sábado, 2 de julho de 2016

Dean Moriarty do Cerrado

Escrevo. Quê mal há nisso? Jorro palavras no papel. Tenho de livrar-me do delírio cotidiano. Se um homem escreve para conseguir fama não deve o fazer, nunca.

Paramos no primeiro bar. Raphael queria beber uma cerveja. Eu também queria beber uma cerva. Estava frio. Porém, uma cerva sempre é bem-vinda. Não importam as condições climáticas.

O termômetro deveria marcar uns 18 graus – às 23h. Pra Goiânia, era frio demais.

“Aqui fica aberto até que horas?”, Raphael perguntou para o garçom.

“Daqui a pouco tá fechando, já”, respondeu ele, sem nos dar muita atenção.

“Porra”, resmunguei. “O cara nem quer atender a gente.”

Demos às costas.

Retornamos à rua. O céu estava estrelado. Fiquei imaginando-o, em Salto Corumbá. Simplesmente extraordinário. Numa localidade dessas, a única preocupação é com a barraca. Temos de montá-la antes de engatar na birita. Lembro-me de um cagaço que passei, em Sato Corumbá, ano passado. A gente passou o dia todo bebendo. Aí, quando fomos armar a barraca estávamos trôpegos. Tivemos de pedir ajuda prum cara, por sinal, gente boa, que estava ao lado.

Dobramos a esquina. Nada, nem a merda de um bar qualquer. Prosseguimos nossa peregrinação alcoólica. À noite, um homem precisa de um bar. É o melhor que pode lhe acontecer. Às vezes, um puteiro também ajuda. Já fui à puteiros algumas vezes. Mas enjoei-me fácil, fácil. Não conseguia ter aquela tradicional conversa pós-coito. Era tudo muito fático e superficial.

Puta merda, cara, veio-me à mente uma confissão de uma prostituta. Enquanto transávamos, eu tive a ideia de chupá-la. Dito e feito. Caí de cara. Lambi, chupei; e ela agarrava-me o cabelo e gemia.

“Ninguém nunca tinha feito isso”, declarou ela.

“Sério?”

“Sim”, ela se apressou em responder. “Eles têm o reportório formulado em mente. Aí, chegam aqui, tiram o pau e...”

“E é a mesma coisa?”, respondi, com outra pergunta.

Eu sabia que ela não estava sendo totalmente sincera comigo. Mas cá entre nós, meu camarada: qual puta é sincera? A função do trabalho dela é deixar os machos com o ego calibrado. Se o cara foder mal, por exemplo, ela não vai expô-lo.

Imagine:

“Tu trepa mal, viu.”

“Como assim.”

“Seguinte, José: cê é muito apressado. Não sabe fazer nada. Nem minha bucetinha cê chupou.”

“Porra, Amanda.”

“Não tem nada de ‘porra’ não.”

Não dá.

Após andarmos umas duas quadras, encontramos um bar aberto. Eram 0h e 30.

Raphael alardeou:

“Graças a Deus tem um bar aberto.”

“Tua esperança é um bar?”, ruminei, sorrindo.

“A esperança de todos, né.”

“É.”

“Mas eu não agradeço só por isso, não”, justificou.

Mais uma vez. Lá estávamos: no bar. Todo final de semana, desemboco-me no boteco e só saio, no domingo. Na segunda-feira vem à tremedeira. Eventualmente, tenho ressaca moral. É um Deus nos acuda. Penso em largar a boemia, em ter uma namorada, em constituir uma família – depois de terminar a faculdade -, em arrumar um trampo, em parar de fumar, em trocar de curso. Mas, em seguida, esse tipo de pensamento vai embora das profundezas de minha psique. E este miserável cronista volta à vagabundagem.

When the music´s over.

Sábio Raphael – o cara sabe das coisas, sabe o momento certo de colocar uma música pra tocar. Ele tem alma de artista. E, assim como Hunter Thompson, acredita que a música certa pode fazer um carro funcionar de madrugada, sem uma gota de gasolina no tanque.      

Uma vez a gente foi embora do campus V da PUC num Pointer precário. O carro esfumaçava, e Raphael fumava um palheiro, tomado pelo desespero. “Certeza que os cara (Bukowski e Hunter Thompson, especificamente) dirigiam assim.” Sem dúvida.

Em outra ocasião, o Pointer morreu no cruzamento da Fuad Rassi, na Vila Jaraguá, perto do Bretas, e quem disse que a porra do motor dava partida? Tive de descer e empurrar.

No rádio, Doors ecoava nas alturas.

Raphael é a melhor companhia que você pode ter quando estiver bêbado ou sem grana. Foram inúmeros galhos quebrados. Moedas emprestadas, bebedeiras homéricas sem um vintém sequer. Calotes em bares safados. Raphael é a mistura da sanidade filosófica boemia, com a irresponsabilidade que lhe marca a personalidade. 

Meu camarada.

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