sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Clássicos da literatura etílica



Tradicionalmente, jornalismo e literatura sempre apoiaram os cotovelos nos balcões dos bares. Mas lembre-se, caro leitor: Bukowski era um bêbado, porém nem todo bêbado é um Bukowski. 

Todo mundo sabe do velho mantra de que álcool faz mal, todavia o que faríamos para suportar a existência sem ele? Jaguar, um dos fundadores do Pasquim, disse que se sentiu traído pelo próprio corpo, quando tomou a decisão de parar de biritar.

“Fui corneado por meu fígado”, afirmou ao Marco Aurélio Canônico, em entrevista à Folha de São Paulo, em 2012. Jaguar, que segundo o jornalista biriteiro, Xico Sá, era um dos maiores beberrões que já viu, cuja energia era algo impressionante de se ver.

Já o Poeta marginal curitibano, Paulo Leminski, não teve a mesma sorte e morreu em decorrência do consumo excessivo de vodca. Outros, meros apreciadores anônimos da melhor invenção russa, também ficaram pelo caminho.

Mestres da prosa americana como Fitzgerald, Hemingway e William Faulkner escreviam com um copo do lado. Eles precisavam de uma garrafa, sobretudo Hemingway que contara suas memórias alcóolicas, em Paris é uma festa.

Aficionado pela orgia verbal e etílica, este que vos escreve adora enxugar algumas cervejas nas horas vagas. E não é de hoje. Desde a adolescência, ele pita e bebe com rara desenvoltura, dizem os amigos, companheiros da maldita vida noturna, digo, boêmia.

Vou lhe falar logo sobre os livros, porque preciso ir ali na esquina comprar uma:

1 - Diário de um jornalista bêbado (L&PM) – História do gonzo no caribe. Mergulhado no humor ácido, característica de Hunter, a obra lhe embriagará logo no primeiro capítulo. O protagonista Paul Kemp diz que “sentia a cerveja correr pelas veias” antes de entrar no avião que o levaria a San Juan.

2 - Pornopopéia (Objetiva) – Em cada esquina reside uma saideira. Reinaldo Moraes, autor do clássico Tanto Faz, obra que mudara a cara da literatura brasileira, descreveu o ciclo dos boêmios, em Pornopopéia, que semanalmente – ou melhor, diariamente – perambulam de bar em bar, atrás de “cerveja e mulher”. Reinaldo domina como poucos a arte de embriagar o leitor com palavras. Fora o trabalho que o escritor faz com a linguagem, repleta de neologismos e gírias. Texto instigante.

3 - Crônicas de um louco amor (L&PM) – Poderia ser qualquer livro do Bukowski, mas acabei escolhendo este por causa do primeiro conto, A mulher mais linda da cidade. Lírico e poético, o texto é um dos melhores do eterno velho safado, o bêbado mor da prosa em língua inglesa.

4 - Paris é uma festa (Bertrand Brasil) – O papa das letras americanas conta suas memórias parisienses neste livro que vai lhe deixar impressionado com a disposição etílica dele. Numa parte da obra, Hemingway descreve uma situação em que estava com Fitzgerald – autor de O grande gatsby. Hemingway, claro, biritou todas e mais um pouco.

5 - Paraísos artificiais: O haxixe, o ópio e o vinho (L&PM) – O poète malditi, Charles Baudelaire, considerado um dos caras que mudaram a forma de escrever poesia, no século XIX, era famoso por frequentar os cafés parisienses e enxugar absinto – a fama verde. Neste livro de ensaios, Baudelaire discorre sobre os efeitos do vinho sobre a percepção do ser-humano, além dos efeitos do ópio e haxixe.

Olhe que nem molhei a palavra, ainda.

Diante dessas obras, convém citar o alter-ego do velho Buk, Henry Chinaski: “É este o problema com a bebida, pensei, enquanto me servia dum copo. Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece algo de bom, bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que aconteça qualquer coisa”, discorre Chinaski, em Mulheres.

Sem dúvida, tenho de concordar com o cartunista Jaguar, que afirmou que as maiores obras literárias, provavelmente, não existiriam se seus autores não cultuassem o hábito de se embriagar. “A maioria das obras-primas da literatura universal não ­exis­tiria se os seus autores fossem abstêmios”, disse em entrevista à Revista Galileu, em novembro de 2015.

O poetinha, Vinícius de Moraes, outro beberrão notório, coleciona uma das melhores frases sobre bebida. Admirador de um bom scotch, o poetinha escreveu: “O uísque é o melhor amigo do homem, ele é o cachorro engarrafado”.

Lima Barreto, autor do clássico O triste fim de policarpo quaresma, foi indicado por Machado de Assis para ocupar seu posto no antigo jornal do Commercio. Mas o escritor era um biriteiro profissional, e não conseguiu se estabelecer na redação.

Agora acho que vou ali na esquina comprar um goró. É justo, né?

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O livro que fará sua vida parecer um tédio

Capa da edição lançada pela L&PM

Pai do jornalismo gonzo, Hunter Thompson vai fazer sua vida parecer um tédio. Rum: diário de um jornalista bêbado narra as peripécias de Paul Kemp, jornalista que desembarca em San Juan, Porto Rico, para trabalhar no Daily News, um jornal americano que está prestes a fechar. A obra foi traduzida por Daniel Pellizzari e publicada na L&PM.

Ao mostrar um grupo de jornalistas rodeados por um ambiente caótico, Hunter Thompson criou personagens que não são complexos. Logo no início, o protagonista descreve sua sôfrega embriaguez antes de embarcar no avião que o leva ao caribe. “A cerveja corria pelas minhas veias”, conta.

Na cena, o leitor gargalhará com as cômicas e hilárias descrições de Hunter, cuja escrita é altamente feroz, com humor ácido, banhada a cerveja e mergulhada ao rum. “Selvagem, inteligente, furioso e cínico”, diz crítica da Scene.

Segundo romance de Hunter Thompson, Diário de um Jornalista foi escrito durante o período em que ele trabalhava num jornal de San Juan, como repórter. O criador do jornalismo gonzo já tinha, àquela altura, início da década de 1960, dois anos de profissão. Mas ele ainda encarava o ofício com certo romantismo, que foi reconhecido pelo próprio anos depois.

Hunter e Kemp tem em comum o gosto pelo jornalismo, pelo rum e pelas mulheres. Certamente, você vai se deliciar com as tiradas inteligentes e perversas do cara que inventou a forma mais louca, como diz Xico Sá, de se contar uma história. "Porto Rico parece aquela pessoa que você comeu e ainda não saiu debaixo de você", afirma Hunter, que usa e abusa, com elegância e estilo, das metáforas.

O jornalista evocou o legado de Hemingway, mestre da prosa americana, de quem era fã. Ambos mataram-se com um tiro na cabeça. O jornalista aos 68 anos, em 2005. E Hemingway aos 61 anos, em 1961.

Estrelado por Johnny Deep, Diário de um jornalista bêbado chegou às salas de cinema em 2011. Apesar de Deep ser um bom imitador de Hunter, o filme é considerado razoável pela crítica.  

sábado, 24 de setembro de 2016

A hora da demência

Parece um enredo kafkiano, mas não é. O que me intriga, destroça e ofende é o comportamento de muitos que se mostram incapazes de entender o grau da parvoíce atingido pelo Brasil da Casa Grande & da Senzala, cada vez mais próximo da era Medieval. Gilberto Freyre e Florestan Fernandes não compõem a biblioteca deles (o que é uma biblioteca mesmo?).

Não me refiro ao quociente de inteligência a que o País se deixou reduzir, aludo ao quociente de delírio, propagados aos borbotões pelos oligarcas dos três jornalões, desculpe Mino, que mandam e desmandam nas investigações judiciais e ditam os rumos da esfera pública de discussão. Crime de lesa pátria ao exercício do bom jornalismo, e péssimo para a democracia – que respira com ajuda de aparelhos, e onde residem os fundamentos da imprensa.

A denúncia do ex-presidente Lula não passa de uma pregação desvairada e perversa, articulada por barões ensandecidos por impunidade, vibe o larapio engravatado, Romero Jucá, “o astuto” como lhe alcunhou a revista Época.

Inexplicavelmente, Lula virou inimigo público número um, para parafrasear o cineasta Rogério Sganzela, em Bandido da Luz Vermelha. Primeiro, foram as escutas vazadas por Moro, em março deste ano. Agora, o indiciamento por causa do famosíssimo tríplex, no Guarujá.

E Cunha e sua mulher? Ah, deixem eles pra lá, ora pois. O charlatão cristão recebeu apenas 52 milhões de reais, e os transferiu para paraísos fiscais. Temos de lembrar que o cara é amiguíssimo do nobre Temer, pô. Jeito peemedebista de resolver as coisas. Fazer o quê?

Depois do golpe que usava a veste do impeachment, tudo tem sido permitido. Uma farsa tirara o filme Aquarius da corrida pelo Oscar; uma emboscada noturna do Congresso tentara fazer do “Caixa 2” uma atividade primorosa e honrosa e o governo, numa canetada do “poeta”, que deixaria Millôr Fernandes entristecido, reformulou o ensino médio.

Adiós espanhol, Filosofia, Sociologia. Adiós à Educação Física, no país, que até ontem, orgulhava-se das Olimpíadas, mesmo sem ter uma assertiva política esportiva. Dançamos, amigo, no ritmo do polichinelo. Que lindo! Sem falar no famigerado projeto de 12 horas de labuta, que tentam botar goela abaixo da população. Querem que acreditemos que será opcional – a tal da jornada de 12 horas. 

Dá pra crer?

Ponto. Parágrafo. E mais uma cerveja, por favor.

Todo boteco, do sujo ao metido a chique, tem um elenco de Nelson Rodrigues. Nas mesas do Bar da Tia, ponto de discussões acaloradas sobre o contexto político, não se falava de outra coisa, a não ser da prisão estapafúrdia do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega. O mineiro, digo, brasileiro não é menos solidário no câncer, amigo Edgar – personagem da peça Bonitinha, mas ordinária, do Tio Nelson Rodrigues, clássico do teatro brasileiro.

Todo bar tem, ou deve ter, alguém que assobie, Três da madrugada, da Gal Costa, o hino dos famigerados boêmios invertebrados. “Três da madrugada/Quase nada”. Tentarei concertar minhas ressacas morais, políticas e poéticas com poema do mestre do modernismo brasileiro, Oswald de Andrade:

Negatividade histórico-materialista
Uma criança não tem defesa
Nasceu no morro
É fêmea
O que ela vai ser?
O que a sociedade mandar
Será feita a sua vontade
É destino
Das classes
Menos favorecidas

É, meu nobre Oswald, as classes menos favorecidas estão condenadas ao ostracismo mesmo. Quem dera se os gênios que bateram panelas no alto de seus privilégios tivessem conhecimento desse teu poema. Ou, pra pedir demais, fossem capazes de exercitar a empatia – aquele conceito inútil da psicologia, “muito bonito na sala de aula, mas sem sentido algum no mundo real”.

Todo boteco, vai por mim, tem aquela equivocada tese de que todas as instituições da democracia estão funcionando, nada fora da normalidade, tudo o que os gregos gostariam de ter visto.

Agora deixo com Bertold Brecht: “Desconfiai do mais trivial/ na aparência singela/ E examinai, sobretudo, o que parece habitual.”

Não adianta nem disfarçar, os homens de preto jamais prenderam um grandão do outro lado, digo, tucano. Um peessedebista no xilindró, nem no fim dos tempos, seu cronista. Você tá louco?

Mais ou menos assim falaram esses trutas. Ou quase, dependendo das tretas que andam rolando por este Brasil. Relaxa. Bom mesmo é seguir o conselho de Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba, que num livrinho porreta, diz assim: “O amor é como uma corruíra no jardim — de repente ela canta e muda toda a paisagem.”

A literatura sempre será melhor que a realidade. Não adianta.  

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

“Obama acabou se ornando o grande contemporizador”, diz poeta

O poeta americano, em seu estúdio, com quadros que pintou neste ano

Lawrence Ferlinghetti é um poeta beat. Publicou seu primeiro livro de poemas, Um parque de diversões da cabeça, na década de 1950. Em sua poesia, é comum abordagens de temas políticos e sociais. No início da década de 1980, lançou o romance Amor e revolução, que narra a história de um banqueiro que vive conforme o espírito burguês.

Aos 98 anos, ele se diz “cansado” e “descontente” com Barack Obama. “Obama acabou se ornando o grande contemporizador”, diz. Questionado sobre o candidato à presidência dos EUA, Donald Trump, o poeta comparou-o ao ditador italiano Benito Mussolini. “Ele me lembra Mussolini. Todos acharam que Trump era apenas uma piada, mas seria um desastre ele ser presidente dos EUA”, afirma.

Na infância, Ferlinghetti era um garoto tipicamente americano que virou escoteiro nos subúrbios. Anos depois, desembarcou na Normandia, com as tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial, e viajou em vagões de carga com gente desconhecida. Viu a explosão da bomba de Nagasaki – que vitimou aproximadamente 1 milhão de pessoas, no final da Segunda Guerra.

Após o término da Guerra, Ferlinghetti se estabeleceu em San Francisco. Lá, ele abriu a City Lights Book, livraria e editora que fora o epicentro da poesia beat. Ferlinghett, ainda, editou e publicou, em 1958, Howl and Other Poems, de Allen Ginsberg, que foi censurado e tornaram ambos famosos.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o escritor disse que o papel do poeta é mostrar o quê o poder esconde. “Por definição o poeta é um inimigo do Estado. Sua função é contar a verdade que é distorcida”, afirma.

Durante a entrevista, Ferlinghetti afirmou que nunca foi entusiasta dos escritor de William Burroughs. “Tive a chance publicar Almoço Nu, mas não gostei do livro. Achei que expressava uma mentalidade de doidão, cheia de morte e ódio”, avalia.

O poeta contou que ainda vive em San Francisco, e guarda seu último livro numa caixa com 78 cadernos pequenos, cujo texto ele chama de “romance-memória.” Na obra, Ferlinghetti narra sua trajetória da infância a velhice.

Café, letras e poesia disponibiliza a entrevista com o poeta que concedida à Folha de São Paulo. Confira:

Folha – O senhor está escrevendo um livro parcialmente autobiográfico. Pode falar mais sobre ele?
Ferlinghetti – Não é só uma autobiografia, eu o chamo de romance-memória e o título é “One Stream of Consciousness”. A parte autobiográfica vai desde quando sou menino e segue até tudo o que eu tenho a dizer como adulto. No fim das contas, sou uma criança que ficou velha e está quase cega. Esse é fim. Não é ficção, é vida real. Não gosto do termo ficção, você diria que “Cem anos de Solidão” é uma ficção?

Naquele tempo o sr. era um anarquista?
O anarquismo sempre foi um ideal, não uma ideologia. Ele nasceu no século XIX, e nessa época o mundo não tinha um terço das pessoas que tem hoje. O anarquismo era possível quando não havia populações tão grandes.
Mas hoje, a não ser que você tenha alguma forma de governo, as pessoas vão acabar matando umas às outras. De qualquer forma, é isso que começa a acontecer.

O sr. parece ter poucas esperanças com soluções políticas coletivas.
O mundo nunca esteve tão ruim. Encontrei Günter Grass após ele ter passado um ano nas favelas de Calcutá. Sua visão do futuro da humanidade era que, em nosso século, países como são conhecidos hoje não vão mais existir; as fronteiras serão mais porosas; e o mundo vai acabar ser tomado por hordas étnicas em busca de comida e abrigo.
Acho que já estamos vendo o começo disso. É claro que do ponto de vista anarquista, pequenas sociedades ou comunas fora do estado talvez venham a ser realizar. E sem grandes nações não haveria guerras mundiais.

Como começou a escrever poesia? Como foi escrever “Um parque de diversões da cabeça?”
Não me dei conta de que eu era poeta, me dei conta de que eu tinha algo a dizer. Eu havia acabo de voltar de Paris, onde vivi por 4 anos, fazendo um doutorado. E vem direto para San Francisco, onde nunca tinha estado.
O que escrevi nos meus primeiros anos foi influenciado por autores franceses. Mas o que acontecia em San Francisco passou a afetar diretamente minha escrita.
Os anos 1950 foram uma época revolucionária. Havia mais oportunidades em São Francisco do que em Nova Iorque, que já estava vendida, onde tudo já havia sido tomado. Em São Francisco você podia fazer qualquer coisa, ainda havia uma última fronteira na América, e era um lugar excelente de se estar.

O contato com a Filosofia Oriental é muito comum em sua obra.
Não sou budista, nem faço meditação. Na verdade, no inverno sou budista, e no verão sou nudista.

Para que serve a poesia hoje em dia?
Por definição o poeta é um inimigo do Estado. Sua função é contar a verdade que é distorcida pelos políticos.

Como você vê a possibilidade de Trump ser presidente?
Ele é muito perigoso. Ele me lembra Mussolini. Todos acham que Trump era apenas uma piada, mas seria um desastre ele ser presidente dos EUA, seria um regime ditatorial. Se ele escrevesse sua própria autobiografia deveria se chamar “Mein Trumf” (trocadilho com “Mein Kemf”, autobiografia de Hitler. Ontem ele fez um discurso em que, pela primeira vez, levanta seu braço direito com o punho fechado. Sempre foi o gesto de luta dos oprimidos. É um sinal muito ruim.

Qual é a sua opinião sobre a administração Obama?
Obama foi uma grande decepção. Mas, desde o principio, eu dizia: você não pode esperar que uma pessoa faça algo revolucionário se ela nunca foi um revolucionário.
Obama gostaria de ser como Abraham Lincoln, esse era seu modelo. O grande conciliador. Mas Obama acabou se ornando o grande contemporizador.
Mas ele fez muitas coisas boas, como a retomada das relações com Cuba. Acho que ele irá para a suprema corte e que seria um grande juiz.

Como era sua relação com o poeta William Burroughs?
Nós publicamos muito pouco de Burroughs, nunca fui um entusiasta de seus primeiros escritos. Tive chance de publicar “Almoço Nu”, mas não gostei do livro. Achei que expressava uma mentalidade de doidão, cheia de morte e ódio.
Burroughs era “el hombre invisible”, veio a livraria mais de uma vez para fazer leituras, mas você via que ele não estava lá. Era como tanto outros velhos doidões, que estão presentes fisicamente, mas não estão presentes de fato. Eu nunca entrei na mesma onda que ele.

Como foi ler “Uivo, o grande poema de Allen Ginsberg, pela primeira?
 Quando você lê um poema como esse, a única coisa que pode pensar é que nunca viu a realidade dessa maneira antes. E esse é o teste, se você está lendo uma grande obra, a impressão é de nunca ter visto um mundo como esse antes. Era uma visão totalmente nova que nunca havia sido expressada na poesia americana.

Como você se sente com 97 anos?

Como eu mostro no meu novo livro, estou quase cego, esperando pelo blecaute final. Não é divertido.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/09/1809631-estou-quase-cego-esperando-pelo-blecaute-final-diz-ferlinghetti.shtml
http://www.lpm-blog.com.br/?p=27628

Tempos irritantemente modernos

Não sei se você já encontrou a clássica garrafa de rolha, comum nos filmes americanos, com um papel dentro. Pois eu acabo de encontrá-la, e em terra firme, não banhada pelo mar. Foi hoje de manhã, durante minha caminhada até a banca de revistas pra comprar o jornal do dia. Na praça, havia alguns skatistas, ciclistas e malandros (todos com o smartphone em mãos, teclando sem parar) e caçadores de Pokémons – aliás, de onde vem esse cômico acento agudo se o troço é coreano?

Se há algo em comum entre as pessoas hoje, é o fato de todas estarem com o celular em mãos. Eu reproduzia em meu iphone mental Gimme Shelter, dos Rolling Stones, andava distraidamente pelas ruas, sob o calor matutino goianiense, que evaporava a cerveja consumida ontem. Olhei pro lado. Todos estavam “whatsapeando”, caçando os absurdos pokemons (sem acento, gente), vendo pornografia ou sei lá o quê, o aparelho era uma extensão natural, caro Mcluhan, do corpo humano. Só não vi nenhum cachorro ou bebe com smartphone em mãos. Ainda.

Tempos atrás era comum ver pessoas com livro e gibis. Lia-se quando dava, seja no ônibus, no banco das praças e em outros lugares públicos onde a leitura, com um certo conforto, se tornava possível. Depois, os livros foram substituídos por fones de ouvido, iPods e outras caixinhas eletrônicas de música. Hoje, a telinha do smartphone – que, inclusive, tenho um enorme pânico quando a vejo – está repleta de informações pessoais, turbilhão de imagens e passa-tempos loucamente estranhos. Tempos modernos, diria o Chaplin. Tempos irritantemente modernos, desculpe Reinaldão Moraes, atestamos nós – eu e você.

Mas, sossegado, beleza. Entrei na banca de revista, comprei O Popular do dia e pedi um maço de Free vermelho. Foleei o jornal, e resmunguei alguma coisa aleatória. Nestes tempos, abrir um periódico com inclinações conservadoras não é uma tarefa, digamos, nada fácil. Primeiro: o editorial já lhe deixa entristecido. Segundo: as reportagens têm enfoque que beira a cretinice. Terceiro: os articulistas, com raras exceções, redigem sobre o quê interessa a uma determinada classe social – a elite – e pouco se importam com os anseios da maioria da população, que tem de enfrentar os deficientes serviços públicos, como transporte público, todos os dias.

Quem escreve tem de lubrificar o psiquismo com uma boa caminhada, uma boa foda, um bom porre na esquina e com um bom tempo coçando o saco até criar pentelhos na ponta dos dedos. O ócio é o material de um escritor minimamente decente. Desconfie se o cara gargantear afazeres inúteis, como passar boa parte do dia com o smartphone em mãos. Inevitavelmente, penso nos grandes das letras. Penso em no velho bucetudo, Charles Bukowski, penso em William Burroughs, o junkie mor da geração beat, penso em Baudelaire caminhando bêbado pelas ruas de Paris. Penso nos bons, nos mestres, nos que não repetem frases feitas e chavões, mas queimam, queimam como se fossem fogos de artifícios pela noite.

Fechei o jornal. Acendi um cigarro. E percebi que minha mente caminhava mais rápido que meu corpo. Viajava por múltiplos paraísos libidinais – coisas que um cara habitualmente faz ao caminhar pelas ruas de uma cidade – quando dei com o pescoço num galho de arvore que estava solto. Só percebi qual objeto era quando arranhei levemente o pescoço e bati a testa numa garrafa de vinho tinto. Tirei a tampa e abri. Dentro havia um texto, escrito em caneta esferográfica preta, numa letra feminina e com  linguagem culta – como você poderá ver.

Dói, né? Dói ficar pagando o mico do orgasmo que não vem. Às vezes o cara não tem a manha. Ou é rápido demais, ou é lerdo demais. Isso, quando simplesmente não tem graça nenhuma. Sei lá. Sem contar que alguns, muito fresquinhos, têm medo de engravidar. Camisinha pode estourar – e outras paranoias do gênero. Pode, aliás, até não acontecer nada: o cara pode broxar na hora H.  

Desisti do sexo. Tento me valer desta escolha minha todos os dias. Pelo menos eu terei mais tempo para dedicar-me a aprender alemão e ler romances longos. Poderei ir ao supermercado, sair à noite e pensar na vida, nas escolhas que deixei de fazer. Escreverei um romance, que planejo há, mais ou menos, uns 10 anos dez.

Só não sei, e prefiro nem saber se o sexo desistiu de mim. Eis a questão. Aliás, quem tiver achado essa mensagem e quiser vir trocar uma ideia comigo pode me...

Pode me – o quê? O texto morria ali. A mulher, provavelmente, deve ter se enchido dos homens e agora optou por viver uma vida sem, talvez, aquilo que a maioria de nós busca: o prazer corporal, o fluído dos corpos, o gosto da vida, do amor, do desejo. Ela, não. Já deu. Quer um tempo livre, ela com ela.

Peguei o papel, coloquei dentro da garrafa e fui caminhando em direção à minha casa. Senti em frente ao computador, botei Let it Blee, dos Stones e redigi.

Cada coisa que a gente vê e lê por aí, né?

sábado, 3 de setembro de 2016

Uns e outros

Uns dizem que é impeachment, outros que é golpe. Uns dizem que é repressão, outros que é um simples confronto. Uns agarram às mãos dos barões e os veneram com palavras solenes, outros acusam o papel sujo e classicista dos capitães de areia – vai que a bola é tua, Jorge Amado.   

Uns cegam da forma mais desumana fatos que valiam milhões de editorais em qualquer jornal, em qualquer lugar do mundo – vide o progressista Liberation, da França. Outros, no ápice do cinismo, despacham memorando pela imprensa: “Vamos apurar o caso”. E, enquanto isso, Ronaldo Caiado dá uma de machão, no Senado, relembrando o nebuloso passado da família Caiado, em Goiás.

Uns clamam pelo arrocho econômico, o tal do livre mercado que deixaria Keynes entristecido, outros já sentem a melodia de um blues melancólico nas vísceras de suas barrigas que pede por mais um pedaço de pão. Uns se aposentam aos 50, outros nem chegarão a conhecer uma previdência digna de seus anos dedicados à labuta. Vida que segue, democracia idem, se quiser, é claro.

Uns e outros não se entendem neste enredo fantasmagórico que me evoca os filmes do surreal Luís Buñuel, que fora colega de Salvador Dalí – e que André Breton disse que só queria dinheiro, que apoiou o franquismo na década de 30, na Espanha, mas era, temos de reconhecer, um excelente artista.

Uns levam porrada com cassetetes, outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” dos homens de farda. Uns rasgam seus títulos de eleitores e enrolam um fuminho do capeta nele, enquanto uns afirmam, em suas verborragias descaradas, que o Brasil sairá da “escuridão” e voltará a crescer 10% ao ano.

Uns querem justiça, igualdade, liberdade, fraternidade, outros querem mais do mesmo, digo, a política neoliberal que colocou a economia da Europa em ruínas, cuja dama-de-ferro, Margaret Thatcher, sofrera sonora vaia no dia de sua morte, em 8 de abril de 2013.

Uns e outros não se bicam, no que convoco nosso maior romancista, Machado de Assis, neste maniqueísmo que se tornou o cenário político brasileiro. “O país real é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco.” Vai que vai Machadão. Ponto, parágrafo. E a canalhice segue.

Uns levam porrada com cassetetes, outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” da galera fardada. Outros, para parafrasear Buñuel, em Discreto charme da burguesia, desfrutam de champanhe no banquete da Fiesp (Federação das Indústrias).

“Posso tirar uma selfie, seu PM”, pediam “os cidadãos de bem”, com suas camisetas da CBF, no alto de seus privilégios e ignorâncias, em manifestações articuladas por movimentos sociais que nadavam em dinheiro de partidos reacionários.

“Claro”, confirma o guarda com cara de superior, por portar um artefato que pode arrancar um olho, pasme, como aconteceu com Debora Fabri – que manifestava sua revolta, em São Paulo, ao governo ilegítimo do peemedebista.

Uns e outros, infelizmente, contam com a ajuda do sistema de justiça, que consome 1,8% do erário público; outros seguem com o desnível dos julgamentos porque não têm cédulas para esbanjar por aí. Ponto e vírgula. E a Fantasmagoria segue, amigo leitor.

Uns aderem ao lead da imprensa oligarca e conservadora, outros ignoraram os verbos e adjetivos – um crime para o exercício do bom jornalismo – e não se conformam com os rumos do País. Uns fazem planos, com visões baseadas na esquizofrenia da bolsa de valores, outros pensam que o quê lhes restam é um bom porre no boteco da esquina.

Uns aplaudem o jornalismo de ocasião, com apuração atrelada ao Poder, repletos de textos simplistas e superficiais, outros optam pelo bom jornalismo, que segue os preceitos democráticos, como ouvir os dois lados, checar, humanizar e redigir com responsabilidade e compromisso com a práxis jornalística.

Uns pedem que não sejam chamados de golpista, como o nobre Michael Temer que avisou que não tolerará ser alcunhado como tal, outros são tirados do poder por barões que não se conformam de ter a justiça em seus pés.

Uns, literalmente, caminham à merda, outros a China.