Escrevo. Quê mal há nisso? Jorro
palavras no papel. Tenho de livrar-me do delírio cotidiano. Se um homem escreve
para conseguir fama não deve o fazer, nunca.
Paramos no primeiro bar. Raphael
queria beber uma cerveja. Eu também queria beber uma cerva. Estava frio. Porém,
uma cerva sempre é bem-vinda. Não importam as condições climáticas.
O termômetro deveria marcar uns
18 graus – às 23h. Pra Goiânia, era frio demais.
“Aqui fica aberto até que
horas?”, Raphael perguntou para o garçom.
“Daqui a pouco tá fechando, já”,
respondeu ele, sem nos dar muita atenção.
“Porra”, resmunguei. “O cara nem
quer atender a gente.”
Demos às costas.
Retornamos à rua. O céu estava
estrelado. Fiquei imaginando-o, em Salto Corumbá. Simplesmente extraordinário.
Numa localidade dessas, a única preocupação é com a barraca. Temos de montá-la
antes de engatar na birita. Lembro-me de um cagaço que passei, em Sato Corumbá,
ano passado. A gente passou o dia todo bebendo. Aí, quando fomos armar a
barraca estávamos trôpegos. Tivemos de pedir ajuda prum cara, por sinal, gente
boa, que estava ao lado.
Dobramos a esquina. Nada, nem a
merda de um bar qualquer. Prosseguimos nossa peregrinação alcoólica. À noite,
um homem precisa de um bar. É o melhor que pode lhe acontecer. Às vezes, um
puteiro também ajuda. Já fui à puteiros algumas vezes. Mas enjoei-me fácil,
fácil. Não conseguia ter aquela tradicional conversa pós-coito. Era tudo muito
fático e superficial.
Puta merda, cara, veio-me à mente
uma confissão de uma prostituta. Enquanto transávamos, eu tive a ideia de
chupá-la. Dito e feito. Caí de cara. Lambi, chupei; e ela agarrava-me o cabelo
e gemia.
“Ninguém nunca tinha feito isso”,
declarou ela.
“Sério?”
“Sim”, ela se apressou em
responder. “Eles têm o reportório formulado em mente. Aí, chegam aqui, tiram o
pau e...”
“E é a mesma coisa?”, respondi,
com outra pergunta.
Eu sabia que ela não estava sendo
totalmente sincera comigo. Mas cá entre nós, meu camarada: qual puta é sincera?
A função do trabalho dela é deixar os machos com o ego calibrado. Se o cara
foder mal, por exemplo, ela não vai expô-lo.
Imagine:
“Tu trepa mal, viu.”
“Como assim.”
“Seguinte, José: cê é muito
apressado. Não sabe fazer nada. Nem minha bucetinha cê chupou.”
“Porra, Amanda.”
“Não tem nada de ‘porra’ não.”
Não dá.
Após andarmos umas duas quadras,
encontramos um bar aberto. Eram 0h e 30.
Raphael alardeou:
“Graças a Deus tem um bar
aberto.”
“Tua esperança é um bar?”,
ruminei, sorrindo.
“A esperança de todos, né.”
“É.”
“Mas eu não agradeço só por isso,
não”, justificou.
Mais uma vez. Lá estávamos: no
bar. Todo final de semana, desemboco-me no boteco e só saio, no domingo. Na
segunda-feira vem à tremedeira. Eventualmente, tenho ressaca moral. É um Deus
nos acuda. Penso em largar a boemia, em ter uma namorada, em constituir uma
família – depois de terminar a faculdade -, em arrumar um trampo, em parar de
fumar, em trocar de curso. Mas, em seguida, esse tipo de pensamento vai embora
das profundezas de minha psique. E este miserável cronista volta à
vagabundagem.
When the music´s over.
Sábio Raphael – o cara sabe das
coisas, sabe o momento certo de colocar uma música pra tocar. Ele tem alma de
artista. E, assim como Hunter Thompson, acredita que a música certa pode fazer
um carro funcionar de madrugada, sem uma gota de gasolina no tanque.
Uma vez a gente foi embora do
campus V da PUC num Pointer precário. O carro esfumaçava, e Raphael fumava um
palheiro, tomado pelo desespero. “Certeza que os cara (Bukowski e Hunter Thompson, especificamente) dirigiam assim.” Sem
dúvida.
Em outra ocasião, o Pointer
morreu no cruzamento da Fuad Rassi, na Vila Jaraguá, perto do Bretas, e quem
disse que a porra do motor dava partida? Tive de descer e empurrar.
No rádio, Doors ecoava nas
alturas.
Raphael é a melhor companhia que
você pode ter quando estiver bêbado ou sem grana. Foram inúmeros galhos
quebrados. Moedas emprestadas, bebedeiras homéricas sem um vintém sequer. Calotes
em bares safados. Raphael é a mistura da sanidade filosófica boemia, com a
irresponsabilidade que lhe marca a personalidade.
Meu camarada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário