terça-feira, 8 de março de 2016

Tragédia moderna

Jim Morrison. 
“This is the end”, cantava o cantor e poeta Jim Morrison. Morto em 1971, aos 27 anos, a vida do astro do The Doors é uma tragédia moderna. Ele escreveu. Encheu a cara. E no final da vida radicou-se em Paris com a propósito de dedicar-se à poesia e livrar-se do álcool. Morrison morrera em 3 de julho de 1971, em circunstâncias misteriosas. Apenas sua namorada, Pamela Courson, viu seu corpo ser enterrado. 

O tecladista Ray Manzarek, colega de Morrison na UCLA (Universidade da Califórnia), relata que o encontrou à beira mar, em Venice, Los Angeles, com um caderno em mãos. Ao aproximar-se dele, percebera que haviam vários poemas rabiscados. A pedido de Manzarek, Morrison leu “Moonlight Drive”. O tecladista, imediatamente, reagiu: “Nós temos que formar uma banda e ganhar um milhão de dólares, cara”. Alguns meses depois, eles já eram famosos no circuito underground de Los Angeles.

Em 1967, lançaram o primeiro álbum. The Doors contava com letras que retratavam morte, violência, fim e loucura. “Light my fire”, sem dúvida, tornou-se um hit estrondoso em versão editada para single. Originalmente, a música tinha sete minutos e exibia o charme do The Doors: os longos e sinuosos riffs de teclados. “The End”, o pesadelo sonoro edipiano de onze minutos, em que Morrison diz que vai matar o pai e foder a mãe, encerra o disco. E em Break on Throught, eles anunciavam que iriam quebrar as regras, neste rock com batidas de bossa-nova.

Stranger Days. Waiting for the sun. The Soft Parade. Morrison Hotel. L.A Woman. O The Doors sacudira a sociedade de consumo estadunidense, em seus discos e apresentações. Em Ninguém sai daqui vivo, o jornalista Jerry Hopkins relata que o som do Doors, para o vocalista, era como se fosse uma catarse. “É um som para quem se sente diferente”, dizia o vocalista.

Em 1969, após ser preso por exposição indecente, Morrison concedeu entrevista a Hopkins. Durante o diálogo, eles falaram sobre poesia, música e como o vocalista/poeta tratava os limites de sua arte. A entrevista foi publicada pela Rolling Stone.

Confira:

Os Beatles e outros artistas parecem ter voltado às raízes, ao som básico... 
Sim, o country e o blues, é isso. As pessoas têm esses novos poços de informação e ideias, e isso foi bem longe. E, um dia, parou. Então, agora as pessoas estão voltando a esta forma básica de música. Obviamente, haverá uma nova síntese – provavelmente daqui a dois ou três anos. O ciclo parece ter essa duração; essa é a duração de uma geração agora.

Você quer dizer uma nova síntese entre o country e o blues? 
Não sei, cara. O rock era isso, country e blues. Há muitos outros elementos dos quais as pessoas ficaram cientes, como música indiana, oriental, africana e eletrônica. Provavelmente seria uma síntese disso, uma síntese muito louca. Acho que, nos Estados Unidos, voltamos ao blues e country porque são nossas duas formas de música nativas. Sabe o que pode acontecer? As grandes mentes musicais que tratavam de coisas clássicas podem entrar em áreas populares.

Você já tocou algum instrumento musical? 
Quando era criança, tentei piano por um tempo, mas não tinha disciplina para continuar. Tentei por uns meses. Acho que cheguei até o livro do terceiro nível.

Tem vontade de tocar um instrumento hoje? 
Na verdade, não. Toco maracas. Consigo tocar algumas músicas no piano. Só minhas invenções, então não é realmente música; é barulho. Consigo tocar uma, mas ela só tem duas mudanças, dois acordes, então é bem básica. Realmente gostaria de conseguir tocar guitarra, mas não tenho o sentimento necessário.

Como foi o começo do The Doors na gravadora Elektra? 
A Elektra na época era nova na cena do rock. Tinha o Love e a Paul Butterfield Band, que estava mais no blues e folk. O Love era a primeira banda de rock com potencial da Elektra para o mercado de singles, já que a Elektra era predominantemente uma gravadora de álbuns. Depois de contratar o Love, o presidente da empresa [Jac Holzman] nos ouviu tocar no Whisky a Go Go. Acho que ele me contou uma vez que não gostou. Ele voltou outras vezes e enfim todos na gravadora estavam convencidos de que faríamos muito sucesso. Então, nos contratou.

É verdade que você gostaria de voltar aos tempos que a banda tocava no Whisky a Go Go? 
Só digo que algumas das melhores viagens musicais que fizemos foram em clubes pequenos. Grandes shows são ótimos, mas entram em um fenômeno de multidão que realmente não tem muito a ver com a música. Em um clube, a atmosfera é diferente. Eles podem ver você suar e você consegue vê-los. E há muito menos bobagem. Em um show em estádio, você reúne muita gente e não importa tanto o que faz. Em um clube, tem de empolgar as pessoas só com a música. Se não der certo, todos percebem.

É mais difícil fracassar em um grande show? 
É quase impossível. Há a simples empolgação de estar no evento, aquela massa de gente se misturando, isso gera um tipo de eletricidade. É empolgante, mas não é exatamente sobre música. É histeria em massa.

Você já me disse que, tocando em locais menores, há a chance de compor, algo difícil quando se está em uma turnê de grandes shows. 
Certo. Além disso, gosto de trabalhar. Não há nada mais divertido do que tocar música para uma plateia. Dá para improvisar nos ensaios, mas é meio que uma atmosfera morta. Não há retorno do público. Não há tensão, na verdade, porque em um clube, com um público pequeno, você fica livre para fazer qualquer coisa. Ainda existe a obrigação de ser bom, então você não consegue ficar realmente solto; há gente olhando. Então, há essa tensão linda. Há liberdade e, ao mesmo tempo, uma obrigação de tocar bem. Posso trabalhar o dia inteiro, voltar para casa, tomar banho, trocar de roupa e fazer duas ou três apresentações no Whisky, cara, e amo isso. Amo a performance no palco do mesmo jeito que um atleta ama correr para se manter em forma.

Vocês conseguem criar algo quando improvisam? 
Sim. Veja, precisávamos de outra música para este álbum [The Soft Parade]. Estávamos queimando neurônios tentando pensar em algo. Estávamos no estúdio, então começamos a tocar várias músicas antigas. Viagens de blues. Clássicos do rock. Finalmente, começamos a tocar por uma hora. Passamos por toda a história do rock – começando com o blues, pelo rock and roll, surf music, música latina, tudo. E saiu algo. Eu a chamo de “Rock Is Dead”. Duvido que alguém escute um dia. [N.R.: “Rock Is Dead” finalmente foi lançada em The Doors Box Set (1997) ]

Recentemente foi divulgado que você havia dito que o rock estava morto. É algo em que você realmente acredita? 
É como o que falamos antes. Falei algo sobre o movimento de volta às raízes. A chama inicial se apagou. A coisa que chamam de “rock and roll” ficou decadente. Daí houve uma ressurreição do estilo promovida pelos ingleses. Aquilo foi muito longe, foi articulado. Depois, ficou olhando para si próprio, o que, acho, é a morte. O rock and roll ficou com vergonha de si, sem evoluir, e se tornou algo meio incestuoso. A energia acabou. Não existe mais uma crença.

Como reage ao que escrevem a seu respeito? 
Bem, eu pergunto: há uma coisa pior do que uma foto muito ruim? Uma foto pode fazer qualquer pessoa parecer um anjo, bobo, demônio, uma não entidade. Muito disso vem por acaso; muito é malícia e também idolatria. Uma foto ruim pode te dar vários momentos de perda psíquica real. Você sabe que não é você, mas alguém escolheu te criticar daquela forma.

Você se imagina um roqueiro a vida toda? 
É difícil dizer. Talvez eu vire um executivo de uma empresa... Meio que gosto da imagem. Escritório grande. Secretária...

Nos três primeiros álbuns, o crédito de compositor em cada faixa ia para o The Doors, em vez de ir para os indivíduos. Mas sei que a partir de agora, com o novo The Soft Parade, os compositores individuais serão listados nos álbuns. Por quê? 
No começo, eu escrevia a maioria das canções, letra e música. Em cada álbum seguinte, Robby [Krieger, guitarrista] contribuiu com mais músicas, até que finalmente em The Soft Parade tudo está dividido praticamente igual entre nós dois. Temos uma visão muito diferente da realidade, argumentos diferentes, então senti que era hora. Somos uma parceria, sabe? Artisticamente e financeiramente. Dividimos por igual. No começo, muito foi em interesse coletivo, para manter tudo unido. Agora que a unidade não está mais tanto em risco, achei que era o momento de as pessoas saberem quem estava dizendo o quê. Então, este será o primeiro disco em que daremos créditos ao compositor e acho que continuaremos fazendo isso.

Como sua visão das coisas é diferente da de Robby? A dele é, digamos, mais romântica, ou o que é? 
Não sei bem. Você terá de descobrir sozinho. Não sei mesmo. Musicalmente, como guitarrista, ele é mais complexo – mudanças de acorde, lindas melodias e tal – e minha coisa está mais na veia do blues: longa, errante, básica e primitiva. É que a diferença entre dois poetas é muito grande. Em muitas músicas no começo, eu ou Robby vínhamos com a ideia básica, letras e melodia, mas depois todo o arranjo e a gestação real da canção aconteciam noite após noite, dia após dia, em ensaios ou nos clubes. Quando viramos uma banda de grandes shows, uma banda de discos, e quando fomos contratados para lançar tantos álbuns por ano, tantos singles a cada seis meses, aquele processo natural, espontâneo e gerador não teve a chance de acontecer como era no começo. Tivemos que realmente criar músicas no estúdio. O que começou a acontecer foi que Robby ou eu vínhamos com a canção e o arranjo já completos em nossa cabeça em vez de trabalhar lentamente naquilo.

Você já declarou que gosta de fazer as pessoas se levantarem da cadeira, mas não de criar intencionalmente uma situação caótica... 
A situação nunca ficou fora de controle, na verdade. É algo bem brincalhão, mesmo. Nós nos divertimos, a garotada se diverte, a polícia se diverte. É um triângulo meio estranho. Só pensamos em subir ao palco e tocar boa música. Às vezes, eu me empolgo e excito as pessoas um pouco, mas normalmente estamos ali tentando tocar boa música. É isso. Cada vez é diferente. Há diversos graus de febre no auditório esperando por você. Daí, você sobe ao palco e encontra essa onda de energia em potencial. Nunca sabe o que será.

O que você quer dizer com “às vezes, eu me empolgo e excito as pessoas um pouco”? 
Digamos que estava testando os limites da realidade. Estava curioso para ver o que aconteceria. Era só isso: mera curiosidade.

Como você testa os limites? 
Eu simplesmente tento levar a situação o mais longe possível.

E mesmo assim não sente, em momento algum, que as coisas saíram do controle? 
Nunca. Você tem de olhar para isso de maneira lógica. Se não houvesse policiais ali, alguém tentaria subir ao palco? O que eles fariam quando conseguissem? Quando sobem, ficam muito tranquilos, não vão fazer nada. O único incentivo para subir é porque há uma barreira. Se não houvesse barreira, não haveria incentivo. É isso. Acredito firmemente nisso. Sem incentivo, sem carga. Ação e reação. Pense nos shows gratuitos no parque. Nenhuma ação, nenhuma reação. Nenhum estímulo, nenhuma resposta. Só que é interessante, porque a garotada tem uma chance de testar os policiais. Você os vê hoje, andando com suas armas e uniformes, e o policial se porta como se fosse o homem mais durão do quarteirão, e todos ficam curiosos sobre o que exatamente aconteceria se você o desafiasse. O que ele vai fazer? Acho que é uma coisa boa, porque dá aos jovens uma chance de testar a autoridade.

Há uma citação atribuída a você que aparece muito na imprensa. Diz: “Estou interessado em qualquer coisa sobre revolta, desordem, caos...” 
“... especialmente atividade que pareça não ter significado.”

Isso, essa mesmo. É outro exemplo de manipulação da mídia? Você inventou essa frase para um jornalista? 
Sim, definitivamente, criei a frase, mas tem verdade nela também. Quem não fica fascinado com o caos? Só que é mais do que isso. Estou interessado em atividade que não tenha significado, e tudo o que quero dizer com isso é atividade livre. Tocar. Atividade que não tenha nada nela exceto o que é. Nenhuma repercussão. Nenhuma motivação. Atividade... livre. Acho que deveria haver um carnaval nos Estados Unidos, como o do Rio de Janeiro. Deveria haver uma semana de hilaridade nacional... uma pausa em todo trabalho, todos os negócios, toda discriminação, toda autoridade. Uma semana de liberdade total. Seria o começo. Claro, a estrutura de poder não seria realmente alterada, mas alguém nas ruas – não sei como o escolheriam, aleatoriamente, talvez – se tornaria o presidente. Outra pessoa seria o vice. Outras seriam senadores, deputados, no tribunal superior, policiais. Só duraria uma semana e, depois, voltaria ao que era antes. Acho que precisamos disso. É. Algo assim.

Tem algum tipo de ritual que você e os membros do The Doors fazem? 
Sim, existe um ritual no sentido de que usamos os mesmos acessórios e as mesmas pessoas e as mesmas formas repetidamente. A música definitivamente é um ritual, mas não acho que esteja esclarecendo o ritual ou acrescentando qualquer coisa a ele.

Você se vê indo mais em direção à poesia, à literatura em geral? 
É minha maior esperança, meu sonho.

E quando você começou a escrever poemas? 
Ah, acho que por volta da 5a ou 6a série escrevi um chamado “The Poney Express”. É o primeiro que me lembro. Era um desses poemas tipo balada. Só que nunca consegui terminar. Sempre quis escrever, mas sempre achei que só seria bom se a mão pegasse a caneta e começasse a se mexer sem eu ter algo a ver com aquilo. Como uma escrita automática. Escrevi outros, claro. Escrevi “Horse Latitudes” quando estava no ensino médio. Guardei muitos cadernos durante o ensino médio e a faculdade e, quando saí da escola por algum motivo estúpido – talvez sábio –, joguei tudo fora. Não consigo pensar em nada que mais adoraria ter agora do que aqueles cadernos perdidos. Estive pensando em ser hipnotizado ou tomar pentatol sódico para tentar lembrar, porque escrevi naqueles cadernos noite após noite. Só que, talvez se nunca os tivesse jogado fora, nunca teria escrito algo original – porque eram principalmente acúmulos de coisas que eu tinha lido ou ouvido, como citações de livros. Acho que, se nunca tivesse me livrado deles, nunca seria livre.

O que o atraiu na poesia? 
Acho que foi quem me ensinou a falar, a conversar. De verdade. Acho que foi a primeira vez em que aprendi a falar. Até o advento da linguagem, era o toque – comunicação não verbal.

Tenho a sensação de que muitas pessoas que militam no rock não têm muito ou nenhum respeito pela forma – quero dizer, de nunca admitirem ser cantores ou músicos de rock. Em vez disso, sempre dizem que são, na verdade, músicos de jazz ou cineastas... 
Sei o que você quer dizer. Mas acho que a maioria dos músicos e cantores de rock realmente gosta do que faz. Seria psicologicamente enervante só fazer isso para ganhar dinheiro. Acho que o que estraga tudo é a besteira dita pela imprensa, pelos colunistas de fofocas e revistas para fãs. Um baterista, vocalista ou guitarrista gosta do que está fazendo e, então, de repente, todos dizem alguma besteira estranha sobre a viagem do cara. Ele começa a duvidar de sua motivação. Sempre há um grupo que atrapalha a sensibilidade. Então, você tem uma leve sensação de vergonha e frustração no que está fazendo. É uma pena, de verdade. Queria poder ser mais específico, mas acho que você entende o que eu quero dizer.
verá uma nova síntese – provavelmente daqui a dois ou três anos. O ciclo parece ter essa duração; essa é a duração de uma geração agora.

Você quer dizer uma nova síntese entre o country e o blues? 
Não sei, cara. O rock era isso, country e blues. Há muitos outros elementos dos quais as pessoas ficaram cientes, como música indiana, oriental, africana e eletrônica. Provavelmente seria uma síntese disso, uma síntese muito louca. Acho que, nos Estados Unidos, voltamos ao blues e country porque são nossas duas formas de música nativas. Sabe o que pode acontecer? As grandes mentes musicais que tratavam de coisas clássicas podem entrar em áreas populares.

Você já tocou algum instrumento musical? 
Quando era criança, tentei piano por um tempo, mas não tinha disciplina para continuar. Tentei por uns meses. Acho que cheguei até o livro do terceiro nível.
Tem vontade de tocar um instrumento hoje? 
Na verdade, não. Toco maracas. Consigo tocar algumas músicas no piano. Só minhas invenções, então não é realmente música; é barulho. Consigo tocar uma, mas ela só tem duas mudanças, dois acordes, então é bem básica. Realmente gostaria de conseguir tocar guitarra, mas não tenho o sentimento necessário.

Como foi o começo do The Doors na gravadora Elektra? 
A Elektra na época era nova na cena do rock. Tinha o Love e a Paul Butterfield Band, que estava mais no blues e folk. O Love era a primeira banda de rock com potencial da Elektra para o mercado de singles, já que a Elektra era predominantemente uma gravadora de álbuns. Depois de contratar o Love, o presidente da empresa [Jac Holzman] nos ouviu tocar no Whisky a Go Go. Acho que ele me contou uma vez que não gostou. Ele voltou outras vezes e enfim todos na gravadora estavam convencidos de que faríamos muito sucesso. Então, nos contratou.

É verdade que você gostaria de voltar aos tempos que a banda tocava no Whisky a Go Go? 
Só digo que algumas das melhores viagens musicais que fizemos foram em clubes pequenos. Grandes shows são ótimos, mas entram em um fenômeno de multidão que realmente não tem muito a ver com a música. Em um clube, a atmosfera é diferente. Eles podem ver você suar e você consegue vê-los. E há muito menos bobagem. Em um show em estádio, você reúne muita gente e não importa tanto o que faz. Em um clube, tem de empolgar as pessoas só com a música. Se não der certo, todos percebem.

É mais difícil fracassar em um grande show? 
É quase impossível. Há a simples empolgação de estar no evento, aquela massa de gente se misturando, isso gera um tipo de eletricidade. É empolgante, mas não é exatamente sobre música. É histeria em massa.

Você já me disse que, tocando em locais menores, há a chance de compor, algo difícil quando se está em uma turnê de grandes shows. 
Certo. Além disso, gosto de trabalhar. Não há nada mais divertido do que tocar música para uma plateia. Dá para improvisar nos ensaios, mas é meio que uma atmosfera morta. Não há retorno do público. Não há tensão, na verdade, porque em um clube, com um público pequeno, você fica livre para fazer qualquer coisa. Ainda existe a obrigação de ser bom, então você não consegue ficar realmente solto; há gente olhando. Então, há essa tensão linda. Há liberdade e, ao mesmo tempo, uma obrigação de tocar bem. Posso trabalhar o dia inteiro, voltar para casa, tomar banho, trocar de roupa e fazer duas ou três apresentações no Whisky, cara, e amo isso. Amo a performance no palco do mesmo jeito que um atleta ama correr para se manter em forma.

Vocês conseguem criar algo quando improvisam? 
Sim. Veja, precisávamos de outra música para este álbum [The Soft Parade]. Estávamos queimando neurônios tentando pensar em algo. Estávamos no estúdio, então começamos a tocar várias músicas antigas. Viagens de blues. Clássicos do rock. Finalmente, começamos a tocar por uma hora. Passamos por toda a história do rock – começando com o blues, pelo rock and roll, surf music, música latina, tudo. E saiu algo. Eu a chamo de “Rock Is Dead”. Duvido que alguém escute um dia. [N.R.: “Rock Is Dead” finalmente foi lançada em The Doors Box Set (1997) ]

Recentemente foi divulgado que você havia dito que o rock estava morto. É algo em que você realmente acredita? 
É como o que falamos antes. Falei algo sobre o movimento de volta às raízes. A chama inicial se apagou. A coisa que chamam de “rock and roll” ficou decadente. Daí houve uma ressurreição do estilo promovida pelos ingleses. Aquilo foi muito longe, foi articulado. Depois, ficou olhando para si próprio, o que, acho, é a morte. O rock and roll ficou com vergonha de si, sem evoluir, e se tornou algo meio incestuoso. A energia acabou. Não existe mais uma crença.

Como reage ao que escrevem a seu respeito? 
Bem, eu pergunto: há uma coisa pior do que uma foto muito ruim? Uma foto pode fazer qualquer pessoa parecer um anjo, bobo, demônio, uma não entidade. Muito disso vem por acaso; muito é malícia e também idolatria. Uma foto ruim pode te dar vários momentos de perda psíquica real. Você sabe que não é você, mas alguém escolheu te criticar daquela forma.

Você se imagina um roqueiro a vida toda? 
É difícil dizer. Talvez eu vire um executivo de uma empresa... Meio que gosto da imagem. Escritório grande. Secretária...

Nos três primeiros álbuns, o crédito de compositor em cada faixa ia para o The Doors, em vez de ir para os indivíduos. Mas sei que a partir de agora, com o novo The Soft Parade, os compositores individuais serão listados nos álbuns. Por quê? 
No começo, eu escrevia a maioria das canções, letra e música. Em cada álbum seguinte, Robby [Krieger, guitarrista] contribuiu com mais músicas, até que finalmente em The Soft Parade tudo está dividido praticamente igual entre nós dois. Temos uma visão muito diferente da realidade, argumentos diferentes, então senti que era hora. Somos uma parceria, sabe? Artisticamente e financeiramente. Dividimos por igual. No começo, muito foi em interesse coletivo, para manter tudo unido. Agora que a unidade não está mais tanto em risco, achei que era o momento de as pessoas saberem quem estava dizendo o quê. Então, este será o primeiro disco em que daremos créditos ao compositor e acho que continuaremos fazendo isso.

Como sua visão das coisas é diferente da de Robby? A dele é, digamos, mais romântica, ou o que é? 
Não sei bem. Você terá de descobrir sozinho. Não sei mesmo. Musicalmente, como guitarrista, ele é mais complexo – mudanças de acorde, lindas melodias e tal – e minha coisa está mais na veia do blues: longa, errante, básica e primitiva. É que a diferença entre dois poetas é muito grande. Em muitas músicas no começo, eu ou Robby vínhamos com a ideia básica, letras e melodia, mas depois todo o arranjo e a gestação real da canção aconteciam noite após noite, dia após dia, em ensaios ou nos clubes. Quando viramos uma banda de grandes shows, uma banda de discos, e quando fomos contratados para lançar tantos álbuns por ano, tantos singles a cada seis meses, aquele processo natural, espontâneo e gerador não teve a chance de acontecer como era no começo. Tivemos que realmente criar músicas no estúdio. O que começou a acontecer foi que Robby ou eu vínhamos com a canção e o arranjo já completos em nossa cabeça em vez de trabalhar lentamente naquilo.

Você já declarou que gosta de fazer as pessoas se levantarem da cadeira, mas não de criar intencionalmente uma situação caótica... 
A situação nunca ficou fora de controle, na verdade. É algo bem brincalhão, mesmo. Nós nos divertimos, a garotada se diverte, a polícia se diverte. É um triângulo meio estranho. Só pensamos em subir ao palco e tocar boa música. Às vezes, eu me empolgo e excito as pessoas um pouco, mas normalmente estamos ali tentando tocar boa música. É isso. Cada vez é diferente. Há diversos graus de febre no auditório esperando por você. Daí, você sobe ao palco e encontra essa onda de energia em potencial. Nunca sabe o que será.

O que você quer dizer com “às vezes, eu me empolgo e excito as pessoas um pouco”? 
Digamos que estava testando os limites da realidade. Estava curioso para ver o que aconteceria. Era só isso: mera curiosidade.

Como você testa os limites? 
Eu simplesmente tento levar a situação o mais longe possível.

E mesmo assim não sente, em momento algum, que as coisas saíram do controle? 
Nunca. Você tem de olhar para isso de maneira lógica. Se não houvesse policiais ali, alguém tentaria subir ao palco? O que eles fariam quando conseguissem? Quando sobem, ficam muito tranquilos, não vão fazer nada. O único incentivo para subir é porque há uma barreira. Se não houvesse barreira, não haveria incentivo. É isso. Acredito firmemente nisso. Sem incentivo, sem carga. Ação e reação. Pense nos shows gratuitos no parque. Nenhuma ação, nenhuma reação. Nenhum estímulo, nenhuma resposta. Só que é interessante, porque a garotada tem uma chance de testar os policiais. Você os vê hoje, andando com suas armas e uniformes, e o policial se porta como se fosse o homem mais durão do quarteirão, e todos ficam curiosos sobre o que exatamente aconteceria se você o desafiasse. O que ele vai fazer? Acho que é uma coisa boa, porque dá aos jovens uma chance de testar a autoridade.
Há uma citação atribuída a você que aparece muito na imprensa. Diz: “Estou interessado em qualquer coisa sobre revolta, desordem, caos...” 
“... especialmente atividade que pareça não ter significado.”

Isso, essa mesmo. É outro exemplo de manipulação da mídia? Você inventou essa frase para um jornalista? 
Sim, definitivamente, criei a frase, mas tem verdade nela também. Quem não fica fascinado com o caos? Só que é mais do que isso. Estou interessado em atividade que não tenha significado, e tudo o que quero dizer com isso é atividade livre. Tocar. Atividade que não tenha nada nela exceto o que é. Nenhuma repercussão. Nenhuma motivação. Atividade... livre. Acho que deveria haver um carnaval nos Estados Unidos, como o do Rio de Janeiro. Deveria haver uma semana de hilaridade nacional... uma pausa em todo trabalho, todos os negócios, toda discriminação, toda autoridade. Uma semana de liberdade total. Seria o começo. Claro, a estrutura de poder não seria realmente alterada, mas alguém nas ruas – não sei como o escolheriam, aleatoriamente, talvez – se tornaria o presidente. Outra pessoa seria o vice. Outras seriam senadores, deputados, no tribunal superior, policiais. Só duraria uma semana e, depois, voltaria ao que era antes. Acho que precisamos disso. É. Algo assim.

Tem algum tipo de ritual que você e os membros do The Doors fazem? 
Sim, existe um ritual no sentido de que usamos os mesmos acessórios e as mesmas pessoas e as mesmas formas repetidamente. A música definitivamente é um ritual, mas não acho que esteja esclarecendo o ritual ou acrescentando qualquer coisa a ele.

Você se vê indo mais em direção à poesia, à literatura em geral? 
É minha maior esperança, meu sonho.

E quando você começou a escrever poemas? 
Ah, acho que por volta da 5a ou 6a série escrevi um chamado “The Poney Express”. É o primeiro que me lembro. Era um desses poemas tipo balada. Só que nunca consegui terminar. Sempre quis escrever, mas sempre achei que só seria bom se a mão pegasse a caneta e começasse a se mexer sem eu ter algo a ver com aquilo. Como uma escrita automática. Escrevi outros, claro. Escrevi “Horse Latitudes” quando estava no ensino médio. Guardei muitos cadernos durante o ensino médio e a faculdade e, quando saí da escola por algum motivo estúpido – talvez sábio –, joguei tudo fora. Não consigo pensar em nada que mais adoraria ter agora do que aqueles cadernos perdidos. Estive pensando em ser hipnotizado ou tomar pentatol sódico para tentar lembrar, porque escrevi naqueles cadernos noite após noite. Só que, talvez se nunca os tivesse jogado fora, nunca teria escrito algo original – porque eram principalmente acúmulos de coisas que eu tinha lido ou ouvido, como citações de livros. Acho que, se nunca tivesse me livrado deles, nunca seria livre.

O que o atraiu na poesia? 
Acho que foi quem me ensinou a falar, a conversar. De verdade. Acho que foi a primeira vez em que aprendi a falar. Até o advento da linguagem, era o toque – comunicação não verbal.

Tenho a sensação de que muitas pessoas que militam no rock não têm muito ou nenhum respeito pela forma – quero dizer, de nunca admitirem ser cantores ou músicos de rock. Em vez disso, sempre dizem que são, na verdade, músicos de jazz ou cineastas... 

Sei o que você quer dizer. Mas acho que a maioria dos músicos e cantores de rock realmente gosta do que faz. Seria psicologicamente enervante só fazer isso para ganhar dinheiro. Acho que o que estraga tudo é a besteira dita pela imprensa, pelos colunistas de fofocas e revistas para fãs. Um baterista, vocalista ou guitarrista gosta do que está fazendo e, então, de repente, todos dizem alguma besteira estranha sobre a viagem do cara. Ele começa a duvidar de sua motivação. Sempre há um grupo que atrapalha a sensibilidade. Então, você tem uma leve sensação de vergonha e frustração no que está fazendo. É uma pena, de verdade. Queria poder ser mais específico, mas acho que você entende o que eu quero dizer.

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