quinta-feira, 21 de julho de 2016

Decadência do endinheirado

Em um país como o nosso, mudanças econômicas e políticas vem e vão como um tsunami, pessoas morrem nas ruas por conta do frio excessivo e outras tantas suplicam por simples um pão francês. Alguns acham que o pão francês é um alimento crédulo. Comem-no todos os dias. E nem dão a devida importância. Todavia, ainda há quem deseje um pedaço desse pão comum pra mandar à barriga, no fim da tarde.

Ao longo de minha breve existência, conheci algumas pessoas que são consideradas integrantes da elite, dos privilegiados, dos que não tem a preocupação da maioria da população. São aqueles que não conhecem o labor, que caminham dentro de seus carros com o dinheiro que seus pais lhe deram – fruto do trabalho em algum órgão público. Ou, até mesmo, na direção de alguma empresa qualquer.

Lembro-me de um condomínio em Goiânia que fui uma vez. O Aldeia de Vale é o sonho dos endinheirados. É um condomínio residencial arquitetonicamente padronizado. Lá, tudo é igual. Na sala das casas, há um tapete que veio de algum lugar da Europa, um quadro que vale uma fortuna. Os moradores conseguiram tudo aquilo que o ritmo maçante da existência pode lhes fornecer. Na garagem, aquele carro que passa no comercial da TV. No final e no meio do ano viagens internacionais. Verdadeiro paraíso da ostentação e futilidade!

Em O discreto charme da burguesia, Luis Buñuel criticou os costumes dessa elite. No filme, os burgueses se reúnem numa sala para um jantar, que é constantemente interrompido por conta de devaneios surreais dos personagens.

No bar, o endinheirado ergueu a cerveja e sacramentou:

“Esse ano não irei pra Europa.”

Ninguém deu muita atenção. Afinal, estávamos entre proletários que contam as moedas pra beber um chopp honesto pós-trampo.

Pouco contende, o cara continuou sua verborragia.

“Quero conhecer o Brasil”, afirmou ele.

“O Brasil é muito rico mesmo”, constatou Zé.

“Cultura miscigenada”, concluí.

Levantei da mesa pra ir ao banheiro.

Quando voltei, eles estavam discorrendo sobre o privilégio dos endinheirados. Como não havia a probabilidade de sair correndo pela rua, sentei-me à mesa e ouvi aquele discurso cansativo e irreal.

“Tenho um piano lá em casa”, contou o endinheirado.

“Legal”, respondi, bebendo um trago de cerveja.

“Mas nem sei tocar”, avisou.

“Cê tem um piano, e não sabe tocar?”, indagou Zé.

“Sim”, respondeu o endinheirado, alegremente.

Permanecemos alguns minutos em silêncio. Zé acendeu um cigarro. Eu dei outro gole em minha cerveja. E o endinheirado, então, sugeriu:

“Vamos lá pra casa?”

“Agora?”, quis saber Zé.

“Fazer o quê?”, emendei.

”Cê tá com medo?”, perguntou o endinheirado, com o olhar direcionado a mim.

Fitei Zé, que me fitou.

Lembrei-me de uma conversa que tivemos no mesmo boteco. Zé, no ímpeto de sua retórica etílica, disse que o dinheiro vicia como cocaína. A frase entrou pela minha cabeça. E ficou martelando a estrutura de meu cérebro. Zé tinha razão: realmente, dinheiro vicia como cocaína.

Neste dia, enquanto caminhava pelas ruas à procura do último ônibus pra ir embora, pensei numa frase de Oscar Wilde. O autor de Retrato de Dorian Gray afirmou que os ricos “sabem o preço de tudo, mas desconhecem seus valores”.

Lord Wilde.

O endinheirado analisou nosso semblante. Provavelmente, ele chegara à conclusão de que não sairíamos daquele boteco humilde pra ir beber uma cerveja de vinte paus em seu condomínio – cujas regras e grades remetem-me ao período mais triste e truculento da humanidade.

Prefiro ficar em meu bar de quebrado. Bem melhor.


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