da “Frente única da MPB” e organizara passeata contra o imperialismo cultural norte-americano, cujo símbolo era a guitarra elétrica. O rock era visto nos circuitos intelectuais como uma simples manifestação adolescente sem conteúdo.

Caetano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo, sofreram na pele o preconceito musical por usar, no início do movimento Tropicalista, instrumentos elétricos. Durante turnê nos EUA, em 1966, Dylan chegou a ser chamado de “Judas” por um fã de seu repertório tradicional.

A secretária da Academia Sueca, Sara Danius, comparou Dylan aos poetas William Blake e Arthur Rimbaud, e celebrou a contribuição do músico à cultura. Danius, ainda, lembrou a tradição dos poetas gregos, que Dylan mantém viva.“Eles escreveram textos poéticos para serem apresentados em público, e com Dylan é a mesma coisa. Ainda lemos Homero e Safo, e gostamos até hoje”, afirma.

As letras de Dylan
Como exemplo da genialidade do compositor, Sara citou o disco Blonde on blonde, de 1966, que, de acordo com ela, demonstra brilhantemente a maneira de Dylan pensar e rimar. Aliás, Sara recomenda que para conhecer a obra do artista é necessário começar por esse disco.

Inside the museums, infinity upo on trial

Nos museus, a eternidade vai a julgamento
Voices echo ‘this is waht salvation must be like after a while’
Vozes ecoam ‘é assim que a salvação deve ser, depois de um tempo
But a Mona Lisa musta had the highway blies
Mas Mona Lisa com certeza sentiu a tristeza da Estrada
Visions of johanna” – do disco Blonde on blonde (1966)

A letra de “Tangled Up in Blue” é considerada uma das mais ricas narrativas de Dylan. Ele conta a história de uma mulher que conheceu e ajudou a escapar do ex-marido problemático. A única repetição está no verso que dá nome a canção – o resto da letra se desenrola como se fosse um conto.

Fã e estudioso da obra de Dylan, o escritor e poeta, Fabrício Corsaletti, afirma que Dylan é um “grande poeta narrativo”.“ Suas letras são cheias de sequências rímicas, aliterações e assonâncias, entre outros recursos técnicos. Também é capaz de fazer letras curtas e longas e tem, ao longo de suas obras, muita variação de tons e vozes - o que mostra a sua versatilidade. Mas, além disso, “conta histórias como pouquíssimos sabem fazer”, diz Corsaletti.

“É um tema que todo mundo conhece”, afirma Corsaletti, ao comentar “Idiot Mind”. “Mas a quantidade de coisas que ele cria, o quanto ele é capaz de ir a fundo em coisas que você pensava que conhecesse, é impressionante”. “Ele é um grande criador de imagens poéticas.”

Em “Black Diamond Bay”, de 1976, Dylan constrói a narrativa em fragmentos. “É como se fosse um conto de Júlio Cortázar”, compara Corsaletti.

Prêmio que faltava
Robert Allen Zimmermam nasceu na cidade de Duluth, Minnesota, nos EUA, em 1941. Ganhou o primeiro violão aos 14 aos e começou a se dedicar a música folk e ao blues. Nos anos 1960, descobriu a literatura beat e foi fortemente influenciado pela escrita de Jack Keroauc e Allen Ginsberg, além dos versos de Rimbaud.

Seu primeiro disco foi lançado em 1962. Ao longo de cinco décadas de carreira, Dylan criou 37 álbuns de estúdio. Considerada obra-prima, sua música se focou em questões social, além, claro, de narrar o amor, política e religião. Já escreveu livros, um em dois volumes sobre a própria vida, chamado “Crônicas”, e lançou compilações com suas próprias letras.

Mas o que faltava mesma na galeria de prêmios de Dylan era o Nobel. Ele já fora laureado com Oscar, Globo de Ouro pela canção do filme “Things Have Chaged, da trilha de Garotos Incríveis , em 2001).

Dylan ainda possui um Pulitzer, que é dado a autores relevantes na área de jornalismo e literatura. O Pulitzer veio em 2008 por seu “profundo impacto na música popular e na cultura americana, marcado por composições líricas de força poética extraordinária”.

Link: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/13/O-que-há-de-diferente-em-Bob-Dylan-Nobel-de-Literatura
http://www.cartacapital.com.br/cultura/bob-dylan-o-aedo-moderno

sábado, 8 de outubro de 2016

Divagações ontológicas numa noite qualquer de trabaio

O lugar: um ponto próximo a Cuiabá, que é conhecido como Chapada dos Guimarães. Há cachoeiras correndo no meio das trilhas, um casal de animais caminhando pelo gramado, uma fogueira que iluminava meus pensamentos entre tragos filosóficos de cerveja e divagações ontológicas profundas, que deixariam Schopenhauer, Nietzsche e todos os filósofos do século XIX de cabelo em pé.

Às vezes o frio me ganhava, e eu apelava prum Campo Largo, vinho tinto que custa aproximadamente 15 paus, mas não deixa nada a desejar aos importados, que custam os olhos da cara. Num lugar desses, geralmente levo um monte de coisas pra ler, como Thomas Mann e Dostoievski – autores que todo escritor alardeia que leu, porém nunca correu os olhos pelas frases deles. Ah, deve-se, também, acrescentar Proust – o cara que escreveu Em busca do tempo perdido (este, sim, posso falar que li, numa tradução complicadíssima do poeta Manuel Bandeira.). Na Chapada dos Guimarães, fiquei cinco dias sem celular, nem internet. Saí da patética virtualização, literalmente.

Outra coisa que fiz, em meio a tamanha solidão, porque Zé, meu camarada, estava com sua mulher, foi pensar. Andávamos juntos, contávamos piadas, riamos das coisas banais. A vida parecia ser mais fácil do quando estamos trancafiados num cubículo, ouvindo frases feitas e pensamentos desconexos dos manda-chuvas da sociedade. Não importa. Deixe isto de lado. O fato é que a Chapada dos Guimarães lhe coloca dentro de uma máquina introspectiva.

Pra escrever, por exemplo, é necessário pensar, mesmo que eu ache a maioria das coisas que escrevo um emaranhado de palavras boiando entre metáforas carregadas e metonímias sacanas. Ao pegar um texto meu no dia seguinte, vejo que muito pouco, ou quase nada, houve de pensamento. Deve ser meus critérios literários, cujos autores que me inspiram têm de enxugar uma birita, tecer trocadilhos desvairados e delirantes, além discorrer sobre alguma foda, em algum lugar qualquer. É um critério literário como qualquer outro, simplesmente. Já li muita gente equilibrada. Agora procuro a esbórnia verbalizante, o hedonismo literário e a festa entre as páginas ginsberguianas.

É preciso mergulhar profundamente no pensamento. Ou seja, é preciso pensar o pensamento. Por exemplo: tem-se de entender o que há por trás dos versos do poeta, dos parágrafos do ensaísta, do romancista, do cronista, do crítico literário e musical que destila nas páginas dos jornais suas frases de efeito pra impressionar os leitores ávidos por alguma opinião contundente, sobre o produto cultural do momento.

Escrever é um ofício maluco, amigo.

Pois bem, como tô em busca da minha identidade, que ficou perdida na estrada temporal, ocorreu-me lembrar das crônicas que escrevi pro Diário da Manhã. Na faculdade, os colegas não eram grandes entusiastas dos textos publicados. Eles rotulavam meus escritos como inelegíveis, subjetivos demais e outros adjetivos tão equivocados, quanto idiotas. Sim, idiotas porque a subjetividade é uma das características do ser-humano, é tudo aquilo que forma nossos valores e norteia nossa visão de mundo – que pode ser, ou não, ancorada em livros, filmes, músicas, educação escolar, mas que tem uma forte influencia de sua casa, digo, família.

Outro dia, acho que foi há umas duas, três semanas, eu conversava com Zé sobre os meandros masculinos e bradava frases paveseanas aos borbotões. Invariavelmente, cheguei a conclusão de que eu quero – e preciso – me perder, na vida, no texto, na cama. Me parece intuitivo que temos uma única identidade na vida, e me parece saudável pro psiquismo transgredi-la. É fundamental, pondero, seguir os conselhos de Roberto Freire, que num livrinho porreta, disse que o tesão da vida é você poder fazer várias coisas, e que “sem tesão não há solução”. Freire, um dos maiores intelectuais, criador de uma técnica chamada somatepia, desenvolveu suas habilidades em várias áreas do conhecimento, como a psicanálise, a psicologia, a psiquiatria. Ele, ainda, afirmava que o capitalismo mascara os sentimentos humanos, dando-lhe remédios que controlarão suas emoções, de modo que você consiga dançar a música capitalista, cuja nota musical é uma cifra de 100 paus.

Com o propósito de encontrar minhas identidades, formulei a seguinte questão: o que eu estava fazendo há 15 minutos?

Então, veio-me outra pergunta à mente: por que 15? Por que minutos? Asseguro-lhes, que a indagação, inclusive, não têm quaisquer ligações ou alusões, por mais banal que seja, ao PMDB. E não sei por que pensei em minutos, e não anos. A única coisa que sei que é se trata de uma bizarrice assaz. Eu estava, todavia, apenas pensamento. E como disse Millôr Fernandes livre-pensar é só pensar – e é justamente o que tô tentando fazer agora, com Paraísos Artificiais, Le fleurs du mal e Tanto Faz em minha frente.

Paro o texto. Vou à janela, acendo meu último cigarro e beberico meu café. Dou um trago, volto e coloco Monk´s dream, do pianista Thelonious Monk, a todo volume. Jazz é a música da perdição. Do nada, senti um estranhamento póstumo, como o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que narra sua história de vida, após morrer. Como se vê, a solidão pode resultar em metafísica, facilmente. Basta um sujeito querer pôr no papel seus pensamentos, como são, sem censurá-los.

Veja, portanto, como é o psiquismo. Há 15 minutos eu tinha certeza de que estava vivíssimo, mas bastou poucos instantes pra eu entrar num lampejo existencial satreano. Entre ser e não ser, eu apostaria todas as minhas fichas no ser. E seguiria os preceitos do pai da fenomenologia, Heidegger, e tentaria influenciar e ser influenciado pelo outro. Eu piraria na cama, no texto, na vida e seria acolhido por qualquer rabo de saia que passasse sobre mim com algum sorriso acolhedor estampado nos estonteantes pômulos femininos. Creio ter sido feliz esse momento filosófico-cafeínico-nicotínico.

Satre tinha razão: a imaginação é infinita.

Ok, vamos trabaiá, que eu preciso terminar a porra da pauta do documentário sobre rock goiano. O professor disse que temos de mudá-la para que o filme seja exibido num cinema, aqui de Goiânia.