E eu que a vi cruzar meu caminho. Estava sentado, matando o
tempo, fumando um cigarro atrás do outro e bebendo uma cerveja atrás da outra.
Ela chegou, e sentou-se. Fiquei olhando-a. “Quanta beleza”, pensei, medindo
seus um metro e cinquenta e cinco de formosura e delicadeza. Ela tinha uma voz
leve e afável. Sua alma também era de uma garota sensível. Quanta beleza! Ela
foi esculpida a dedo, avaliei. Porra, enquanto algumas são grandes nos lugares
errados, ela era perfeita. Pequena nos lugares que tinha de ser. E grande nos
lugares certos. Cabelo negro cintilante. Pele branca. Sorriso espontâneo no
canto da boca. Eu apenas ouvia-a. Suas queixas, seus medos, suas amarguras,
suas angústias. Ela não sabia como lidar com estes problemas. Não sou muito bom
em dar conselhos, mas senti-me com o dever de falar-lhe algo. Logo eu - que
sempre tenho alguma piada na ponta da língua. Só que eu conto-as para vê-la
sorrir. Eu gosto de vê-la sorrir. Eu gosto de penetrar em suas pálpebras. Eu
gosto de tentar sua desvendar a alma.
Ela continuava sentada. Aproximei-me, puxei uma cadeira e
ofereci uma bebida. Ela disse que não bebia. Compreendi, e não insisti. Pensei
em acender um cigarro. Mudei de ideia. Se ela não bebia, provavelmente não
fumava. E depois, descobri que estava certo em minha constatação. Ela não
fumava. Ela cantava. Ela cuidava da voz. Parabenizei-a, e falei que escrevia e
por isso não tinha muitos cuidados físicos. Expliquei-lhe que tinha apenas
cuidados intelectuais. Na verdade, a parte boa de um escritor vive no papel. A
outra é desprezível. Se jogá-la fora, ninguém dará falta. Percebi no fundo da
retina dela um olhar curioso. Ela queria perguntar-me algo, mas não o falara.
Talvez por sentir-se retraída. Talvez por que não queria. Foda-se. Eu queria
apenas prestar atenção nela. Pouco me importava o quê o cara da mesa ao lado
falava de mim.
A gente conversou. E conversou. Demos voltas por vários
assuntos. Perambulamos em música, cinema, literatura – arte em geral. Ela
revelou-me que é fã devota de artes plásticas. Mencionei alguns nomes. Disse que
Salvador Dalí desafiava a mente humana. Ela acenou, concordando. Abriu um
sorriso, e falou:
- Tenho de ir embora.
- Mas já? A conversa tá boa.
- Concordo.
- A gente se vê.
- Espero – disse eu.
Fiquei sentado ali, por alguns minutos. Pensei na vida.
Pensei nas escolhas que fiz. Pensei nas escolhas que não fiz. Pensei nas
mulheres que passaram pela minha vida, e de alguma forma marcaram-na, fazendo
valer a pena cada segundo vivido. Lembrei-me da primeira foda. Lembrei-me da
primeira chupada que ganhei. Lembrei-me da primeira vez que chupei uma mulher.
Lembrei-me da primeira vez que fiz uma mulher gozar. Sensação inenarrável. O
momento dos momentos.
Naquele dia, senti a plenitude feminina. Como as mulheres
se libertam ao transarem. Elas se entregam. E gemem. E são carinhosas. Elas equilibram
o mundo, com seus andares melódicos e lastros, como ponderou Truffaut – o
sujeito que nasceu para filmar o amor.
Então, levantei-me da mesa. Paguei a conta. O preço da
cerveja havia subido. Resmunguei alguma coisa. O cara não gostou, e deu de
ombros. Agora, sim, acendi um cigarro. E segui minha caminhada solitária. Um
bêbado que ama as mulheres. Um bêbado que grita os versos de Jim Morrison, às
duas da madrugada. Um bêbado que busca a melhor frase, o melhor verso, o melhor
momento. Um bêbado que vive e ama e admira o sexo feminino. Simplesmente, um
bêbado qualquer.
As mulheres vêm ao mundo para sofrer.
(Texto originalmente publicado no Diário da Manhã, 22/11)
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