quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Cê pode me dá um cigarro?

Ele puxou um cigarro do seu maço de Marlboro. Ela arrastou a cadeira, e sentou-se. Ele bebia longos tragos de sua birita – um Passaport com Antarctica. Ela fitava-o, tentando entender o que se passava pela mente dele. Ele buscava o paradoxo. Ela o pragmatismo. Ele queria apenas um bar para afogar as lágrimas, quando os versos não saírem , e o mundo não entender-lhe, e as horas passassem rapidamente pelos ponteiros do relógio. Ela queria um refúgio nas horas de solidão. Ele queria beber mais uma dose, nas horas de solidão.

- Quando você vai procurar fazer algo decente? – disse ela.

- Não existe nada decente pra ser feito.

- E isso é o melhor que tem.

- Sei lá.

- E o quê você sabe?

- De nada.

- De nada?

- Só sei que nada sei – disse ele.

Ela não gostou da resposta que saiu da boca dele. Ele pegou a garrafa de cerveja que estava em sua frente, e encheu seu copo. Ela retornou. Ele seguiu em seu ritual.

- Cê bebe tentando expressar algo.

- Mas não é nada.

Ele levantou da cadeira. Foi até o caixa, pagou a cerveja e retornou à mesa.

- O que foi fazer? – perguntou ela.

- Pagar a conta.

- Mas já?

- Não há nada pra se fazer aqui.

- Como?

- Não há nada pra se fazer aqui – repetiu ele.

As sobrancelhas dela subiram e desceram. Ela abriu um olhar contestatório. E ele seguia caminhando na frente dela, pelas calçadas. E ela resmungava algo.

- Porra – bradou ela -, a gente não fode, a gente não bebe, a gente não faz nada.

- Eu gosto de nossa vida.

- Cê é parado demais... cê é vibrado demais na tua poesia.

Os dois entraram no carro. Ele ligou Black Sabbath. Ela desligou o rádio.

- Agora até a minha música cê deu de controlar?

- Quem disse que isso é música?

- Ah, esqueci que música pra você é somente aqueles chatos do século XIX.

Ela deu um suspiro profundo, e disse:

- Música é música. Merda é merda.

- E Black Sabbath é merda?

Tommy Iommi solava.

Os dois cessaram a discussão. Ele puxou outro Marlboro do maço.

- Posso te pedir um favor?

- Sim – respondeu ele.

- Cê pode me dá um cigarro?

(Texto originalmente publicado no Diário da manhã)


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Ensaio sobre a vida, a morte, a sexualidade e a arte

A gente vive pensando na morte. O quê faremos amanhã? Será que as luzes vão se apagar? Será que eu vou conseguir terminar este texto? A gente têm alguns minutos de excitação sexual, e logo voltamos à rotina maçante e monótona, imposta pelo capitalismo. Em nossas cabeças só há “produção em série”. Ou “produzir para ser alguém”. Dizem por aí que o trabalho dignifica o homem. Mas não seria o ócio- o pai de todas as artes – que dignifica e sensibiliza o homem?

O filosofo Epicuro acreditava que o prazer e a dor são à base do sentimento humano. A dor seria o mal, enquanto o prazer seria o bem. Epicuro discorria sobre a morte, afirmando que o ser humano conseguirá viver em paz quando aceitar a morte, que simboliza, apenas, o fim da consciência. Por isso ela não pode ser emocionalmente dolorosa. A morte é a libertação da alma, sobre o plano existencial. É o fim, amigo, como diz a canção do The Doors.

A existência proporciona-nos experimentar algumas sensações. A cada orgasmo, temos a convicção de que deixamos a nossa marca na vida. Gritamos, porque parece, por alguns minutos, que somos eternos, e temos de gritar. Mas a moralidade e os bons costumes conseguiram transformar a nudez em algo banal, feio, obsceno. Henry Miller fora denominado como pornográfico, ao escrever a trilogia A crucificação encarnada. Nelson Rodrigues satirizava, em suas peças teatrais, os costumes da sociedade burguesa, como bem o fez em Toda nudez será castigada. Foi tido como louco, pela imprensa brasileira.

Só que a sociedade burguesa quer o trabalho rotineiro. A sociedade burguesa não permite a vida plena e criativa. Não é necessário criar, para eles. Na verdade, se você conseguir reproduzir o que querem, melhor. Eles vendem para você uma falsa noção de estabilidade, através de um salário no final do mês. Mas quem disse que queremos ter esta estabilidade? E se quisermos encher a cara, nos bares baratos? Deixem-nos com nossos poemas baratos, em nossos bares baratos, em nossa vida simples e incerta. A vida é incerta, meus amigos. A vida é um palco, cujos atores somos nós. A qualquer hora o enredo poderá chegar ao fim. E as luzes irão se apagar.

A gente quer gozar no ventre feminino. A gente quer contemplar e amar a beleza feminina. William Blake era sábio quando disse que o corpo feminino é a mais bela das obras de arte. Eles geram vida. Eles incendeiam prazer. Eles equilibram o mundo, como falara Truffaut, em O homem que amava as mulheres. Mas a lógica cristã culpa-nos por uma trepada libertadora. Contudo, os homens só vivem na bondade e negam que a forma de um povo está expressa no corpo humano. “A forma como um povo se expresssa nas palavras, no corpo, nos gesto é a maneira como ele se expressa na política e no social que consitui uma nação.”, disse Wilhelm Reich, discípulo da psicanálise freudiana.

Sábio Reich. Já Carl Jung, psicanalista que influenciou o filme oito e meio, de Fellini, acreditava que a mulher é um ser perturbador. “Ela própria, enquanto elemento perturbador, é perturbada”. Ele, ainda, afirmava que elas transformam e iluminam as vitimas da confusão, tornando-se o centro dos acontecimentos. “Como elemento transformador, ela mesma se transforma e o clarão do fogo que acende ilumina e clareia todas as vítimas da confusão.”

Gustave Coubert, em L’origine du monde, não escondera o corpo feminino. Pintara uma vagina. Aquilo chocara os moralistas franceses, que tomados pela lógica cristã acreditavam que o corpo deveria ser escondido e odiado. Edmund Monet, em seu quadro Olympia – nome escolhido pelo poeta Charles Baudelaire -, também pintara as curvas femininas. Como dissera Freud: “Os órgão genitais, cuja visão é sempre excitante, dificilmente são julgados belos; a qualidade da beleza, ao contrário, parece ligar-se a certos caracteres sexuais secundários.”

Henry Miller num trecho de Sexus – primeiro volume da obra A crucificação encarnada -, disse que a mulher esconde entre as pernas o paraíso do mundo. Miller fora um rebelde. Ele renegou toda a ordem imposta. “O poeta é o sacerdote do invisível”, definiu, brilhantemente, Wallace Steves. Miller fora um sacerdote que poetizou e viveu e amou. Amou a vida, acima de todas as coisas. Miller vivia para contar histórias, e não para colocar tostões nos bolsos. Tanto que em vários trechos de Plexus – segundo volume da obra A crucificação encarnada -, ele conta suas façanhas para conseguir dinheiro. Ele não preocupava-se com o que iria comer. Ele apenas queria viver plenamente e unicamente, como o seu mestre Rimbaud, que abandonou a poesia aos 19 anos, para ser traficante de armas na África.

A gente quer ver o sol nascer, sem compromissos banais e insignificantes. A gente quer a poesia. A gente quer o mundo, e o quer agora. Ainda temos tempo de amar e ser amado, cara. O espetáculo não acabou. O ator ainda está no palco, encenando e declamando o horror. Mas ele pode mudar este enredo. Ele pode declamar a poesia dionisíaca - a poesia do sofrimento e da libertação. Estamos perdendo tempo, indo para empregos inúteis, trabalhando oito horas por dia, todo dia. A gente precisa do teatro, da dança, da música, da poesia; a gente quer o teatro, a dança, a música e a poesia todo dia.

(Texto originalmente publicado no Diário da Manhã, em 25/10)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

A ressurreição dos barões

Capa
Título: Na calada da noite

Grupo: Barão Vermelho

Gravadora: Warner Music

Ano: 1990

Cazuza era o vocalista do Barão Vermelho, quando o grupo se apresentou no primeiro Rock in Rio, em 1986. Meses depois, ele anunciou sua saída da banda. Frejat, Dé, Maurício Barros e Guto Goffi lançaram Declare Guerra, em 1986. Deste álbum, apenas uma música, Torre de Babel, tocou nas rádios. Em contrapartida, Cazuza lançou, em 1985, Exagerado e foi bem recebido pelo público. Os barões, nesta época, nem sabiam quem ocuparia o lugar deixado por Cazuza. Após votação, Frejat foi o escolhido. “Eu já era acostumado a cantar as músicas, porque Cazuza me entregava à letra, e eu musicava”, disse o cantor e compositor, durante entrevista, no Programa do Jô.

Só se for a dois saiu, em 1987. Cazuza flertou com uma musicalidade mais leve. “Eu me tornei cantor de churrascaria”, falou o poeta, à época. Já o Barão caminhou mais para o blues. Rock in geral tinha uma pegada bluseira, como pode ser visto na música de trabalho, Quem me olha só. “É o álbum mais injustiçado da história do rock”, comentou o baterista, Guto Goffi. Segundo o livro Por que a gente é assim, biografia da banda, Rock in geral vendeu apenas 15 mil cópias. Enquanto isso, Cazuza caminhava à MPB. E o Barão queria o retorno ao cenário de sucesso, que antes lhes pertencia. 

No ano seguinte, o Barão gravou Carnaval. O disco tinha o hit Pense e dance, que estava na trilha sonora da novela Vale tudo. Neste período, Cazuza foi a Boston tratar a AIDS. O cantor já era soropositivo e sofria repúdio de parte da imprensa. Ele foi ao Jô Soares e Onze e Meia e disse que cuspiu na bandeira do Brasil, durante um show. “Um monte de gente me parabenizou, dizendo que também queria fazer aquilo”, disse ele, segurando um cigarro entre os dedos e com um leve sorriso no canto da boca.

O Barão, após o sucesso de Pense e dance, conseguiu uma oportunidade de abrir a turnê de Rod Stewart, pelo Brasil, em 1989.  Neste mesmo ano, o grupo lançou o visceral Barão Ao Vivo – disco que contém os maiores clássicos do grupo e uma versão pesada de Satisfaction, dos Rolling Stones. No disco, a banda contava com outro guitarrista, Fernando Magalhães – fã de The Who. Para o produtor musical Ezequiel Neves, “a energia de Frejat e Fernando podem iluminar uma cidade de até um trilhão de habitantes”.

Mas o retorno definitivo às paradas de sucesso veio apenas em 1990, com o disco Na calada da noite. O poeta está vivo é um símbolo deste álbum “O poeta está vivo é um dos maiores trabalhos do meu ofício, da minha obra”, afirmou Frejat. Para Guto Goffi, o solo de Fernando Magalhães é um dos maiores do rock nacional. “O solo do Fernando é, tranquilamente, um dos doze maiores do rock nacional”, disse o baterista. Frejat conta que compôs a letra, sem nenhum bloqueio, mas disse que tentou várias vezes criar o solo, só que nunca achava que estava bom. “Tentei umas três, quatro vezes e nunca ficava legal”, disse o guitarrista. “Aí o Fernando o tocou, e ficou lindo”, completa. 

Na calada da noite, ainda, contou com a visita de Cazuza, nos estúdios. Ele chegou acompanhado de seu segurança particular. Aí, ouviu o disco e conversou com os barões. “A gente sabia que seria uma despedida”, contou Guto Goffi. O poeta está vivo se tornou uma homenagem póstuma ao cantor. Até hoje, a canção é indispensável nos shows do Barão. Cazuza morreu em 7 de julho de 1990, após complicações causadas pelo vírus HIV. Na calada da noite chegou às lojas alguns meses após a morte de Cazuza. 

Contracapa
O Barão era:

Roberto Frejat: Voz, Guitarra e Violão

Fernando Magalhães: Guitarra e Violão

Dadi: Baixo

Guto Goffi: Bateria

Maurício Barros: Teclado e piano

Peninha: Percussão


Na calada da noite (álbum completo):



Marcus Vinícius Beck

sábado, 3 de outubro de 2015

Isso matou Dylan Thomas

Penso. Meu ofício é escrever. Escrevo para me salvar. Escrevo porque tenho medo. Escrevo, simplesmente. Que mal há nisso? Sorriso do poeta. Brilho da noite. Uivo da guitarra. A garota passa ao meu lado. Sinto seu odor entrar em minhas narinas. Fecho os olhos, e procuro fotografá-la em minha mente. Logo em seguida, tento reproduzir as imagens. Verdadeira poesia. Caminho pelas calçadas à noite, com um cigarro entre os dedos. Nada pra fazer. Os bares estão fechando. Eu tenho apenas algumas moedas nos bolsos pra garantir um conhaque de dois conto. Um homem precisa de um trago, assim como precisa de uma boceta. Um homem sente a vida, os desesperos, as pressões, as angústias, o grito. Puramente, o grito. Abra a janela. Coloque a cabeça pra fora. E grite. Grite. Grite. Dionísio bebia vinho. Shakespeare fumava maconha. Oscar Wilde degustava a fada verde. Jim Morrison enchia a cara e recitava poemas. Os loucos. Eu gosto dos loucos. Gosto de andar no meio da rua às cinco da madrugada. Declamo poemas, em lugares monótonos. Preciso de um som. A vida precisa de um som. O mundo precisa de um som. Um carro passa ao meu lado com o farol ligado. Ninguém entendeu a música. E os dias acabarão. E todos ficarão parados, esperando por frases feitas, esperando por histórias. Mas não há histórias. Em algum lugar erramos, mas não temos consciência aonde foi. Buscamos respostas. E desistimos das conclusões. Ligamos a tv. Recorremos à rede. Estamos conectados. Tudo é virtual. Isso matou Dylan Thomas.