Eram 12 h... sol, calor. Eis que
chega um senhor com boa dicção, vestindo camisa polo lilás, calça jeans azul
escura e empurrando uma cadeira de rodas. “Esse sol do meio-dia ninguém merece,
né”, diz ele, limpando o suor testa. “Pois é”, respondi. Ele parou, e ofereceu:
“Alguém quer uma balinha?”. Olhei-o. “Tô sem nada, nenhuma moeda”.
Simpático, o humilde homem perguntou
se eu estudava na PUC. Meneei a cabeça e respondi que sim. Ele pareceu
impressionado. “Aqui parece ser bem legal de se estudar, né?”, perguntou como
eu fosse um cara de outro universo. “Sim”, falei, sabendo que não há nada
demais em ser estudante universitário.
Gaúcho mexia em seu celular, e
nem dava a mínima para o que o senhor estava falando – mas eu percebi que ele
queria atenção. Talvez tivesse receio com pessoas que todos os dias lhe viram
as costas nas ruas, mas ele queria apenas falar. Não importa o que, ele queria
apenas falar. Há histórias mais interessantes vindas de um simples cadeirante
do que dos burocratas que poluem os jornais todos os dias, de segunda a
segunda.
É verdade. Ele queria falar.
Apenas desejava ser ouvido por alguém. Mais nada. Desejava que lhe dessem
ouvidos durante poucos minutos. Então começamos a conversar. Contei-lhe que
curso jornalismo, na PUC.
“Sabe, sou conhecido na TV
Anhanguera”, disse ele.
“Sério?”, perguntei.
“Sim... conheço aquela
apresentadora, a Lilia”, falou.
“Que legal”, sorri.
“É uma profissão muito bacana”,
afirmou.
“É, mas às vezes ficamos meio
desacreditado com o rumo das coisas”, assegurei.
“Como assim?”, indagou.
“A ganância que vira e mexe faz
com que o jornalismo se torne algo chato e inverossímil”, discorri.
Jornalismo... sei lá por que
começamos a conversar sobre o ofício. Estou condenado a viver procurando o lead
e sub-lead, mas nunca – ou quase nunca – deixo escapar diálogos aleatórios, nem
que seja durante a hora do almoço, na área 3 da PUC.
Gaúcho não desgrudava da tela de
seu smartphone.
De fato, vivemos na era da
conectividade. Há muitas pessoas fazendo sexo virtual, findando relacionamentos
e “amando” pelas redes sociais. Conversar? Para quê?
Para entrar no mundo do outro e
tentar compreendê-lo. Esse senhor apenas buscava ser compreendido. Nem que
fosse por um estudante de jornalismo, pé rapado, que voltava para a casa, de
apé, em pleno meio-dia.
“Queria que meu filho fosse igual
vocês”, desabafou. “O moleque não sai do vídeo-game”.
“Complicado...”
“Fica matando pessoas naquela
porra, e não pensa em nada”, declarou.
“Ele tem quantos anos?”,
perguntei.
“17, tá no terceirão já, mas não
sei se vai chegar a algum lugar, o infeliz”, confessou.
“Foda”, comentei.
Ficamos em silêncio alguns
segundos, acendi um cigarro e ele continuou:
“Pior: o desgraçado não dá a
mínima para o meu esforço”, reclamou.
“Por quê?”
“Olhe para a minha perna”, disse,
levantando a calça e mostrando o fêmur fraturado. “Quebrei
trabalhando numa
construção civil”.
“Puta merda”
“É...”
Ninguém falou nada.
Para quê falar?
Eu nunca vivi algo parecido. Nem
Gaúcho – que estava mais preocupado em teclar em seu smartphone do que ouvi-lo.
O máximo que me acontecera foi uma fratura no punho da mão esquerda porque
estava andando em alta velocidade com minha bicicleta, e uma pedra me desequilibrou.
Na queda, bati a cabeça e fiquei três dias internado.
Coisa de criança cheia de
energia, que de alguma forma precisa gastá-la – nem que para isso vá ficar
recluso o fim de semana inteiro em um hospital.
Olhei para o relógio: eram 12h
30min. “Vamos embora, cara”, falei para Gaúcho.
“Quero ver vocês na Record ou na
Anhaguera ou na Serra Dourada”, falou.
Sorri.
Levantamos e fomos caminhando até
a faixa de pedestre.
Ainda teríamos muito a percorrer.
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