Pinheiro Salles saiu à janela de sua casa. “Já vou abrir o
portão”, me disse. “Demorou para encontrar a casa?”, perguntou, enquanto
apertava minha mão. Assenti com a cabeça, afirmando que não. Ao entrar na casa,
Pinheiro fora me guiando até a biblioteca, onde faríamos a entrevista:
“Vire à esquerda”, falou, apontando os dedos em direção à
porta, próxima ao quintal . “Ainda bem que é à esquerda”, sussurrou. “Se fosse
à direta, você iria vacilar.”
Educado e inteligente, Pinheiro me questionou,
imediatamente, sobre o propósito entrevista:
“É trabalho da faculdade? “
“Sim”, respondi.
Pinheiro meneou a face, e, entre sorrisos, disse:
“Então terei de ser breve.”
“Não necessariamente. Pode falar à vontade”, falei.
Nas paredes de sua biblioteca há pôsteres de Gue Chevara,
Fidel Castro e Karl Marx. Pinheiro é de esquerda, e não faz a mínima questão de
esconder. “Oponho-me às forças mais rebuscadas do exercício do fascismo”,
murmurou. “Sou de esquerda porque posiciono-me na palavra e na ação de cada dia
a todas as formas de injustiça, de exploração, de opressão, de discriminação”,
afirmou.
Ele mora numa casa agradável e tranquila no Setor Jaó. Passa
horas de seu dia em frente aos livros. De vez em quando escreve algo. “Sexta-feira
vou pra Bahia e depois, em julho, vou à Europa para contar sobre meu livro”, revelou. “O tradutor disse que eu tenho de ir para lá agora, porque posso morrer
a qualquer tempo”, declarou, dando risadas.
Jornalista, escritor e Bacharel em Direito pela UFBA
(Universidade Federal da Bahia), Pinheiro Salles não tem problema em falar
sobre a ditadura militar:
“É difícil para o senhor falar sobre a ditadura”,
perguntei, esperando uma resposta árdua e melancólica.
“Não, é dever”, respondeu, educadamente.
Enquanto fala, ele segura as mandíbulas. Pinheiro fora
brutalmente torturado pelos militares. Ficou com sequelas. Ouve parcialmente
com um ouvido. E é surdo de outro. Recentemente, passou por cirurgia para
reparar a deficiência, acarretada pelas sessões de tortura.
Foi no período em que cursava Direito na UFBA que teve o
primeiro contato com o movimento estudantil. Ele era membro do Partido
Comunista e foi preso, no Rio Grande do Sul, no final dos anos 60. Passou nove anos
encarcerado. Sua descrição me fez lembrar das cenas sádicas de 120 dias de Sodoma, do cineasta italiano, Pier Paolo Pasolini.
Uma coleção de discos empilhadas num canto da
biblioteca ornavam o ambiente. Haviam clássicos da MPB, como Nara Leão, Caetano Veloso, Chico
Buarque e Gilberto Gil. Os LP´S estavam acompanhados por uma vitrola, no canto de seu escritório. Nas
prateleiras, escritores consagrados da literatura – como Rimbaud, Steinbeck e
Balzac – davam um quê charmoso ao lugar.
Pinheiro Salles fora um dos fundadores do Partido dos
Trabalhadores (PT), em Goiás. Mas hoje, ele não vê o partido com o mesmo entusiasmo de
antes. “Deu (o PT) uma contribuição
significativa se a gente fizer comparações, por exemplo: os dirigentes do PT
toda hora invocam isso, uma comparação com o governo de Fernando Henrique
Cardoso”, disse.
Como um esquerdista clássico, o escritor criticou as
manifestações que recentemente levaram milhares de pessoas às ruas de todo
país. “Gente mobilizada é sempre motivo de esperança. Mas essas últimas
manifestações resultaram de insatisfação das classes dominantes”, afirmou.
Em 2011, seu depoimento à CNV (Comissão Nacional da Verdade)
chocou os presentes. Ele relatou, com riqueza de detalhes, as humilhações que
sofrera. Como resultado de seu relato, lançou Ninguém pode se calar. Na obra, Pinheiro nos conta fatos
comoventes, inefáveis, inenarráveis.
Quando encerramos a entrevista, ele me presentou com duas
obras, e propôs:
“Vamos tomar um suco?”
Balancei a cabeça, e respondi:
“Sim”.
“Sim”.
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