quarta-feira, 1 de março de 2017

Eis nosso futebol

Leio nos webjornais e observo o seguinte: há uma tendência em achar que nosso futebol, pentacampeão do mundo, deve aceitar o tecnicismo do outro lado do atlântico. De uns tempos para cá, a irresponsabilidade, o drible, o molejo, a ginga deram lugar a disciplina tática.

É, como se pode montar, um raciocínio tão atroz tanto uma ditadura que utiliza o esporte bretão para alienar a população. Por aqui a coisa é um pouco diferente: nossos craques vão para a Europa, fazem carreira por lá e depois se encontram no avião e formam a seleção brasileira.

Bom mesmo eram os deboches de Garrincha, o anjo das pernas tortas, a patada atômica de Rivelino, os passes longos de Gérson, o papagaio... hoje a responsabilidade caí nas costas de Neymar, um grande jogador, mas que ainda tem de lidar com o excesso de brilhantismo que lhe mascara o futebol.

Mais cedo, esbravejei alguns palavrões impublicáveis ao me deparar com uma manchete do Estadão: “Veja as carros de Neymar”. Eu não sabia de ria, chorava ou gritava. Desde quando jogador de futebol possui status de celebridade? Ora, seu cronista, muito simples: desde que os patrocinadores começaram a injetar dinheiro nos times.

O inglês David Beckham, excelente cobrador de faltas, foi um dos primeiros jogadores a ter status de celebridade. Casou-se com uma spice girl, Victória Beckhman, e no começo dos anos 2000 se transferiu para o Real Madrid, em uma das contratações mais caras do futebol.

Ávidos pela ostentação dos ídolos, os adolescentes não vestem mais camisas do Corinthians, Flamengo ou Fluminense. Eles não conversam mais sobre a rodada do brasileirão, sobre os lances duvidosos, embora ainda haja quem afogue as lamúrias futebolísticas do bar.

Hoje, os adolescentes discutem o ataque do Barcelona, o meio-de-campo do Real Madrid, a chuteira do Cristiano Ronaldo, a habilidade do Messi. Cadê nossos craques? Aonde eles estão? Desde quando Iniesta é melhor que Zico? O camisa 10 da gávea colocava a bola onde queria. Bola parada era um perigo que só.

De repente, os especialistas em bola parada foram à Europa. E lá, vestiram camisas de times que priorizam a disciplina tática a irresponsabilidade. Infelizmente, a pátria, que um dia vestiu chuteiras de ouro, hoje, lamentavelmente, calça sandálias da humildade e responsabilidade.

Sem contar os idiotas da objetividade, para parafrasear o gênio Nelson Rodrigues, que transformaram o esporte bretão em uma ciência exata. Diante de tantas estatísticas, o torcedor comum tem medo de ver o cortejo e não entender patavinas do que lhe é dito através de comentaristas mergulhados no óbvio ululante.

Eis o nosso futebol.

Nenhum comentário:

Postar um comentário