domingo, 13 de novembro de 2016

Cartilha amorosa

Namorar é bom. Isso é quase tudo que sei sobre o amor. Nunca soube muito bem como me comportar diante da mulher amada – ou qualquer outra mulher que me direcionasse um olhar cintilante e florescente. Os encontros com a dama pretendida eram um trabalho jocoso que transitava entre insegurança e excitação. Do tipo que me fazia pensar: “vou com a minha velha camiseta dos Rolling Stones, ou com uma camisa social que têm os botões todos em plena atividade?”.

Em minha inexperiente cachola de amante aprendiz pululam questões de cunho fervilhante. Por incrível que pareça, sempre surgem dúvidas e perplexidades relacionadas à vestimenta. Quando li Ofício de viver, do Pavese – um misógino doidão que não podia viver sem o charme feminino -, comecei a me atentar pros sinas práticos do corpo delas, como o olhar, por exemplo, a característica e o sinal mais sublime do ser feminino.

Foda mesmo é quando você tá na mesa, a conversa fluindo e, de repente, bate aquele tesão incontrolável. O maço de cigarro vai embora como se fosse a última musica do Let it be. Controlar o desejo sexual, pondero, é uma atitude que requer certa experiência do cara – e alguns diálogos consigo mesmo, digo, com seu desvairado psiquismo.

O que eu devo fazer? Devo cair de boca aqui mesmo? Ou na sala do seu apê, ou do meu apê, que é um lugar sossegado, pois meus velhos estão viajando? Dá pra pitar um du bão e ouvir um The Doors, ou qualquer outro som, cê que manda, gatinha.

Ou, também, a gente pode assistir àquele filme do Godard, sabe? Ah, cê não curte cinema cabeça? É chato, eu sei. Mas podemos, sem problemas, ver uma comédia romântica, estilo Woody Allen. O estilão dele é do caralho, né? Mas vamos evitar os clichês hollywoodianos, que como diz o Jabor, num raro texto em que achei bom, prostituiu Aristóteles, cuja mocinha morre de câncer no final, quando todos os obstáculos do casal pareciam superados.

Esses filmes fazem escorrer algumas lágrimas deste camarada bebum que vos escreve. Outono em Nova Iorque é um desses. Chorei pacas quando o vi. Tava meio bêbado, ainda. Imagine a cena. Dizem que homem que é homem não pode chorar em hipótese alguma. Lorota pra boi-dormir, cara. Homem chora, sim. Outro dia vi o Marcelo Rubens Paiva, numa crônica, falar que chora facilmente. Confesso que ao findar a leitura, senti-me livre como uma criança que joga bola com os amigos, após a aula.

Mas, e depois do filme? Fumaremos um cigarro? Ou vamos direto pro sexo?

Cansei de me perder em questões ridículas como essas. Ao mesmo tempo, intuía, no fundo do meu raso e superficial entendimento dos meandros femininos, que vestir as mais adequadas roupas, adotar rebuscadas maneiras, ver tal e qual filme, ouvir este ou aquele disco, comer neste ou naquele restaurante, beber naquele bar decente ou naquela espelunca, não ia mudar grandes coisas no psicossomatismo da mulher desejada. A química do amor é espetacularmente misteriosa. É um jogo cujo objetivo é ser subjetivo. Deu pra enteder? Porra nenhuma, não. Em todo caso, vale a pena ficar atento as dicas e conversas das amigas mais íntimas.

Dia desses, folheando uma revista feminina na sala de espera do meu médico, topei com uma “consultora sentimental” dando dicas primorosas sobre como um homem deve ser e estar ao lado da dama que ele corteja. A lista, meu amigo, é longa. Deveria tê-la lido alguns anos antes. Evitaria inúmeros transtornos.

Pra começo de conversa, nada de banho de loja antes de encontrar a mina. Nem de negligência indumentária. A regra básica é o meio-termo: arrumadinho, mas sem exibicionismo. E é bom maneirar com os palavrões, porra. Tampouco é recomendável jogar na conversa assuntos cujo entendimento se restringe a quem tem phd em Ciências Sociais, na USP. A puta da realidade fica pra depois – se houver um depois. O papo cabeçudo, quiçá, nem deve ser colocado em pauta, sobre a possibilidade de ela lhe deixar chupando dedo junto de sua dialética marxista.

Até de etiqueta sexual a tal da consultora falava. O recado era basicamente: não vá com sede ao pote, de modo que você deve respeitar o tempo dela, não invente posições que requerem certo malabarismo, não fique bradando sacanagens baratas ao pé do ouvido da moça na hora do lesco-lesco, jamais dispense camisinha, nem diga que é uma lúbrica merda transar com o pau revestido, não a induza a notas positivas sua performance sexual. Não demonstre, jamais, afoiteza em vazar depois da foda. E por aí seguia a preleção da consultora sentimental.

Fiquei, confesso, um pouco deprimido ao ler aquilo tudo, que me soava como um murro bem no meio das minhas convicções machistóides, jorrada, reconheço, aos borbotões na mesa do boteco e, inclusive, saudada e apoiada pelos companheiros de birita.

Por fim, corri os olhos sobre as dicas da consultora, com considerável pressa, pra ver se encontrava alguma coisa em que me sobressaísse.

Achei um, finalmente:

“O homem tem quer ser limpinho, de preferência emanando um discretíssimo perfume masculino à base de madeiras aromáticas.”

Bem, tirando as “madeiras aromáticas”, acho que posso ser considerado, tranquilamente, um cara limpinho. Não dispenso meu básico chuveiro diário. Ainda mais com esse calor surreal que faz em Goiânia. Calor este que deixaria Salvador Dalí cabisbaixo. Agora de uma coisa posso me gabar: as mulheres já me xingaram de tudo e mais um pouco, com e sem razão, mas nunca pintei de fedido. Não que eu tivesse ouvido, pelo menos.

Como cantavam os Beatles: “Something in the way she moves/Attracts me like no other lover”.


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