terça-feira, 7 de março de 2017

Conversa ao meio-dia

Eram 12 h... sol, calor. Eis que chega um senhor com boa dicção, vestindo camisa polo lilás, calça jeans azul escura e empurrando uma cadeira de rodas. “Esse sol do meio-dia ninguém merece, né”, diz ele, limpando o suor testa. “Pois é”, respondi. Ele parou, e ofereceu: “Alguém quer uma balinha?”. Olhei-o. “Tô sem nada, nenhuma moeda”.

Simpático, o humilde homem perguntou se eu estudava na PUC. Meneei a cabeça e respondi que sim. Ele pareceu impressionado. “Aqui parece ser bem legal de se estudar, né?”, perguntou como eu fosse um cara de outro universo. “Sim”, falei, sabendo que não há nada demais em ser estudante universitário.

Gaúcho mexia em seu celular, e nem dava a mínima para o que o senhor estava falando – mas eu percebi que ele queria atenção. Talvez tivesse receio com pessoas que todos os dias lhe viram as costas nas ruas, mas ele queria apenas falar. Não importa o que, ele queria apenas falar. Há histórias mais interessantes vindas de um simples cadeirante do que dos burocratas que poluem os jornais todos os dias, de segunda a segunda.

É verdade. Ele queria falar. Apenas desejava ser ouvido por alguém. Mais nada. Desejava que lhe dessem ouvidos durante poucos minutos. Então começamos a conversar. Contei-lhe que curso jornalismo, na PUC.

“Sabe, sou conhecido na TV Anhanguera”, disse ele.

“Sério?”, perguntei.

“Sim... conheço aquela apresentadora, a Lilia”, falou.

“Que legal”, sorri.

“É uma profissão muito bacana”, afirmou.

“É, mas às vezes ficamos meio desacreditado com o rumo das coisas”, assegurei.

“Como assim?”, indagou.

“A ganância que vira e mexe faz com que o jornalismo se torne algo chato e inverossímil”, discorri.

Jornalismo... sei lá por que começamos a conversar sobre o ofício. Estou condenado a viver procurando o lead e sub-lead, mas nunca – ou quase nunca – deixo escapar diálogos aleatórios, nem que seja durante a hora do almoço, na área 3 da PUC.

Gaúcho não desgrudava da tela de seu smartphone.

De fato, vivemos na era da conectividade. Há muitas pessoas fazendo sexo virtual, findando relacionamentos e “amando” pelas redes sociais. Conversar? Para quê?

Para entrar no mundo do outro e tentar compreendê-lo. Esse senhor apenas buscava ser compreendido. Nem que fosse por um estudante de jornalismo, pé rapado, que voltava para a casa, de apé, em pleno meio-dia.

“Queria que meu filho fosse igual vocês”, desabafou. “O moleque não sai do vídeo-game”.

“Complicado...”

“Fica matando pessoas naquela porra, e não pensa em nada”, declarou.

“Ele tem quantos anos?”, perguntei.

“17, tá no terceirão já, mas não sei se vai chegar a algum lugar, o infeliz”, confessou.

“Foda”, comentei.

Ficamos em silêncio alguns segundos, acendi um cigarro e ele continuou:

“Pior: o desgraçado não dá a mínima para o meu esforço”, reclamou.

“Por quê?”

“Olhe para a minha perna”, disse, levantando a calça e mostrando o fêmur fraturado. “Quebrei 
trabalhando numa construção civil”.

“Puta merda”

“É...”

Ninguém falou nada.

Para quê falar?

Eu nunca vivi algo parecido. Nem Gaúcho – que estava mais preocupado em teclar em seu smartphone do que ouvi-lo. O máximo que me acontecera foi uma fratura no punho da mão esquerda porque estava andando em alta velocidade com minha bicicleta, e uma pedra me desequilibrou. Na queda, bati a cabeça e fiquei três dias internado.

Coisa de criança cheia de energia, que de alguma forma precisa gastá-la – nem que para isso vá ficar recluso o fim de semana inteiro em um hospital.

Olhei para o relógio: eram 12h 30min. “Vamos embora, cara”, falei para Gaúcho.

“Quero ver vocês na Record ou na Anhaguera ou na Serra Dourada”, falou.

Sorri.

Levantamos e fomos caminhando até a faixa de pedestre.


Ainda teríamos muito a percorrer.  

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