quarta-feira, 29 de março de 2017

Poeta andarilho

Poeta de rua desde 2004, Francisco Dourado, 48 anos, é andarilho há 20. Sentado à minha esquerda, ele vestia camisa social azul, calça caqui e botas de roceiro. Francisco saiu da igreja da PUC, na área 2, e veio em minha direção, sorrindo e filosofando sobre a vida. “Quem controla os pensamentos?”, indagou o poeta.

Eu estava a caminho de casa e parei para beber uma água. Na verdade, as circunstâncias me assustam e eu estou puto com elas.

Queria estar inspirado, parar de pensar depravações e ter alguém para segurar minha mão ao atravessar a rua. Tudo bem: sou um fodido. Aceitei isso. Já faz um tempo. Eu preciso ter assunto. Voltar à criatividade e escrever coisas alegres para as pessoas – especialmente às que amo e me amam.     

Direciono um olhar para Francisco. Ao fundo, um cara estava concentradíssimo em seu smartphone. Mais um burguês desgraçado que jamais compreenderá a fome ou a pobreza. Francisco falava, mas apenas eu lhe dava ouvidos. Enquanto ele declamava poemas, passei a observá-lo. Por atrás do seu olhar, havia humanidade e esperança.

Esperto e vivido, o poeta me perguntou por que eu estava calado:

“A vida tá foda”, reclamei.

“Que nada, bicho”, falou. “Foda é ser fodido pela barreira econômica que há entre as pessoas”.

“Verdade”, concordei, meneando a cabeça.

Dei um trago no palheiro, e ele perguntou:

“É mulher?”

“Mais ou menos, bicho”, respondi.

“Não se preocupe: sempre há uma saída.”

De repente ele me contou que um conhecido escreveu sobre sua poesia. O texto foi publicado no site da UNB (Universidade Nacional de Brasília), mas Francisco disse que boa parte da entrevista acabou sendo inventada pelo repórter. Sem condições financeiras para processar o jornalista, ele foi levando dia após dia, como Jack Keroauc ao atravessar os EUA, sem dinheiro, e depois mandou a matéria para um amigo, em Uberlândia, que é doutor em Direito.

“Esses dias acessei o site da UBN, mas não encontrei porra nenhum lá”, afirmou. “Será que meu amigo conseguiu fazer algo?”

Curioso, perguntei:

“Qual era o foco da entrevista?”

“Minha poesia... eu sempre fui poeta marginal, de rua, vagabundo mesmo. Aí o repórter, em determinado trecho da matéria, disse que eu não amava meu irmão”, relatou, tragando o palheiro e ficando em silêncio. “Eu amo meu irmão, cara. Nunca falaria um negócio desses”.

“Foda”, falei.

“Sabe: eu amo as pessoas, mas não tenho necessidade de ficar perto delas. Eu posso ficar de anos um amigo, e ainda assim irei amá-lo”, disse Francisco. “Não sou possessivo”, completou.

Ele é mais um dos milhares que passam longe dos holofotes. Artista de rua e andarilho, Francisco já perambulou em Brasília, Uberlândia e Goiânia, onde faz da rodoviária sua casa. “Às vezes eu chego nos lugares e as pessoas fingem que não me veem”, desabafa.

Minutos depois, o segurança da igreja pediu para ele tirar sua mochila, que estava no chão do templo. O poeta assinalou com o dedo polegar, e disse que dali alguns instantes a tiraria de lá. Apreensivo, o sujeito afirmou que não iria se responsabilizar por nenhum dano que acontecesse. “Minha mochila é barata, toda fodida, porque daí ninguém rouba”, contou, sorrindo. “Andar com mochila nova, de marca, com couro não sei de onde, não dá certo. Já, já te roubam”, aconselhou.

Francisco declamou alguns poemas. Eis trecho de um deles:

Avante, avante
Com sua fé
Constante

Conversamos por aproximadamente 40 minutos. Na verdade, a primeira impressão que tive foi de desconfiança. Ele, acostumado com a vida nas ruas, sabe que eu fiquei receoso. Não importa. Antes de ir embora, dei-lhe um abraço com ternura e agradeci pelas sábias e confortantes palavras.

Desculpe-me Fernando Sabino, mas eu queria que minha crônica fosse assim: pura como Francisco, o poeta andarilho. 

domingo, 26 de março de 2017

Freguesia histórica


Corinthians conquistou primeiro título brasileiro, em 1990, no estádio do Morumbi
Clássico é clássico e vice-versa. Menos no majestoso: o São Paulo é freguês do Corinthians – dentro da própria casa. Desde 1930 ganhamos lá. O favoritismo poderia se concretizar, hoje, às 16h, no Morumbi. A vitória daria uma acalmada nos ânimos, após atuação ridícula contra o Red Bull, na última quarta.

O Corinthians enfrentou o São Paulo 329 vezes, mas o retrospecto do alvinegro é favorável: foram 123 vitórias, 104 empates e 102 derrotas. No Morumbi, o Timão 539 jogos, vencendo 210. E conquistou títulos como o Brasileirão de 1990, com gol de Tupanzinho, na final.

Para a partida deste domingo, o São Paulo não contará com Dênis – o arqueiro generoso. A defesa deles entrega o ouro facilmente. Rogério Ceni ficou um ano se preparando e estudando na Europa, mas não conseguiu, até hoje, armar uma defesa decente. Por outro lado, o ataque deles faz muitos gols.

De fato, há terror no Morumbi. E o majestoso, de uns tempos para cá, tornou-se um dos grandes clássicos do Brasil. Os são-paulinos simbolizam a elite paulistana. Já o Corinthians é o time do povo. Mas, nem de longe, é nossa maior rivalidade. Não gostamos deles porque são arrogantes. 

Bem, o que me preocupa para este jogo é o nosso ataque. Sem Fagner, perdemos força ofensiva pelo lado direito. Mas, talvez, o menino Pedrinho entre em campo – e acenda chamas de esperança. Assim como contra o Palmeiras – que triunfo! – e Santos, a garra tem de existir. Isso é Corinthians.

Ano passado perdemos vários clássicos porque o time não compreendia o que era o Corinthians. Esse ano parece que as coisas mudaram, mas ainda é cedo para fazer qualquer análise, de modo que seja extremamente fácil ser simplista. 

Há muita gente, especialmente jornalistas, que veem o clássico mais pobre. A palhaçada da torcida única ainda vigora e a Data Fifa prejudicou os times. Apenas no Brasil as torcidas organizadas têm escolas de samba, e não podem batucar nos estádios. Vale a máxima: sempre desconfie de autoridades.

O treinador Fábio Carille afirmou que o Corinthians têm boas chances de fazer um bom jogo. “Fomos para jogo contra a Ferroviária com mudanças que tinham que ser feitas, agora também contra o RB. Normal sofrer, sabemos das dificuldades, menino de 18 anos, sete da base, vamos ter uma base melhor contra o São Paulo. Acredito que faremos um grande jogo lá", diz.

Rivais: podem zoar Drogba, mas não se esqueçam e nem desprezem Jô. Cuidado.

sábado, 25 de março de 2017

Reforma da previdência e chatice da modernidade

Assinar a carteira de trabalho é uma sensação inenarrável. Melhor que transar. Por favor, discordo: a experiência do desvirginamento, com toda aquela tensão do cabaré, a escolha da puta, marca profundamente a vida de um homem. Depois esse dia, o sujeito nunca mais verá as coisas como antes.

De fato, o sexo só melhora com o tempo. Só que transar, ultimamente, parece um jogo perigoso. Mulheres afirmam que homens tem nojinho de se lambuzar. É difícil defendê-los, é claro, amiga leitora. Compreendo a indignação de vocês. Talvez um Bukowski poderia resolver o problema desses desalmados da porra.

Estou reflexivo por conta dos relatos que ouço de amigas. O mundo está chato – e certinho demais. Ora, qual o problema de o sujeito sentar-se no bar e gritar vendo futebol? Não pode. “Meu irmão é homossexual, qual é o problema? Não tô entendo esse negócio de você xingar o juiz de viado”, reclama uma amiga.

Nem tudo tem de ser levado ao pé da letra. Futebol, assim como a arte, mexe com as emoções humanas. Xingar o juiz, por exemplo, é obrigatório num jogo – até em campeonato de várzea o arbitro tem seu sexualidade questionada. Desencane... nem tudo precisa ser problematizado.

Daí minha indignação, mas nada fora do normal. Misturando-se a chatice da pós-modernidade, a reforma da previdência vai fazer com que trabalhemos por 35 anos – ou 65 de idade. Num país, cuja expectativa de vida beira pouco mais os 70, trata-se de uma medida desnecessária e cretina.

Sumariamente idosos e nostálgicos, botafoguenses e santistas já estão na previdência há anos. “O Santos jogava com Pele, Coutinho e Pepe”, conta, pela milésima vez, um tio. “Nós tivemos Garrincha e dominamos o futebol carioca no final da década de 50 e início da década de 60”, afirma um botafoguense. Bem, daqui uns anos não vai haver santistas e botafoguenses na previdência.

Ponto, parágrafo.... a primeira carimbada na carteira de trabalho a gente nunca esquece. Salário no final do mês, vale alimentação, refeição, férias remuneradas. Todas as regalias a que temos direito. Ao ser mandado embora da firma, há o seguro desemprego, fundo de garantia e FGTS.

Às vezes há aquela empresa que não lhe paga e, todo vez que você critica, eles justificam dizendo que o dinheiro vai cair na conta. Quando trampei num site, com milhões de acesso, não vi a cor sequer de uma cédula de R$ 5,00.

Com o tempo, sem grana e puto, resolvi ficar no bar em frente a redação. Bebia umas quatro, cinco latas de Bavária e subia. Bêbado, eu escrevia nariz de cera enorme, que causava revolta em meu chefe. Não durei muito por lá, lógico. Ainda bem.

Você aí, desgraçado, desalmado, infeliz, lamurioso já sofreu calote do patrão?

sexta-feira, 24 de março de 2017

Ainda somos o Brasil

Amigo torcedor, a gente se esqueceu de que o Brasil ainda é o País do futebol. Muita gente ruminava com raiva e nostalgia: “já não somos mais a pátria de chuteiras”. Eis que, do nada, alguns anos depois, Tite põe ordem na casa e a seleção acumula sete jogos sem perder – com direito a estridente goleada no Uruguai, em Montevidéu.

Jogar bola é conosco. E não me venham falar sobre o futebol alemão e sua disciplina tática. Brasileiro curte irresponsabilidade – sobretudo com a bola nos pés. Os melhores craques que desfilaram pelos nossos campos são debochados: gingado é a gente que sabe, e não os gringos. Ora, você acha mesmo que um alemão faria o gol que Neymar fez?

Até faria... o mais importante, todavia, é compreendermos que aos poucos estamos recuperando nossa forma de jogar. Apenas nós somos pentacampeões. Nossa camisa é tão pesada que entorta um varal. E digo mais: foi a seleção canarinho que apresentou a malandragem para o mundo – afinal, não há como ganhar jogos, especialmente clássicos, com bondade no coração.

Na última quinta-feira, 23, a seleção brasileira sacudiu o Uruguai, fora de casa, e praticamente selou a vaga para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. Deu gosto de assistir. “Se fala muito em Bolsonaro, Lula, mas Tite deveria ser presidente em 2018”, afirmou um amigo jornalista, enquanto estávamos assistindo o passeio brasileiro, bebendo cerveja e criticando o lateral Marcelo, no bar da 12.

O jornalista Alberto Dines, em 1984, criou a campanha “Tele Santana para presidente”. Ninguém lhe deu ouvidos e, no ano seguinte, José Sarney assumiu a presidência. O resto a gente sabe... hoje, vivemos uma crise de representatividade e Tite alimenta o imaginário nacional com uma seleção que dá gosto de ver. “Ele arruma tudo, só pôr ele na presidência”, declarou meu amigo, entre mordidas num disco de carne e tragos numa pinga de canela temperada a cerveja.

Em 2014, a gente não podia ir longe na Copa. O time era defasado, isto é, ruim. A trágica companha em casa virou um problema porque não tínhamos alma. Era tudo nas costas de Neymar, que resolvia. Não resolvia porque ao seu lado estava Fred e Bernard, o “menino que tem alegria nas pernas”, mas que jamais jogou bola no Mundial. Por fim, não menos ridículo, o xerife Thiago Silva chorou quando a partida contra o Chile, pelas oitavas-de-final, foi decidida nos pênaltis. Zagueiro que chora: dá pra acreditar?

Vou dizer o exato momento em que o Brasil passou a ser Brasil, novamente: foi quando Tite ocupou o lugar de Dunga e alinhou o meio-de-campo com Paulinho jogando muito bem. O volante fez três gols, contra a celeste olímpica, sendo um deles um golaço daqueles que mereciam uma estátua em Montevidéu. Uma pintura!

Ali, despontou o verdadeiro Brasil. Talvez ninguém tenha se atinado a isso, mas o Brasil agora será outro – sem dúvida. Após muito tempo, o brasileiro virou que sua seleção – falem o que falem – é a melhor do mundo. Simples assim.


sexta-feira, 10 de março de 2017

Não pense duas vezes: gaste tudo com ela

Paulo Mendes Campos falou e está falado: “O amor acaba”.

Diante disso, tenho de contrariar os economistas de plantão: torre grana – sem medo, nem vergonha. Essa velha retórica de que estamos em crise e o orçamento tem de ser reduzido mais parecem histórias pensadas pelos teus chefes na firma.

Saque o FGTS, vá para uma viajem com ela e torre-o numa lua de mel. Deixe os credores de lado – principalmente os bancos, que lucram horrores na crise. Compreendo que cidadãos louváveis pagam suas dívidas em dia, mas um calote de vez em quando, convenhamos, não faz mal a ninguém.

O amor acaba, amigo, viva-o como se cada segundo fosse o último de sua vida. Nem que seja um piquenique, um filme, uma peça de teatro do Tio Nelson – faça alguma coisa, hombre de diós. Acredite: não há nada pior que a sensação de insuficiência e incapacidade proporcionada pela leseira amorosa.

Deixe de lado o timão. Você sabe que ela, além de odiar teus hábitos boêmios, não suporta vê-lo esparramado pelo sofá, com a cerveja na mão e a TV ligada na partida contra o Luverdense. É o atestado para o óbito amoroso. Qual mulher suportaria presenciar o sujeito numas condições dessas?

Este animal que vos escreve não se cansa de levar tombos no amor, mas não se sente vergonha alguma – porque apenas a fossa humaniza o homem. Coleciona hábitos ridículos e pouco modernos. Assiste jogos em bares, xinga, grita se emociona facilmente. Sou um cronista de costumes com o coração doendo, e ouvindo Odair José às 19h.

Mas o que vale a pena mesmo são os momentos com a moça ou o moço. Momentos fervorosos – o verdadeiro ápice do prazer entre quatro paredes.

Pena que temos medo de amar. Nos preocupamos com o boleto no fim no mês, todavia a vida, caro mão de vaca da porra, não é uma operação de multiplicação e divisão, tampouco um banco. Saí da tua zona de conforto, abrace-a, beije-a e ame-a.

Vale o estrago. Vale tirar o time da retranca – e partir para cima, como jogava o saudoso Brasil dos anos 50 e 60. Você não morrerá rico, seu ordinário, por causa de R$ 1,000 gastos numa noite de palpitações malucas, entre tragos, tragados e sussurros lascivos.

Mais uma vez: que me desculpem os economistas e suas explicações, mas, como me soprou Paulo Mendes Campos, o amor acaba – inevitavelmente. Não existe responsabilidade financeira no amor, meu caro.

Uma loucurinha, vamos combinar, não faz mal a ninguém. Haja irresponsabilidade deste cronista hijo de puta – mestre em desastres financeiros, amorosos e espirituais. O amor trepidante, glorioso leitor, acaba como O filho de João e Maria, que toca no alto-falante.

O amor estagnado cria o inevitável vínculo à monotonia. Melhor, atesto, bem menos doloroso e trágico – a morte no cartão de crédito – do que chorar lagrimas de um pé-na-bunda, ou, ainda, ser trocado por outro.

Vai por mim: faça algo.

quarta-feira, 8 de março de 2017

São anos de dominação

Amigo que se comove com a luta das mulheres, não podemos deixar barato quaisquer manifestações machistas. Hoje, esta crônica não tem frescura – vou logo avisando. Vai direito ao ponto. Como um murro – ou um texto de Virginia Wolf.

É dever do clube masculino, de boa vontade e de caráter sólido, colocar-se no lugar das mulheres, que tem de conviver com comentários esdrúxulos e triviais toda vez que saem de casa. Mentalmente, tenho a leve impressão de que estamos no início do século XX.

Enquanto houver homens patriarcais, a violência – em suas variadas formas – tende apenas a aumentar. Nem falo de humanismo – esta ideia que me parece ultrapassada, sobretudo nestes tempos árduos, de ódio mútuo e descarado. O máximo que espero é que a vida nos dê chance de não piorarmos as coisas.

Pela manhã, ao abrir o site do EL País, deparei-me com reportagem que alertava para um dado, no mínimo, preocupante: a cada hora uma mulher é assassinada no Brasil. Somando-se a isso, a cada 11 minutos uma mulher é violentada. “Por eu ser mulher e sair na rua, os escrotos (homens) me assediam, falando palavras chulas e pesadas”, desabafa uma amiga. “Dá medo de olhar pra cara do filha da puta”.

E na Argentina? Não lembram? Pois bem, vou lhes refrescar a memória: Irma Ferreyra foi empalada, em dezembro, e não aguentou o ataque sexual. Pior: meses antes, a adolescente Lúcia Perez, de 16 anos, foi drogada e empalada – uma vassoura fora introduzida em seu ânus. A menina não suportou as dores e morreu. 

Lá, uma mulher é assassinada a cada 30 horas por violência masculina. Após os episódios, porém, as mulheres saíram às ruas e protestaram contra o silencio do governo de Mauricio Macri.

Amiga de Irma, Mabel da Rocha descreveu os últimos momentos dela. “Gritava de dor como um animal. Isso não vai sair nunca. Tinha sangue no rosto, todo machucado. Eu lhe disse ‘Irma, eu te amo, tenha força. Ela me disse ‘não aguento mais”, diz.

Será que por aqui é diferente, amigo?

Um site de Goiânia, com milhares de acessos, é famoso por assediar as estagiárias. Uma estudante de Jornalismo da PUC, com medo de represálias, revelou que seu chefe lhe dizia absurdos que pareciam terem vindos dos vídeos pornôs, que povoam a internet.

“O cara batia o pau nas minhas costas, dizia que minha cara era fechada porque eu era mal comida”, revela. “Mas o mais foda mesmo foi o dia em que eu estava indo embora, e ele entrou no meu carro, tirou o pau pra fora e falou pra eu chupá-lo”, completa.

Psicologicamente abalada, a jovem tem medo de ingressar no mercado de trabalho. "Não sei o que pode acontecer... tenho medo, muito medo", conta. 

Repetindo: milhares de pessoas acessam o site... majoritariamente eleitores de Bolsonaro.

Infelizmente, eu não sei o que é ser assediado por andar na rua. Sou privilegiado. Posso caminhar por aí, sem camisa e vociferar palavrões em público. Está tudo certo, dentro dos padrões. Posso gritar assistindo jogo do meu time, mas se uma mulher o fizer não faltarão “piadas” que lhes atribuem especificações que nem vale a pena citar neste espaço.

Agora, imagine uma mulher fazer andar sem camiseta, com os seios de fora – como aconteceu em Goiânia, nesta quarta-feira, 8, na Avenida Anhanguera.

Genial, não?

Ô gente machista da porra, ponham a mão no coração.

Nobríssimas, mulheres só me restam homenageá-las nesta crônica mal escrita, que grita junto com seus corações ao ouvir as idiotices de sempre.

A essa altura, o raciocínio, sei lá, o léxico, a lógica foi para o beleléu, desculpa, amigo leitor.
Lamentavelmente, nada disso funcionará se você chegar até aqui sem o mínimo de empatia e sem pensar no seu dia-a-dia – e a relação de dominação que impõe na firma, quando chega a estagiária novinha para trampar.

Pelo menos evoluímos. Pouco, mas evoluímos: temos a Lei Maria da Penha, aprovada no governo Lula, em 2006. Ainda é pouco, é claro. Falta muito para que as mulheres ocupem os mesmos espaços que nós, com as mesmas condições. Mas um passo fora dado... há anos.

Sou péssimo com números. Foram dez anos? 

terça-feira, 7 de março de 2017

Conversa ao meio-dia

Eram 12 h... sol, calor. Eis que chega um senhor com boa dicção, vestindo camisa polo lilás, calça jeans azul escura e empurrando uma cadeira de rodas. “Esse sol do meio-dia ninguém merece, né”, diz ele, limpando o suor testa. “Pois é”, respondi. Ele parou, e ofereceu: “Alguém quer uma balinha?”. Olhei-o. “Tô sem nada, nenhuma moeda”.

Simpático, o humilde homem perguntou se eu estudava na PUC. Meneei a cabeça e respondi que sim. Ele pareceu impressionado. “Aqui parece ser bem legal de se estudar, né?”, perguntou como eu fosse um cara de outro universo. “Sim”, falei, sabendo que não há nada demais em ser estudante universitário.

Gaúcho mexia em seu celular, e nem dava a mínima para o que o senhor estava falando – mas eu percebi que ele queria atenção. Talvez tivesse receio com pessoas que todos os dias lhe viram as costas nas ruas, mas ele queria apenas falar. Não importa o que, ele queria apenas falar. Há histórias mais interessantes vindas de um simples cadeirante do que dos burocratas que poluem os jornais todos os dias, de segunda a segunda.

É verdade. Ele queria falar. Apenas desejava ser ouvido por alguém. Mais nada. Desejava que lhe dessem ouvidos durante poucos minutos. Então começamos a conversar. Contei-lhe que curso jornalismo, na PUC.

“Sabe, sou conhecido na TV Anhanguera”, disse ele.

“Sério?”, perguntei.

“Sim... conheço aquela apresentadora, a Lilia”, falou.

“Que legal”, sorri.

“É uma profissão muito bacana”, afirmou.

“É, mas às vezes ficamos meio desacreditado com o rumo das coisas”, assegurei.

“Como assim?”, indagou.

“A ganância que vira e mexe faz com que o jornalismo se torne algo chato e inverossímil”, discorri.

Jornalismo... sei lá por que começamos a conversar sobre o ofício. Estou condenado a viver procurando o lead e sub-lead, mas nunca – ou quase nunca – deixo escapar diálogos aleatórios, nem que seja durante a hora do almoço, na área 3 da PUC.

Gaúcho não desgrudava da tela de seu smartphone.

De fato, vivemos na era da conectividade. Há muitas pessoas fazendo sexo virtual, findando relacionamentos e “amando” pelas redes sociais. Conversar? Para quê?

Para entrar no mundo do outro e tentar compreendê-lo. Esse senhor apenas buscava ser compreendido. Nem que fosse por um estudante de jornalismo, pé rapado, que voltava para a casa, de apé, em pleno meio-dia.

“Queria que meu filho fosse igual vocês”, desabafou. “O moleque não sai do vídeo-game”.

“Complicado...”

“Fica matando pessoas naquela porra, e não pensa em nada”, declarou.

“Ele tem quantos anos?”, perguntei.

“17, tá no terceirão já, mas não sei se vai chegar a algum lugar, o infeliz”, confessou.

“Foda”, comentei.

Ficamos em silêncio alguns segundos, acendi um cigarro e ele continuou:

“Pior: o desgraçado não dá a mínima para o meu esforço”, reclamou.

“Por quê?”

“Olhe para a minha perna”, disse, levantando a calça e mostrando o fêmur fraturado. “Quebrei 
trabalhando numa construção civil”.

“Puta merda”

“É...”

Ninguém falou nada.

Para quê falar?

Eu nunca vivi algo parecido. Nem Gaúcho – que estava mais preocupado em teclar em seu smartphone do que ouvi-lo. O máximo que me acontecera foi uma fratura no punho da mão esquerda porque estava andando em alta velocidade com minha bicicleta, e uma pedra me desequilibrou. Na queda, bati a cabeça e fiquei três dias internado.

Coisa de criança cheia de energia, que de alguma forma precisa gastá-la – nem que para isso vá ficar recluso o fim de semana inteiro em um hospital.

Olhei para o relógio: eram 12h 30min. “Vamos embora, cara”, falei para Gaúcho.

“Quero ver vocês na Record ou na Anhaguera ou na Serra Dourada”, falou.

Sorri.

Levantamos e fomos caminhando até a faixa de pedestre.


Ainda teríamos muito a percorrer.  

domingo, 5 de março de 2017

Só quem tem amante no trampo ou faculdade curte segunda-feira

Eis que Xico Sá alertava para os amantes de firma em seu blog, na Folha, há três, quatro anos.

Mas é isto mesmo: Só o desgraçado  que tem um caso, na firma ou na faculdade, adora levantar da cama cedão, na segundona, para ir enfrentar a labuta diária. Seria justo curtirmos a morte prenunciada da ressaca, no conforto da cama. Segunda – como domingo – é dia de curá-la, e não de trampar.

É, velho safado, os pombinhos sorriem na linha de montagem fordista e vivem um amor capitalista, onde os padrões – na maioria das vezes – nem desconfiam de suas intenções – e, comumente, ações. No capitalismo, amar não leva a lugar algum. Todo cuidado é pouco.

Segunda está para eles, como o ócio está para o escritor. Segunda é o dia sagrado dos amantes de escritório, redações, bancos, salas de aula, repartições, editoras, almoxariafados, restaurantes e maravilhas, como na música de Arnaldo Baptista.

Despois de esperarem incansavelmente o sábado e domingo, resignados a reflexões – coisa que raramente fazem -, os amantes de firma voltam para seus postos, mesmo que a função que exerçam seja contaminada pela lógica burocrática, mesmo que o único lampejo lírico na semana seja o almoço por quilo, na esquina.

As criaturas que têm amantes nas empresas seriam uma incógnita para o velho Marx e De Masi – o italiano que escrevera Ócio Criativo. Seria o gozo da mais-valia que lhes fazem retornar ao trampo e assim produzem de forma maravilhosamente alienada?

Que é isso, cronista demente. Amor e ideologia? Não combina, não.

Esse amor, seja de que forma acontecer, não deixa de ser belo, lindo e indispensável, pois quebra a corrente burra das empresas e a monotonia das salas de aula – que, convenhamos, não há como o sujeito sair bem formado da faculdade se nunca tiver tido um caso lá.

Porra. Chega. Só que queria dizer que é segunda e alguém está segurando a merda da folhinha de calendário, dando altas risadas. E você, boêmio de todo dia, vai para teu trampo, sem ter escolha.

Que a semana lhe seja breve. Com ou sem amante na faculdade e na linha de produção. Viva ressaca como contraposição ao capitalismo. Um beijo a todos. 

quarta-feira, 1 de março de 2017

Ufa: foi por muito pouco!

Tensão atinge Corinthians durante penalidades
Jadson finalmente estreou e perdeu um pênalti logo de cara. Mas não se deve condená-lo pelo futebol horrível apresentado em Brusque, ontem, pelo Corinthians. A equipe foi reflexo do treinador Fábio Carille, que prefere não levar gols a fazê-los. Resultado: mais uma vez o time jogou um futebol burocrático e econômico, fazendo os torcedores se remexerem no sofá de casa.

Em uma de nossas piores atuações na temporada, suamos para conseguir a classificação à terceira fase da Copa do Brasil. No tempo normal, Carille se mostrou um treinador pouco ousado e preferiu apostar num jogo apático. O Corinthians, nem de brincadeira, pode entrar em campo com desdém. Historicamente, os pequenos adoram nos complicar a vida. Vale lembrar.

Toda a expectativa de bom jogo que permeavam as equipes e circulavam pela mídia foram por água abaixo, em Santa Catarina. Os dois times judiaram da bola e deram borboadas e ponta pés nela. Tanto Brusque como o Corinthians pareciam que tinham medo de finalizar e, burocraticamente, tocavam a pelota de um lado a outro, sem objetivo.

Com vontade, os catarinenses partiam para cima, mas esbarravam na incapacidade técnica de seus jogadores. O time era limitado com a bola nos pés, e geralmente não sabia onde colocá-la. Por sorte, o Corinthians também estava perdido e ambos decidiram que o melhor era levar a vaga às penalidades.

A primeira cobrança nossa foi de Jadson, que bateu rasteiro e para fora. Na hora do vamos ver, o Brusque mandou a classificação no travessão e empatamos com Jô. Daí, Carlos Alberto, o gato, aquele mesmo que jogara no Timão, bateu para fora e Romero nos deu a classificação.

De consolo, a situação é levemente semelhante a que antecedeu o clássico contra o Palmeiras. Tínhamos vencido o Audax, no sábado, 18, por modestos 1 a 0 e, na quarta-feira, 22, triunfamos no dérbi, mesmo com o juiz fazendo o possível para ajudar a porcada. Neste sábado, enfrentaremos o Santos, na Vila Belmiro.

Lucidamente, o jornalista Juca Kfouri descreveu, em seu blog: “Num jogo horroroso, Brusque e Corinthians ficaram no 0 a 0 e foram decidir na marca do pênalti”. Por pouco, o Corinthians não consegue o impossível e fica longe da próxima fase da Copa do Brasil. Imagine: ser eliminado pelo tradicionalíssimo Brusque, vice-líder do Campeonato Catarinense. Inadmissível.

De fato, o escrete alvinegro entrou em campo com petulância. Mesmo com os jornais, televisão e sites falando sobre a dificuldade que o Corinthians encontraria no sul, pois apenas 600 ingressos foram disponibilizados à diretoria corintiana, os jogadores chinelinhos inventaram contusões aqui e ali e se eximiram de seus deveres de entrarem em campo, e eis que a partida findou na marca de pênalti.

Pela Copa do Brasil, o Timão jogará contra o Luverdense, em partidas de ida e volta, para decidir quem irá às oitavas-de-final. Mas antes, joga contra o Santos, neste sábado, 3.

Eis nosso futebol

Leio nos webjornais e observo o seguinte: há uma tendência em achar que nosso futebol, pentacampeão do mundo, deve aceitar o tecnicismo do outro lado do atlântico. De uns tempos para cá, a irresponsabilidade, o drible, o molejo, a ginga deram lugar a disciplina tática.

É, como se pode montar, um raciocínio tão atroz tanto uma ditadura que utiliza o esporte bretão para alienar a população. Por aqui a coisa é um pouco diferente: nossos craques vão para a Europa, fazem carreira por lá e depois se encontram no avião e formam a seleção brasileira.

Bom mesmo eram os deboches de Garrincha, o anjo das pernas tortas, a patada atômica de Rivelino, os passes longos de Gérson, o papagaio... hoje a responsabilidade caí nas costas de Neymar, um grande jogador, mas que ainda tem de lidar com o excesso de brilhantismo que lhe mascara o futebol.

Mais cedo, esbravejei alguns palavrões impublicáveis ao me deparar com uma manchete do Estadão: “Veja as carros de Neymar”. Eu não sabia de ria, chorava ou gritava. Desde quando jogador de futebol possui status de celebridade? Ora, seu cronista, muito simples: desde que os patrocinadores começaram a injetar dinheiro nos times.

O inglês David Beckham, excelente cobrador de faltas, foi um dos primeiros jogadores a ter status de celebridade. Casou-se com uma spice girl, Victória Beckhman, e no começo dos anos 2000 se transferiu para o Real Madrid, em uma das contratações mais caras do futebol.

Ávidos pela ostentação dos ídolos, os adolescentes não vestem mais camisas do Corinthians, Flamengo ou Fluminense. Eles não conversam mais sobre a rodada do brasileirão, sobre os lances duvidosos, embora ainda haja quem afogue as lamúrias futebolísticas do bar.

Hoje, os adolescentes discutem o ataque do Barcelona, o meio-de-campo do Real Madrid, a chuteira do Cristiano Ronaldo, a habilidade do Messi. Cadê nossos craques? Aonde eles estão? Desde quando Iniesta é melhor que Zico? O camisa 10 da gávea colocava a bola onde queria. Bola parada era um perigo que só.

De repente, os especialistas em bola parada foram à Europa. E lá, vestiram camisas de times que priorizam a disciplina tática a irresponsabilidade. Infelizmente, a pátria, que um dia vestiu chuteiras de ouro, hoje, lamentavelmente, calça sandálias da humildade e responsabilidade.

Sem contar os idiotas da objetividade, para parafrasear o gênio Nelson Rodrigues, que transformaram o esporte bretão em uma ciência exata. Diante de tantas estatísticas, o torcedor comum tem medo de ver o cortejo e não entender patavinas do que lhe é dito através de comentaristas mergulhados no óbvio ululante.

Eis o nosso futebol.