domingo, 4 de dezembro de 2016

Esquisitice em carne e osso

Batista Custódio fala ao telefone. Em sua frente há uma Olivetti azul. A máquina está envelhecida de vários textos que foram batidos nela. Batista se encontra entredito na conversa. Deveria ser alguma fonte o ligando, ou ele deveria estar apenas a conversar com algum amigo. Gesticula e tira os óculos. Após alguns minutos, desligou o telefone. Sua secretária, uma loira atraente de olhos verdes, avisou-lhe:

“Esses meninos são estudantes de jornalismo da PUC”, diz e moça.” Eles precisam colher algumas informações do senhor. Tudo bem?”, completa.

Com feição fria, Batista brada:

“Quem são seus os professores? O que eles fazem? Eles são jornalistas?”

Um silêncio pairou sobre a áurea da sala. Todos se olhavam. Ninguém sabia o que falar, e nem como falar. Batista aparenta ser o dono da razão acima de qualquer coisa. Quaisquer indícios de contrariedade, ele dispensa veementemente. Na conversa, citou livros e deixou bem clara sua visão de mundo. E, quando se deparou com algum questionamento, bufou. “Jornalista é guerreiro, poeta, humorista e apócrifo, porque dependendo da matéria que for escrita, você fará o seu leitor rir ou chorar”, afirma, logo de cara, gesticulando e dando leves pancadas em sua mesa.

Com fama de maluco, Batista tentou ser minimamente cordial. Discorreu sobre livros que considera primordiais para se formar um jornalista. Na ótica do diretor do Diário da Manhã, todo profissional da imprensa deve ler contos “para poder conhecer seu estilo” de escrita. Homero, Shakespeare, Dickens, Tolstoi, Victor Hugo e Hemingway são alguns dos autores que o formaram. “Durante cinco minha vida era biblioteca, trabalho e casa”, conta.

Início da carreira e cinco de março

O diretor do Diário da Manhã começou no jornalismo em 1952. Mas a época de maior destaque em sua carreira foi na década de 1970. Neste período, Batista dirigia o semanário Cinco de Março, que era opositor a ditadura militar. O veículo fora fundado em 1959. Batista tinha apenas 23 anos. À época, ele comandara uma série de reinvindicações da União Goiana dos Estudantes Secundaristas que, além dele, faziam parte Javier Godinho e Telmo Faria.

Na década de 1960, o Cinco de Março assumira uma postura crítica e essencialmente opinativa. Todavia, em 1969, quando o AI-5 fora aprovado, o jornal passou a fazer reportagens com cunho um pouco mais factual, deixando de lado a fórmula de crítica municipal, estadual e federal. A publicação era altamente panfletária. “Jamais daria certo hoje”, diz seu filho, que não quis se identificar.

Por conta do trabalho opositor, Batista ficara oito meses preso. “Mas não durava muito. Eles me prendiam, depois me soltavam. Exceto uma vez que fiquei preso por oito meses, por crime de opinião”, revela.

Batista fitou os alunos, e perguntou:

“Algum de vocês já foi preso por crime de opinião?”

Novamente, o silêncio imperou.

“Não? Então tá mais do que na hora!”, exclamou, achando o fato de três alunos do primeiro período de jornalismo nunca terem passado uma noite no xilindró um insulto à futura dignidade profissional deles.

Aventura

No Diário da Manhã, nos primórdios da década de 1980, trabalhara com grandes nomes da imprensa. Mino Carta, fundador e diretor de redação da Carta Capital, contribuiu para o jornal. “Peguei um avião aqui e fui para o Rio de Janeiro. Agora, imagine o Mino Carta, que dirigia O Globo, vir trabalhar em Goiás? Tive de convencê-lo.”

Segundo Batista, o Diário da Manhã era para ser um jornal para o Brasil, mas evidentemente ao longo do tempo seu projeto acabou fracassando. “O Brasil vai abrir”, diz ele, em alusão as Diretas Já, “e nós precisamos de um jornal para o Brasil”. Em Goiás, de acordo com o jornalista, os profissionais da imprensa são todos analfabetos e ignorantes. 

“Porra, como que pode um cara que nem saber latim cogitar a hipótese de ser jornalista?”, questiona-se ele.

Mas a experiência com o “jornal para o Brasil” durou pouquíssimo tempo. Após dois anos, o DM faliu pela primeira vez. “Fiquei fechado por 25 anos, sem nem estar fechado. Acredita? Quando reabri, o Estado disse que eu poderia ter uma ajuda. Eu falei que não ajuda porra nenhuma”, afirma.

Para o jornalista Ivanoel Mendes, responsável pelo DM online, Batista Custódio é “um jornalista brilhante, mas um péssimo administrador.” Ele afirma que o diretor representa um período importante na história do jornalismo em Goiás. Na visão de Ivanoel, Batista é bom em apenas uma coisa: ser jornalista.

Espiritismo

Espirita, Batista acredita que o mundo mudará quando a alma dos homens evoluir. No Diário da Manhã, inclusive, há corriqueiramente psicografias de Fábio Nasser, seu filho, que morreu na década de 1990, após entrar em profunda depressão. Nasser fora repórter e editor de política do jornal e, segundo uma professora da PUC, ele gostava de usar entorpecentes.

Em determinado trecho do diálogo, Batista citou o filólogo e filósofo Nietzsche: “Eu gosto da ideia dele, mas ele mudou, se tornou cristão.” Batista afirmou que há escritos que comprovam que o pensador alemão deixou, no final da vida, de ser ateu. Aproveitou ainda para citar uma obra de Getúlio Vargas que, de acordo com ele, também fora psicografada. Neste livro, Vargas falaria o porquê da rixa com Carlos Lacerda. “Lacerda era a encarnação de Marat”, assegurou.

Confrontado sobre a existência de Deus, Batista disse que é inadmissível não se crer nele. Segundo o jornalista, o homem vem ao mundo para sofrer.

Jornalista e literatura

Batista afirma que jornalismo e literatura andam de mãos dadas. “Jornalista tem de levar o leitor aonde ele não pode ir”, aconselha. Jéssica Fernandes, repórter do DM Revista, declarou que Batista é bastante exigente. “Quer que nós escrevamos reportagens com criatividade”, revela.

No final da conversa, Batista demostrou todo o fascínio que nutre por Shakespeare, comparando-o a Machado de Assis e, depois, afirmando que o dramaturgo inglês é totalmente incomparável e único. Mas, para se entender uma narrativa, na visão do diretor, Homero, símbolo da cultura antiga, é fundamental.

Editor do DM Revista, Neil Oliveira disse que todo dia aprende muito com Batista. “Ele é locão. Fala o que vem na cabeça, não têm papas na língua, mas eu aprendo muito com ele”, diz.

Desfecho

Após aproximadamente quatro horas de conversa, os alunos foram embora com uma grande certeza: Batista carrega uma bagagem de mundo peculiar. Leitor voraz, e de clássicos, ele também é fã de música clássica.

Os alunos apertaram as mãos de Batista, e o agradeceram pela entrevista.

Quando eles viravam as costas, o jornalista indaga:

“Sabe por que eu gosto de mulher?”

Todos ficaram lacônicos.

“Porque as feias são obras do diabo, e as bonitas são obras de Deus.”

Batista Custódio é isto: esquisitice em carne e osso.

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