segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Meio século do devaneio edipiano dos Doors

Capa de The Doors, primeiro disco da banda californiana
Lembro-me a primeira vez que ouvi The Doors, Tell all the people, do disco The soft parede, de 1969, em uma fita cassete, no início dos anos 2000. Após sentir o lirismo do primeiro acorde de Robby Krieger, imediatamente pensei: “Isso soa diferente”.

Mas de que forma soava diferente? Bem, a bateria de John Desmonre tinha levadas de bossa-nova, e era fácil de imaginar que por atrás das baquetas havia um cara que era aspirante ao jazz. O órgão de Ryan Manzarek era um instrumento que possibilitava aos Doors um som com fortes pegadas psicodélicas, além de que ele também era o responsável por imitar o baixo, embora em algumas músicas o houvesse de verdade. A guitarra de Krieger era limpa, lírica e com fortes influências de flamenco, música típica da 
Espanha. E no vocal havia Jim...

Morrison usava voz de barítono. Ele vociferava como seus mestres, Frank Sinatra e Elvis Presley. Não é difícil entender por que os hipsters de Nova Iorque, fascinados pelo som de Loud Reed e do Valvet Underground, tenham-no detestado deste o início. Mas a música nunca fora a primeira opção de Morrison, nem a segunda.

Poeta doidão e culto, ele desde a adolescência se mostrou interessado em literatura, sobretudo a poesia marginal Baudelaire e Allen Ginsberg, além dos romances de Jack Kerouac, William Burroughs e a filosofia dualística de Nietzsche. Morrison era o místico sem fé, que bebeu todas e fumou todas, criando ao redor de seu personagem uma das maiores lendas da história do rock. Até hoje, as causas de sua morte, aos 27 anos, em Paris, são incertas. Overdose de heroína ou infarto?

Infarto, prefiro crer, mantendo viva áurea romântica em torno do vocalista.

Obviamente, a crítica musical lhe definiu com ares arrogantes: “Morrison soa como um idiota”, escreveu Robert Christgau. Era notório que os Doors não eram ignorantes. Eles demonstravam referências intelectuais, que foram proporcionadas por seus professores, na UCLA (Universidade da Califórnia).

Invocaram desde o drama edipiano, de Sófoles, ao teatro do Absurdo, do surrealista Antonin Artuad, aos textos de Aldoux Huxley, que atentavam para o surgimento de uma nova consciência. Nada mais eram do que os filhos da contracultura. De praxe, tinham fascínio obrigatório pela Índia. Manzarek e Desmonre se conheceram em aulas de meditação transcendental.

Eles também apreciavam o gosto pelo blues, comum àquela geração, mas com uma justa ressalva: os Doors, particularmente Jim, usavam o blues para rechear suas catarses com combustível erótico, que não deixavam nada para depois. Isso ficara evidente em versões lisérgicas de Back door man, de Howlin Wolf, e Crawling king snake, de John Lee Hoocker.

Numa de suas melhores sacadas, Morrison definiu-os como “erotic policians”. Ou seja, eram preocupados, como a juventude de sua época, que tinha sede em mudar o mundo e a música, mas usavam o erotismo como forma de conhecimento. Após o primeiro single, Break on Trough (to the other side), em que apresentaram suas intenções sonoras e intelectuais, eles causaram impacto com Light my fire, single do primeiro disco e estrondoso sucesso radiofônico.

A música ficara na primeira posição das paradas estadunidense, e a guitarra de Krieger dramatizava uma sessão de drogas e sexo sugerida por Morrison. Ao apresentarem a canção num programa de televisão, Ed Sullivan Show, Jim não aceitou nenhuma intervenção à letra, cantando-a com os flamejantes versos “Girl, we couldn´t get much higher”.

Eles não queriam agradar o show business, é claro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário