terça-feira, 29 de março de 2016

Rock se faz com lirismo e poesia

O Martin Cererê estava lotado. Havia gente por todos os lados. A dualidade Dionisíaca e Apolínea não era encontrada na estética das bandas. Aproximadamente 150 pessoas foram conferir os cinco grupos que se apresentaram na última quinta-feira, 24, no festival Goiânia Rock City.

Quando os Sheena Ye caminharam em direção ao palco, milhares de pessoas dirigiram-se ao teatro. Mandaram o primeiro acorde. Era um punk-rock clássico, com a linha de baixo alta e presente, guitarras com riff pesado e monótono. Pelo menos, os Sheena Ye faziam bem aquilo se propunham: som pesado, com pegadas à lá Punk e Pós-punk inglês.

“Que som repetitivo”, constatei a Gabriel.

“Verdade”, disse ele. “Percebi.”

“Punk, né”, redargui. “Todo Punk é repetitivo.”

“Aham”, respondeu de forma fática.

Levei um cigarro à boca. E sentei num banco que encontrara próximo ao bar. Aproveitei o momento para beber uma cerveja. Quando me dirigi ao balcão, assustei-me com o preço: R$ 5,00 a Heineken. A Kaiser estava mais barata: R$ 3,50. Levei as mãos ao bolso da camisa, e encontrei apenas uma cédula de R$ 10,00.

Aproximei-me do cara que comandava o bar, e disse:

“Cê não tem um Cantina da Serra, não?”

“Vinho?”, respondeu ele, com outra pergunta.

“Sim”, assenti, balançando a cabeça e chamando-o, mentalmente, de “babaca”.

“Não”, sussurrou. “A gente não vende vinho aqui.”

“Porra”, resmunguei. “Me dá uma breja, então.”

“Qual?”, desejou saber.

“Kaiser”, falei.

Retornei à mesa. Acendi outro cigarro. E esperei alguns minutos. Percebi um fluxo de pessoas indo em direção ao teatro para ver o próximo show. Eram os Chimpanzés de Gaveta, cuja apresentação estava marcada às 21h. Fiquei sentado no bar, bebericando meu cantil de uísque e observando aquele movimento.

“E essa nova banda?”, questionou Gabriel.

“Sei lá, bicho”, respondi.

Entre tragos e tragadas, um sujeito com cabelos ao estilo Jimi Hendrix, que vestia uma camiseta do The Wall do Floyd, e outras pessoas chegaram à mesa. E, logo, tiraram um baralho do bolso. Ficamos jogando truco e conversa fora. De repente, sumiram. Provavelmente, foram ver o show.

Uma garota atraente, com longos e sinuosos cabelos loiros, perguntou se podia pegar a cadeira de nossa mesa.

"Pode", indagou, apontando para a cadeira.

“Não tem ninguém aqui, não”, afirmei.

“Ah, tá”, disse. “Obrigada”, agradeceu, linda e educadamente.

Ela abrira um sorriso. Lábios beijáveis e lascivos, pensei. Ruminei uma piada, e desisti. Pareceu-me infeliz e inoportuna para o momento. Mais uma vez, beberiquei meu uísque.  Eu encontrava-me levemente embriagado, já. Por acaso, lembrei-me de um verso de Charles Baudelaire: “Embriagar-se é preciso,.” Mais de um século depois, este versos fora musicado pelo Barão Vermelho e lançado no álbum homônimo, de 2004.

Expoente da poesia em prosa do século XIX, o francês escrevera um livro de ensaios, intitulado Paraísos artificiais: O haxixe, o ópio e o vinho. Além de ser um consumidor assíduo de absinto – a fada verde – e outros entorpecentes, Baudelaire mudara a estética da poesia moderna. Simbolista, o poeta francês Paul Velary disse que Flores do Mal está ausente de engajamento político, mas encontram-se música e sensualidade na obra. “As descrições, escassas, são sempre densas de significado. Mas no livro tudo é fascinação, música, sensualidade abstrata e poderosa”, discorreu o poeta e colga de Baudelaire.

Peguei meu velho e precário LG, e olhei a hora.  Era 22h e 30 mim. Daqui trinta minutos, Overfuzz subirá ao palco para mostrar à plateia seu trabalho. Bem, dizem que o som dos caras é interessante. Sinceramente, nem estou a fim de vê-los.

“Aonde é o banheiro?”, perguntei a Gabriel.

“Só ir reto”, disse ele.

Segui na direção indicada. Andei um pouco, e encontrei-o. Acendi um cigarro. Fumei-o e prestei atenção na conversa alheia.

“A próxima banda é do satã”, alardeou um sujeito, cuja veste o denunciara.

Ressonância Mórfica vai subir ao palco à 0h. Era 23h e 57 min.

Voltei à mesa. Já era mais de 0h, e não encontrei ninguém. Fui para dentro do teatro. Realmente, o som era pesado. Parecia que a estrutura iria desabar. E o cara gritava ao microfone umas coisas muito esquisitas. Na verdade, eu nem o entendia. E os fãs dele aparentavam serem todos estranhos, com feição fechada e postura neonazista. Talvez eu tivesse em algum devaneio alcoólico e canábico. Sem compaixão, fui praticamente empurrado para dentro do teatro para “prestigiá-los”. Confesso que quase mandei um cara ir à merda, mas achei melhor manter-me em silêncio, após fitá-lo.

Saí de lá. Respirei ar puro. Três caras conversavam sobre rock and roll. Um deles disse que os Stones eram a melhor banda do mundo. Inteirei-me da conversa, e escutei:

“Stones é foda, sim”, disse um sujeito, que estava com uma camiseta cuja capa era o LP L.A Woman do Doors.

“Meu”, eu disse. “Essa tua camiseta é, simplesmente, do caralho.”

“Massa, né”, disse.

“Sim”, respondi. “Sou fã de Doors. Morrison era um vocalista do caralho.”

“Ele tinha uma puta presença de palco”, emendou.

“Não só presença de palco”, alardeei, embriagado e tentando manter-me em pé. “Morrison era poeta, cineasta. O Doors, na verdade, misturou uma porrada de elementos que os transformaram em uma das bandas mais fodas da história do rock”, discorri.

“E ele era fã de William Blake”, continuou o cara, em sua retórica igualmente bêbada e roqueira.

“E de Rimbaud, Artuad e outros gênios”, completei.

1h.

Os Mechanics de Goiânia, que segundo o vocalista é “uma banda com nome e sobrenome”, já estavam no palco.

Entrei no teatro.

Sentei no lugar mais escondido que encontrei.

Eles tocavam um som que se aproximava do hard rock americano de AC/DC e Aerosmith. Os riffs eram sincronizados. E os guitarristas, também. A música dos Mechanics tinha seus atributos. Quando acabou a passagem de som, o vocalista disse, em tom efusivo: “Só canto se tiver mais cerveja”. E eu vociferei um “vá toma no cu, seu filha da puta”.

“Não existe rock and roll sem sangue, e vocês devem saber disso”, gritou o vocalista, bêbado, confirmando minha premonição de que o ambiente era, de fato, meio esquisito. Fiquei com medo da verborragia desse demente. Até a aparência dele era assustadora. Cabelo meio grisalho. Camisa social preta, que escondia a barriga de cerveja.

Parei em frente ao Martim. Comprei um latão de Antarctica e dei um longo gole.

“Me vê um palheiro”, pedi para um senhor, que estava na porta.

Ele os esticou. Entreguei-lhe uma moeda de R$1. Agradeci e fui embora.  

Rock não se faz com sangue. Rock se faz com poesia e lirismo. Doors está aí e não me deixa mentir. 

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