Às vezes, tudo é uma merda. O
emprego, o baseado, a birita. As pessoas
estão preocupadas em contar sobre suas vidas, e não querem ouvir o outro.
Acham-no esquisito, talvez. Mas um homem tem de ouvir, um homem tem de beirar a
loucura, um homem precisa expressar-se de alguma forma. E a escrita serve pra
isto: pra aliviar-lhe da insanidade do delírio cotidiano.
Há o rock and roll. Há a literatura. Há
uma mulher pra te salvar de outra. Há o uísque vagabundo. Há o vinho barato,
que te deixa reflexivo nas ressacas dominicais. Há múltiplos paraísos que te transportam
ao êxtase. Há o aqui e o agora. Certo e errado. Puta maniqueísmo. Esse negócio
de certo e errado tem de ser superado, urgentemente. Vivemos e não aprendemos.
Temos medo. Aí, vamos correndo procurar um emprego qualquer. Criamos uma falsa
necessidade de que temos de ter grana. Porém, a grana é apenas um papel com
poder aquisitivo. Nada mais, nada menos. Apenas cédulas.
Era sábado. Eu não tinha nenhuma
expectativa. Não escrevia há um mês. Apenas publicava meus escritos miseráveis,
que escrevera em outrora. Já escrevi muita coisa. Muita merda, também, é
verdade. Mas um escritor precisa escrever merda. Só assim, as ideias ruins saem
da mente. Então, fica-se livre à criação. E cria-se. E bebe-se. E embriaga-se. Eu
tinha de embriagar-me.
Meu telefone tocou. Atendi:
“E aí, meu, vai fazer o quê
hoje?”, me perguntou José, do outro lado da linha.
“Porra nenhuma”, falei.
“Que merda, hein”, bradou.
“Grana, né”, justifiquei.
Beberiquei minha latinha de
cerveja. E voltei à conversa:
“Eu até queria fazer um trem,
sabe”, eu disse. “Estou muito sóbrio.”
“Sóbrio?”, ironizou. “Cê é quase
um álcool etílico ambulante.”
Zé sempre com piadas na ponta da
língua. Filha da puta.
Dei uma longa gargalhada, e
finalizei o diálogo:
“Tenho de voltar a escrever.”
“Tá escrevendo sobre o quê?”
“Futebol.”
“Futebol?”
“Aham.”
“Porra, que bosta.”
“Tá pagando a breja, e o ácido, e
o pó, e o fumo”, afirmei.
“Então tá de boa, ué.”
“Tá”, respondi. “Falou, meu.”
“Falou.”
Coloquei o telefone no gancho.
Talvez, eu fosse o único que ainda utilizasse os serviços de um telefone fixo.
Todos se comunicam através das ferramentas virtuais. Ninguém se olha nos olhos.
Tudo é fático e superficial.
Terminei meu texto. Tive plena
convicção de que ficara horrível. Revisei-o, e encontrei apenas alguns erros de
gramática - coisa de quem redige com pressa.
Coloquei um Doors. Queimei uma
ponta de beque.
Chapado, fui banhar-me. Entrei no
chuveiro cantando Light my fire. Fico
pensando na cena: que ridículo. Eu entoando os versos de Morrison deve ser uma
coisa incrivelmente repugnante.
Dei mais uns pegas no baseado,
pós banho. Entrei em meu velho Fusca. O automóvel estava em péssimas condições.
Outro dia desses, o filha da puta morreu no semáforo, cê acredita? Pois é. Tive de
empurrar o desgraçado. Os pedestres ficaram me olhando. Senti uma puta vergonha
de ser pobre, nesse dia. Pensei em procurar um trampo sério.
Parei no primeiro posto de
gasolina que encontrei. Peguei uma Bavaria e um maço de Marlboro light. Abri a
breja, ergui-a e dei um longo gole. “Agora, sim”, pensei. “A vida se torna mais
fácil”, filosofei, emocionado.
Entrei em meu velho fusca. Liguei o som. “This is the end, my
friend”, cantava Morrison. Descobri Doors na infância. Meus tios
ouviam-no. Depois, aos dezesseis anos, eu estava numa festa e um guitarrista
mandou os acordes de Roadhouse Blues.
Aquele riff me contagiou. Nunca mais me esqueci da maestria de Robby Krieger,
da lisergia de Manzarek, da condução de Desmonre, do barítono de Jim Morrison.
Através de Morrison, conheci a poesia de Rimbaud, o verso livre de Ginsberg, a
prosa poética de Keroauc, os aforismos de Nietzsche e o teatro do absurdo de
Artuad. Morrison foi um xamã que brilhou e apagou. Morrison é único. Morrison
perpetuou-se no rock. Ele cantou a turbulência dos anos 60, foi fodido pelo
sistema jurídico americano, após uma apresentação em Miami – que segundo autoridades,
durante sua catarse lisérgica, tinha exposto e simulado uma masturbação.
Cheguei ao bar. Todos estavam
sorridentes e gargalhando. Puxei uma cadeira, sentei-me e pedi pro garçom um gole. Ele o trouxe. Enchi meu copo americano, brindei e mandei o
primeiro gole.
“E aí, Beck, o que anda
fazendo?”, me perguntou Rodrigo.
“Tava escrevendo um texto”,
contei, com pouco entusiasmo.
“Sobre o quê?”
“Futebol.”
Ninguém falou nada. Beberiquei
meu copo. Acendi um cigarro, e perguntei:
“E você, meu?”
“Ãn..”
“O que anda fazendo, porra?”
“Nada, bicho.”
“Que merda.”
“Tá tudo uma merda.”
“Ou não”, falou. “Temos, pelo
menos, a birita nos finais de semana.”
“Mas temos Temer na presidência”,
bradei.
“E Calheiros na presidência do
Senado e Cunha fazendo barganha política”, discorreu.
“Foda”, afirmei.
Alguns minutos depois, chegaram
duas garotas.
Mara tinha um metro e sessenta de
altura, lábios beijáveis, cabelo negro, sorriso malicioso e sedutor. A cara do
crime. Em sua companhia, eu apenas contava piadas. Parecia um idiota, reconheço.
Mas contava-as pra vê-la sorrir. Seu sorriso não tem preço. Mara é uma mulher
do caralho. Terminou o matrimônio porque o maridão era um babaca. “Não dava
conta do recado”, afirmava, despudoradamente. Mara cresceu numa família de
classe média alta. Aprendeu a dirigir cedo. Depois, foi à faculdade e experimentou
maconha, ácido e outros entorpecentes. Formou-se em Letras e, em seguida,
passou no mestrado.
Bárbara, por sua vez, era o
oposto de Mara. Sua companhia me alegrava. Aquela conversa pedante entre
machos não existia na presença dessa representante do sexo feminino.
Jornalista, Bárbara tinha aproximadamente um metro e sessenta e cinco, cabelos
na altura do pescoço, lisos. Sua pele queimada do sol dava-lhe um quê pecaminoso.
Bárbara desperta a libido dos homens, com pouco esforço. Bastava um olhar dela
pra deixar-me pirado. Com facilidade, ela descobrira meu ponto fraco e usara e
abusara dele. Durante sua infância, ela me contou, seu pai fora um sujeito
muito distante. Não estava nem aí pra família. A mãe, mulher bem decidida, não
suportou a barra e mandou-lhe à merda. Praticamente, sua mãe a criou. Descobriu,
muito nova, a Invasão Britânica dos anos 60, sobretudo Beatles e Stones.
Bárbara, porém, tinha uma queda pelos garotos de Liverpool. E toda que vez que
conversávamos sobre música, ela me dizia que eu tinha de ouví-los, para
desconstruir meu inútil preconceito intrínseco à obra deles. Sem saber muito
bem o que falar numa situação desses, eu acatava o pedido. E dizia-lhe que
Doors era a melhor banda da história do rock. Citava trechos de When the music is over, em meu inglês
jamaicano. Balbuciava The spy – a
faixa erótica/lírica do Morrison Hotel.
Contudo, ela vinha com versos de Lennon bem encadeados, em seu inglês bem
arquitetado, que deixava-me com um sentimento de insuficiência intelectual. Impressionado,
eu a escutava. “Puta mulherão”, constatei, introspectivamente. Em seguida, tecia
algum elogio barato a alguma colocação dela. Percebi que tínhamos uma ligação.
Ou talvez fosse apenas a tensão sexual que aumentava a cada frase dita. Ou as
opiniões que compartilhávamos, com uma pitada de discórdia, como recheio.
Foda-se... eu gostava da companhia de Bárbara. Gostava de conversar com ela
sobre o turbulento cenário político no Brasil. Gostava de saber o que ela
sentia e pensava.
Levantei-me da mesa e fui ao
banheiro. Observei a galera que esperava pra urinar. Deveria ter uns dez, mais
ou menos. Decidi esperar, mesmo assim. Quando chegou a minha vez, uma garota
esticou-me uma cédula de dois reais, oferecendo-me um tiro. Disse não estava
mais cheirando. Ela balançou a cabeça, expressando um desdém à minha atitude.
Retornei à mesa. Acendi um
cigarro, e continuei a conversar com Bárbara – que a cada sílaba proferida
implantava em minha psique a vontade de fodê-la. E ela sabia. E ela contava-me
sobre sua história, sobre seu livro que estava escrevendo, sobre a época em que
morou no Rio de Janeiro. Eu apenas a ouvia, meneando a cabeça. Quando mais
Bárbara falava, mais eu tinha a plena convicção de que ela era, de fato, uma
garota diferente das outras. Bárbara não estava nem aí pro que os outros
diziam. “Ninguém gosta de mim. Acho que é o meu jeito”, queixava-se.
Íamos bebendo uma cerveja atrás
da outra e conversando incessantemente. Rodrigo e Mara haviam ido embora.
Ficamos apenas Bárbara e eu. Estávamos nos entendendo bem. Discorremos sobre
filosofia, sobre a arte, sobre a existência humana. Bárbara tinha uma invejável
bagagem cultural. Havia assistido a um show de Paul McCartney, em Goiânia. Para
ela é que uma fã ávida dos rapazes de Liverpool, a apresentação do baixista
fora sublime. Com estas experiências, constatei que, realmente, eu sou um
sujeito às favas da ignorância.
De repente, ela pegou um caderninho
e começou a desenhar um clitóris. Queixou-se da maioria dos homens, que não
sabiam chupá-la. Quando a conversa chegou num nível altíssimo, levantei-me e
fui ao banheiro. “Porra, algo tem de acontecer”, disse.
Retornei à mesa. Ela segurava seu
celular, aberto num aplicativo de taxi.
“Já vai embora?”, indaguei.
“Sim”, respondeu ela. “Tô um
pouco bêbada.”
“Estamos, todos”, respondi,
tomado pelo furor etílico.
Bárbara pediu uma água mineral
pro garçom. E eu, um alcoólatra irremediável, pedi um Johnny
Walker com gelo.
Dei umas bebericadas, e sugeri:
“Vamos fumar um cigarro?”
“Vamos”, respondeu ela.
A gente se levantou. Ela caminhou
em minha frente, enquanto eu a observava, de trás.
“Acende pra mim”, pediu. “Não sei
acender com fósforo.”
Peguei o artificio, e constatei:
“Fósforo é uma merda.”
“Pois é.”
Acendi o seu cigarro. Depois,
coloquei fogo no meu.
Começamos a conversar.
Anteriormente, Bárbara havia me tido que gostaria de revelar-me um
segredo. Eu
sabia do que se tratava.
“Pode falar”, regozijei, quando
ela abrira a boca.
“Sempre tive uma quedinha por
você”, contou.
“Eu também”, sussurrei.
Ela aproximou-se de mim, e
dera-me um beijo molhado e lascivo. Foi um contato salival rápido. Então,
dei-lhe um abraço. Ficamos alguns segundos abraçados, e retornamos aos cigarros,
que estavam acessos no cinzeiro, sobre a mesa, ao lado.
Voltamos ao bar. Sentamos à mesa.
Nossos pés começaram a roçar embaixo, e nossos dedos se entrelaçaram. O olhar
de Bárbara penetrava-me à alma.
“O que vamos fazer agora?”,
perguntei.
“Você sabe”, respondeu ela.
“Eu sei?”
“Sim!”
Dei uma suspirada, e falei:
“Lá em casa é tranquilo.”
“Então tá bom.”
Acenei pro garçom, e disse:
“Traz a conta, por favor.”
“Beleza”, disse ele, com uma cara
de empatia.
O sujeito veio com a máquina de
passar cartão.
“Elo ou Master?”, quis saber.
“Elo”, respondi.
“Vou pegar outra ali, então.”
“Tranquilo.”
Que cara imbecil.
Agora, ele trouxe a porra da
máquina certa. Peguei a conta. E fomos em direção a meu velho Fusca 69, parado
do outro lado da 84.
Bárbara ligou o rádio. O álbum Surrealistic Pillow, do Jefferson
Ariplane tocava. Gosto de rock psicodelico. Ele alivia-me. Sinto-me mergulhado,
no emaranhado de meu inconsciente, ao som da voz flamejante de Grace Slick.
Acendi um cigarro. A gente trocou algumas
palavras. Ela estava com a voz embargada, por causa da cerveja e eu não
conseguia compreendê-la, mas meneava a cabeça, expressando algum sinal cortes
de concordância com sua ideia.
Com uma mão, eu segurava o volante. A outra,
encontrava-se repolsada sobre as pernas de Bárbara. Grace Slick bradava Somebody
to love, no rádio, ao fundo.
Estacionei meu velho Fusca.
Subimos as escadas de meu apartamento aos beijos. Eu queria fodê-la.
Angariava, há tempos, por esse momento carnal. Criamos o clima perfeito pruma
foda anti-facismo, à lá Reich. Bárbara sabia disso. E ela queria que eu a
comesse. E eu queria comê-la. Sua boca me chamava, seu olhar me agradia, seus
gestos me ganhavam. Bárbara vertia a sexo. Quando a tocava, eu pensava apenas
em beijá-la, abraçá-la, fodê-la, amá-la.
Ao abrir a porta, ela jogou-me ao sofá, e eu, provavelmente, devo ter
fraturado umas duas costelas, com a pancada. Então, Bárbara caiu sobre mim,
beijando-me. Foi um beijo demorado, languido e lascivo.
Fui até o som e pus L.A Womam
para tocar.
Desabotoeei seu sutiã. E segui a beijá-la. Puxei sua camiseta – cuja
estampa era “Mulheres comportadas não fazem revolução -, e seus peitos ficaram
à mostra. Beijei-os com devoção. Bárbara tinha seios maravilhosos, na medida
certa. Verdadeiras obras divinas. Chupei-os calma e delicadamente. Ela fechara
os olhos, esboçando prazer. Aí, suas mãos foram descendo em direção ao meu pau,
que estava duro, querendo sair pra fora de minha bermuda. Contive-me, e
continuei a beijá-la. Virei-a para o outro lado da cama, e, calmamente, puxei
sua bermuda. Ela ficou de calcinha. Culto e glória. Sua boceta cheirava a vida.
Beijei-a e fui descendo até os lábios vaginais. Coloquei minha língua lá, e ela
se remexia e segurava e puxava meus cabelos. Parei alguns instantes, e dei-lhe
um beijo. Aí, ela virou-me para o lado e, com a língua, fora descendo até meu
cacete – que estava pronto para ser degustado. Ela chupara-o com prazer e
volupia. Bárbara era uma mulher de postura. Ela dera-me prazer como poucas o
fazem, e em troca tive de retribuir a gentileza. Homens têm de entregar-se a
uma mulher. A gente tem de chupá-las, e contemplá-las, e venerá-las, e
adorá-las. Após chupar-me, ela enfiou meu pau em sua boceta. Cansado, ela
sentou-se sobre meu pinto e cavalgara. Eu urrava de prazer. Senti minha perna
formigar. Explodi.
Acendi um cigarro.
“Cansei”, eu disse.
Bárbara deu um sorriso, e falou:
“Cê é que me cansou.”
“Quer um cigarro?”
“Não”, ela falou. “Fumo do teu.”
A gente ficou conversando por alguns minutos, e Bárbara, de repente, virou
pro lado e dormiu.
Bolei um beque. Dei umas tragadas. Pensei sobre a nossa existência. “A
essencia precede a existência.” Sábio Satre. O maluco nunca constituiu uma
família aos montes da classe média francesa. Viveu escrevendo peças de teatro,
romances, ensaios. Nenhum intelectual produziu igual ele.
Bárbara acordou no meio da noite. Eu curtia, fumadão, Buddy Guy.
“Tenho que ir embora.”
“Tudo bem.”
“Sério, eu gostaria de ficar aqui, contigo.”
“Tudo bem, Bárbara”, redargui. “Eu entendo.”
“Fazem três dias que não vou pra casa.”
“Tua mãe teve tá preocupada, né”, eu disse.
“Sim”, sussurou ela.
Demos um beijo de despedida. Levei-a pra casa. Fomos em silencio no carro.
Após a partida de Bárbara, passei três dias engatados na esbórnia.
Cheirava, fumava, biritava. Eu levava a máxima de William Blake à ponta da
língua: “Estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria”.