Em um país como o nosso, mudanças
econômicas e políticas vem e vão como um tsunami, pessoas morrem nas ruas por
conta do frio excessivo e outras tantas suplicam por simples um pão francês. Alguns acham que o pão francês é um alimento crédulo. Comem-no todos os dias. E
nem dão a devida importância. Todavia, ainda há quem deseje um pedaço desse pão
comum pra mandar à barriga, no fim da tarde.
Ao longo de minha breve
existência, conheci algumas pessoas que são consideradas integrantes da elite,
dos privilegiados, dos que não tem a preocupação da maioria da população. São
aqueles que não conhecem o labor, que caminham dentro de seus carros com o
dinheiro que seus pais lhe deram – fruto do trabalho em algum órgão público.
Ou, até mesmo, na direção de alguma empresa qualquer.
Lembro-me de um condomínio em
Goiânia que fui uma vez. O Aldeia de Vale é o sonho dos endinheirados. É um
condomínio residencial arquitetonicamente padronizado. Lá, tudo é igual. Na
sala das casas, há um tapete que veio de algum lugar da Europa, um quadro que
vale uma fortuna. Os moradores conseguiram tudo aquilo que o ritmo maçante da
existência pode lhes fornecer. Na garagem, aquele carro que passa no comercial
da TV. No final e no meio do ano viagens internacionais. Verdadeiro paraíso da
ostentação e futilidade!
Em O discreto charme da burguesia, Luis Buñuel criticou os costumes
dessa elite. No filme, os burgueses se reúnem numa sala para um jantar, que é
constantemente interrompido por conta de devaneios surreais dos personagens.
No bar, o endinheirado ergueu a
cerveja e sacramentou:
“Esse ano não irei pra Europa.”
Ninguém deu muita atenção.
Afinal, estávamos entre proletários que contam as moedas pra beber um chopp
honesto pós-trampo.
Pouco contende, o cara continuou
sua verborragia.
“Quero conhecer o Brasil”,
afirmou ele.
“O Brasil é muito rico mesmo”,
constatou Zé.
“Cultura miscigenada”, concluí.
Levantei da mesa pra ir ao
banheiro.
Quando voltei, eles estavam
discorrendo sobre o privilégio dos endinheirados. Como não havia a
probabilidade de sair correndo pela rua, sentei-me à mesa e ouvi aquele
discurso cansativo e irreal.
“Tenho um piano lá em casa”,
contou o endinheirado.
“Legal”, respondi, bebendo um
trago de cerveja.
“Mas nem sei tocar”, avisou.
“Cê tem um piano, e não sabe
tocar?”, indagou Zé.
“Sim”, respondeu o endinheirado,
alegremente.
Permanecemos alguns minutos em
silêncio. Zé acendeu um cigarro. Eu dei outro gole em minha cerveja. E o
endinheirado, então, sugeriu:
“Vamos lá pra casa?”
“Agora?”, quis saber Zé.
“Fazer o quê?”, emendei.
”Cê tá com medo?”, perguntou o
endinheirado, com o olhar direcionado a mim.
Fitei Zé, que me fitou.
Lembrei-me de uma conversa que
tivemos no mesmo boteco. Zé, no ímpeto de sua retórica etílica, disse que o
dinheiro vicia como cocaína. A frase entrou pela minha cabeça. E ficou
martelando a estrutura de meu cérebro. Zé tinha razão: realmente, dinheiro
vicia como cocaína.
Neste dia, enquanto caminhava
pelas ruas à procura do último ônibus pra ir embora, pensei numa frase de Oscar
Wilde. O autor de Retrato de Dorian Gray
afirmou que os ricos “sabem o preço de tudo, mas desconhecem seus valores”.
Lord Wilde.
O endinheirado analisou nosso
semblante. Provavelmente, ele chegara à conclusão de que não sairíamos daquele
boteco humilde pra ir beber uma cerveja de vinte paus em seu condomínio – cujas
regras e grades remetem-me ao período mais triste e truculento da humanidade.
Prefiro ficar em meu bar de quebrado. Bem melhor.
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