Capa de The Doors, primeiro disco da banda californiana |
Lembro-me
a primeira vez que ouvi The Doors, Tell all the people, do disco The soft parede, de 1969, em uma fita
cassete, no início dos anos 2000. Após sentir o lirismo do primeiro acorde de Robby
Krieger, imediatamente pensei: “Isso soa diferente”.
Mas
de que forma soava diferente? Bem, a bateria de John Desmonre tinha levadas de
bossa-nova, e era fácil de imaginar que por atrás das baquetas havia um cara
que era aspirante ao jazz. O órgão de Ryan Manzarek era um instrumento que
possibilitava aos Doors um som com fortes pegadas psicodélicas, além de que ele
também era o responsável por imitar o baixo, embora em algumas músicas o
houvesse de verdade. A guitarra de Krieger era limpa, lírica e com fortes
influências de flamenco, música típica da
Espanha. E no vocal havia Jim...
Morrison
usava voz de barítono. Ele vociferava como seus mestres, Frank Sinatra e Elvis
Presley. Não é difícil entender por que os hipsters de Nova Iorque, fascinados
pelo som de Loud Reed e do Valvet Underground, tenham-no detestado deste o
início. Mas a música nunca fora a primeira opção de Morrison, nem a segunda.
Poeta
doidão e culto, ele desde a adolescência se mostrou interessado em literatura,
sobretudo a poesia marginal Baudelaire e Allen Ginsberg, além dos romances de
Jack Kerouac, William Burroughs e a filosofia dualística de Nietzsche. Morrison
era o místico sem fé, que bebeu todas e fumou todas, criando ao redor de seu
personagem uma das maiores lendas da história do rock. Até hoje, as causas de
sua morte, aos 27 anos, em Paris, são incertas. Overdose de heroína ou infarto?
Infarto, prefiro crer, mantendo viva áurea romântica em torno do vocalista.
Obviamente,
a crítica musical lhe definiu com ares arrogantes: “Morrison soa como um idiota”, escreveu Robert Christgau. Era
notório que os Doors não eram ignorantes. Eles demonstravam referências
intelectuais, que foram proporcionadas por seus professores, na UCLA
(Universidade da Califórnia).
Invocaram
desde o drama edipiano, de Sófoles, ao teatro do Absurdo, do surrealista
Antonin Artuad, aos textos de Aldoux Huxley, que atentavam para o surgimento de
uma nova consciência. Nada mais eram do que os filhos da contracultura. De
praxe, tinham fascínio obrigatório pela Índia. Manzarek e Desmonre se
conheceram em aulas de meditação transcendental.
Eles
também apreciavam o gosto pelo blues, comum àquela geração, mas com uma justa
ressalva: os Doors, particularmente Jim, usavam o blues para rechear suas
catarses com combustível erótico, que não deixavam nada para depois. Isso ficara
evidente em versões lisérgicas de Back door man, de Howlin Wolf, e Crawling
king snake, de John Lee Hoocker.
Numa
de suas melhores sacadas, Morrison definiu-os como “erotic policians”. Ou seja,
eram preocupados, como a juventude de sua época, que tinha sede em mudar o
mundo e a música, mas usavam o erotismo como forma de conhecimento. Após o
primeiro single, Break on Trough (to the other side), em que apresentaram suas
intenções sonoras e intelectuais, eles causaram impacto com Light my fire,
single do primeiro disco e estrondoso sucesso radiofônico.
A
música ficara na primeira posição das paradas estadunidense, e a guitarra de
Krieger dramatizava uma sessão de drogas e sexo sugerida por Morrison. Ao
apresentarem a canção num programa de televisão, Ed Sullivan Show, Jim
não aceitou nenhuma intervenção à letra, cantando-a com os flamejantes versos “Girl,
we couldn´t get much higher”.
Eles não queriam agradar o show business, é claro.
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