sábado, 15 de outubro de 2016

Bob Dylan, ícone da cultura do século XX



William Blake e Baudelaire, Rimbaud e Walt Whitmann, Allen Ginsberg e Bob Dylan. O que eles têm em comum? A poesia. E mais: transgrediram, como todo bom artista, os costumes e tradições da métrica poética. Mas na última quinta-feira (13), o prêmio Nobel da Literatura entregue ao compositor e cantor Bob Dylan causou espanto entre os romancistas e escritores “de ofício”.

"Se Dylan pode ganhar o Nobel de Literatura, então acho que Stephen King deveria ser eleito para o Hall da Fama do Rock and Roll", ironizou o autor norte-americano Jason Pinter em seu perfil no twitter. "Esse é o Nobel mais sem graça desde que Barack Obama foi premiado por não ser o George W. Bush", provocou o romancista britânico-indiano Hari Kunzru.

Provavelmente, essa não vai ser a última vez que Bob Dylan se envolverá em polêmica relacionada ao conservadorismo artístico. Em meados da década de 1960, ao deixar o violão de lado para segurar guitarras elétricas, Dylan passara a conviver com vaias e, inclusive, incomodou a cantora folk Joan
Baez e outros nomes do gênero ao se apresentar com conjunto de blues elétrico.

Neste período, no Brasil, Elis Regina liderara a criação da “Frente única da MPB” e organizara passeata contra o imperialismo cultural norte-americano, cujo símbolo era a guitarra elétrica. O rock era visto nos circuitos intelectuais como uma simples manifestação adolescente sem conteúdo.

Caetano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo, sofreram na pele o preconceito musical por usar, no início do movimento Tropicalista, instrumentos elétricos. Durante turnê nos EUA, em 1966, Dylan chegou a ser chamado de “Judas” por um fã de seu repertório tradicional.

A secretária da Academia Sueca, Sara Danius, comparou Dylan aos poetas William Blake e Arthur Rimbaud, e celebrou a contribuição do músico à cultura. Danius, ainda, lembrou a tradição dos poetas gregos, que Dylan mantém viva.“Eles escreveram textos poéticos para serem apresentados em público, e com Dylan é a mesma coisa. Ainda lemos Homero e Safo, e gostamos até hoje”, afirma.

As letras de Dylan
Como exemplo da genialidade do compositor, Sara citou o disco Blonde on blonde, de 1966, que, de acordo com ela, demonstra brilhantemente a maneira de Dylan pensar e rimar. Aliás, Sara recomenda que para conhecer a obra do artista é necessário começar por esse disco.

Inside the museums, infinity upo on trial

Nos museus, a eternidade vai a julgamento
Voices echo ‘this is waht salvation must be like after a while’
Vozes ecoam ‘é assim que a salvação deve ser, depois de um tempo
But a Mona Lisa musta had the highway blies
Mas Mona Lisa com certeza sentiu a tristeza da Estrada
Visions of johanna” – do disco Blonde on blonde (1966)

A letra de “Tangled Up in Blue” é considerada uma das mais ricas narrativas de Dylan. Ele conta a história de uma mulher que conheceu e ajudou a escapar do ex-marido problemático. A única repetição está no verso que dá nome a canção – o resto da letra se desenrola como se fosse um conto.

Fã e estudioso da obra de Dylan, o escritor e poeta, Fabrício Corsaletti, afirma que Dylan é um “grande poeta narrativo”.“ Suas letras são cheias de sequências rímicas, aliterações e assonâncias, entre outros recursos técnicos. Também é capaz de fazer letras curtas e longas e tem, ao longo de suas obras, muita variação de tons e vozes - o que mostra a sua versatilidade. Mas, além disso, “conta histórias como pouquíssimos sabem fazer”, diz Corsaletti.

“É um tema que todo mundo conhece”, afirma Corsaletti, ao comentar “Idiot Mind”. “Mas a quantidade de coisas que ele cria, o quanto ele é capaz de ir a fundo em coisas que você pensava que conhecesse, é impressionante”. “Ele é um grande criador de imagens poéticas.”

Em “Black Diamond Bay”, de 1976, Dylan constrói a narrativa em fragmentos. “É como se fosse um conto de Júlio Cortázar”, compara Corsaletti.

Prêmio que faltava
Robert Allen Zimmermam nasceu na cidade de Duluth, Minnesota, nos EUA, em 1941. Ganhou o primeiro violão aos 14 aos e começou a se dedicar a música folk e ao blues. Nos anos 1960, descobriu a literatura beat e foi fortemente influenciado pela escrita de Jack Keroauc e Allen Ginsberg, além dos versos de Rimbaud.

Seu primeiro disco foi lançado em 1962. Ao longo de cinco décadas de carreira, Dylan criou 37 álbuns de estúdio. Considerada obra-prima, sua música se focou em questões social, além, claro, de narrar o amor, política e religião. Já escreveu livros, um em dois volumes sobre a própria vida, chamado “Crônicas”, e lançou compilações com suas próprias letras.

Mas o que faltava mesma na galeria de prêmios de Dylan era o Nobel. Ele já fora laureado com Oscar, Globo de Ouro pela canção do filme “Things Have Chaged, da trilha de Garotos Incríveis , em 2001).

Dylan ainda possui um Pulitzer, que é dado a autores relevantes na área de jornalismo e literatura. O Pulitzer veio em 2008 por seu “profundo impacto na música popular e na cultura americana, marcado por composições líricas de força poética extraordinária”.

Link: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/13/O-que-há-de-diferente-em-Bob-Dylan-Nobel-de-Literatura
http://www.cartacapital.com.br/cultura/bob-dylan-o-aedo-moderno

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