O Martin Cererê estava lotado. Havia gente por todos os
lados. A dualidade Dionisíaca e Apolínea não era encontrada na estética das
bandas. Aproximadamente 150 pessoas foram conferir os cinco grupos que se
apresentaram na última quinta-feira, 24, no festival Goiânia Rock City.
Quando os Sheena Ye caminharam em direção ao palco, milhares
de pessoas dirigiram-se ao teatro. Mandaram o primeiro acorde. Era um punk-rock
clássico, com a linha de baixo alta e presente, guitarras com riff pesado e
monótono. Pelo menos, os Sheena Ye faziam bem aquilo se propunham: som pesado,
com pegadas à lá Punk e Pós-punk inglês.
“Que som repetitivo”, constatei a Gabriel.
“Verdade”, disse ele. “Percebi.”
“Punk, né”, redargui. “Todo Punk é repetitivo.”
“Aham”, respondeu de forma fática.
Levei um cigarro à boca. E sentei num banco que encontrara
próximo ao bar. Aproveitei o momento para beber uma cerveja. Quando me dirigi
ao balcão, assustei-me com o preço: R$ 5,00 a Heineken. A Kaiser estava mais
barata: R$ 3,50. Levei as mãos ao bolso da camisa, e encontrei apenas uma
cédula de R$ 10,00.
Aproximei-me do cara que comandava o bar, e disse:
“Cê não tem um Cantina da Serra, não?”
“Vinho?”, respondeu ele, com outra pergunta.
“Sim”, assenti, balançando a cabeça e chamando-o,
mentalmente, de “babaca”.
“Não”, sussurrou. “A gente não vende vinho aqui.”
“Porra”, resmunguei. “Me dá uma breja, então.”
“Qual?”, desejou saber.
“Kaiser”, falei.
Retornei à mesa. Acendi outro cigarro. E esperei alguns
minutos. Percebi um fluxo de pessoas indo em direção ao teatro para ver o
próximo show. Eram os Chimpanzés de Gaveta, cuja apresentação estava marcada às 21h.
Fiquei sentado no bar, bebericando meu cantil de uísque e observando aquele movimento.
“E essa nova banda?”, questionou Gabriel.
“Sei lá, bicho”, respondi.
Entre tragos e tragadas, um sujeito com cabelos ao estilo
Jimi Hendrix, que vestia uma camiseta do The
Wall do Floyd, e outras pessoas chegaram à mesa. E, logo, tiraram um
baralho do bolso. Ficamos jogando truco e conversa fora. De repente, sumiram. Provavelmente,
foram ver o show.
Uma garota atraente, com longos e sinuosos cabelos loiros,
perguntou se podia pegar a cadeira de nossa mesa.
"Pode", indagou, apontando para a cadeira.
“Não tem ninguém aqui, não”, afirmei.
“Ah, tá”, disse. “Obrigada”, agradeceu, linda e
educadamente.
Ela abrira um sorriso. Lábios beijáveis e lascivos, pensei.
Ruminei uma piada, e desisti. Pareceu-me infeliz e inoportuna para o momento.
Mais uma vez, beberiquei meu uísque. Eu
encontrava-me levemente embriagado, já. Por acaso, lembrei-me de um verso de
Charles Baudelaire: “Embriagar-se é preciso,.” Mais
de um século depois, este versos fora musicado pelo Barão Vermelho e lançado
no álbum homônimo, de 2004.
Expoente da poesia em prosa do século XIX, o francês
escrevera um livro de ensaios, intitulado Paraísos
artificiais: O haxixe, o ópio e o vinho. Além de ser um consumidor assíduo
de absinto – a fada verde – e outros entorpecentes, Baudelaire mudara a
estética da poesia moderna. Simbolista, o poeta francês Paul Velary disse que Flores do Mal está ausente de
engajamento político, mas encontram-se música e sensualidade na obra. “As
descrições, escassas, são sempre densas de significado. Mas no livro tudo é
fascinação, música, sensualidade abstrata e poderosa”, discorreu o poeta e
colga de Baudelaire.
Peguei meu velho e precário LG, e olhei a hora. Era 22h e 30 mim. Daqui trinta minutos, Overfuzz
subirá ao palco para mostrar à plateia seu trabalho. Bem, dizem que o som dos
caras é interessante. Sinceramente, nem estou a fim de vê-los.
“Aonde é o banheiro?”, perguntei a Gabriel.
“Só ir reto”, disse ele.
Segui na direção indicada. Andei um pouco, e encontrei-o.
Acendi um cigarro. Fumei-o e prestei atenção na conversa alheia.
“A próxima banda é do satã”, alardeou um sujeito, cuja veste
o denunciara.
Ressonância Mórfica vai subir ao palco à 0h. Era 23h e 57
min.
Voltei à mesa. Já era mais de 0h, e não encontrei ninguém.
Fui para dentro do teatro. Realmente, o som era pesado. Parecia que a estrutura
iria desabar. E o cara gritava ao microfone umas coisas muito esquisitas. Na verdade, eu nem o entendia. E os fãs dele aparentavam serem todos estranhos,
com feição fechada e postura neonazista. Talvez eu tivesse em algum devaneio
alcoólico e canábico. Sem compaixão, fui praticamente empurrado para dentro do
teatro para “prestigiá-los”. Confesso que quase mandei um cara ir à merda, mas
achei melhor manter-me em silêncio, após fitá-lo.
Saí de lá. Respirei ar puro. Três caras conversavam sobre
rock and roll. Um deles disse que os Stones eram a melhor banda do mundo. Inteirei-me
da conversa, e escutei:
“Stones é foda, sim”, disse um sujeito, que estava com uma
camiseta cuja capa era o LP L.A Woman
do Doors.
“Meu”, eu disse. “Essa tua camiseta é, simplesmente, do
caralho.”
“Massa, né”, disse.
“Sim”, respondi. “Sou fã de Doors. Morrison era um vocalista
do caralho.”
“Ele tinha uma puta presença de palco”, emendou.
“Não só presença de palco”, alardeei, embriagado e tentando
manter-me em pé. “Morrison era poeta, cineasta. O Doors, na verdade, misturou
uma porrada de elementos que os transformaram em uma das bandas mais fodas da
história do rock”, discorri.
“E ele era fã de William Blake”, continuou o cara, em sua
retórica igualmente bêbada e roqueira.
“E de Rimbaud, Artuad e outros gênios”, completei.
1h.
Os Mechanics de Goiânia, que segundo o vocalista é “uma
banda com nome e sobrenome”, já estavam no palco.
Entrei no teatro.
Sentei no lugar mais escondido que encontrei.
Eles tocavam um som que se aproximava do hard rock americano
de AC/DC e Aerosmith. Os riffs eram sincronizados. E os guitarristas, também. A
música dos Mechanics tinha seus atributos. Quando acabou a passagem de som, o
vocalista disse, em tom efusivo: “Só canto se tiver mais cerveja”. E eu
vociferei um “vá toma no cu, seu filha da puta”.
“Não existe rock and roll sem sangue, e vocês devem saber
disso”, gritou o vocalista, bêbado, confirmando minha premonição de que o
ambiente era, de fato, meio esquisito. Fiquei com medo da verborragia desse demente. Até a aparência dele era assustadora. Cabelo meio grisalho.
Camisa social preta, que escondia a barriga de cerveja.
Parei em frente ao Martim. Comprei um latão de Antarctica e
dei um longo gole.
“Me vê um palheiro”, pedi para um senhor, que estava na
porta.
Ele os esticou. Entreguei-lhe uma moeda de R$1. Agradeci e
fui embora.
Rock não se faz com sangue. Rock se faz com poesia e
lirismo. Doors está aí e não me deixa mentir.
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