Que calor. Passei pela catraca.
No primeiro banco, um cara estava vibrado em seu smartphone. Atrás, outro nem
piscava pelo mesmo motivo. Pra variar, o coletivo tinha gente pendurado até
nas janelas. A linha 580 – terminal Araguaia a Praça da Bíblia – é um inferno nos
horários de pico. Estiquei meu braço, e me segurei firme em frente aos
internautas. O motorista aparentava pressa. Não estava nem aí se transportava
pessoas, ou qualquer outro ser. Ele conduzia-nos com fugacidade.
O suor escorria em minha face.
Raphael disse:
“Esse baú é a latada.”
“E essa esquizofrenia virtual?”,
indaguei.
Raphael gargalhara. Ele sabia a
quem minha verborragia era destinada.
“Porra, tem gente pra tudo que é
lado”, constatou Raphael.
Meneei a face, concordando. Realmente,
apanhar o coletivo ao meio-dia é tarefa pra poucos. Acredito que só a
disposição de ir à faculdade, ao trabalho, ou a qualquer lugar, de ônibus, já é
um empenho louvável.
Chegamos à Praça da Bíblia,
depois de uns 15 minutos. O coletivo parou no primeiro ponto, do 027. Descemos,
e perdemo-nos na multidão. Quanta gente. E todos se sujeitam a isso, todos os
dias, por um simples motivo: sobrevivência. Quem vive sem grana? É a esperança
de dias melhores. É um amontoado de fatores, que fazem as pessoas saírem de
suas casas, dançar a música que lhes foi imposta. Tudo por dias ensolarados, ao
invés dos lânguidos e sombrios, a que fomos habituados.
Parei no ponto do 020. Despedi-me
de Raphael. E acendi um cigarro. Ao meu lado, uma moça, que aparentava ter
uns 35 anos, estava com duas crianças. Um menino e uma menina. As crianças tinham o
olhar inocente, de quem ainda não foi contaminado pelas “regras”.
“Tô com fome, mãe”, relatou a
menina.
“Também, minha filha”, disse a jovem mãe, passando a mão nos cabelos da filha.
“Vamo cumê, quando?”, indagou o
menino.
A mulher não soube o quê
responder.
Passei a mão pelo meu bolso com
o propósito de dar-lhes um trocado. Mas não encontrei nada, nem uma inútil
moeda de cinco centavos. Tinha apenas um Marlboro. Concluí que não seria o
melhor apresso do universo, oferecer um pito.
Somos fadados a reclamar, refleti.
Reclamamos do som. Reclamamos do trabalho. Reclamamos das regras do jogo, dos
chavões, das frases feitas, dos clichês arrogantes dos burocratas.
A menina abrira um prazeroso sorriso.
A mãe trouxe-lhe uma latinha de Coca-Cola. Ela degustou aquela bebida com
deleite invejável. A menina dera alguns goles, e passara-a ao irmão, que,
também, dera um longo gole.
Uma simples latinha de Coca-Cola.
Pra alguns, uma merda. Pra outros, a salvação. Não sei bem ao certo o que
aquelas crianças sentiram ao bebê-la. Sei, apenas, que foi comovente observá-las.
“Obrigado, mãe”, agradeceu a
menina.
“Agora, ficamo sem dinheiro”,
alertou, no alto de sua humildade.
O 020, enfim, chegara. Como de
costume, todos entraram numa velocidade frenética. Se você não se posicionar de
forma cautelosa ali, é jogado pra dentro do coletivo.
Fiquei parado ao lado da porta.
Quando todos entraram, acomodei-me próximo a uma garota loucamente cheirosa.
Seu aroma alegrou-me. Os dias que são estranhos tornam-se leves e suportáveis.
No fim, é tudo por ela. Ou pra elas.
Enquanto alguns gozam seus
relógios de cinco mil, outros suplicam por uma simples latinha de Coca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário