É o livro. Já andou comigo em
diversos bares. Sua sabedoria é única. Comprei-o num sebo, no centro. Estava em
promoção, paguei 10 conto. Todos falavam do velho safado. Quando eu dizia que
nunca havia lido Mulheres,
esbravejavam: “porra, cê é bukowskiano e nunca leu Mulheres”. Pois é. Fui lá,
peguei-o, li a primeira frase e constatei: “Tenho de comprá-lo.”
A leitura fora fácil. A prosa do
velho buk – através do olhar e da percepção de seu alter ego, Henry Chinaski –
ficou viva em mim por muito tempo. Depois, li-o para tentar desvendar a
personalidade de Bukowski. Na infância, ele era excluído. Tinha um pai
autoritário que lhe agredia. Aí ele descobriu, na adolescência, Dostoievski e
aprendeu, com o mestre russo, que todos odeiam seus pais.
Mulheres já viajou pra vários lugares. Pro sul, nem se fala. Toda
vez que vou a um lugar, levo-o. É como se fosse um ritual. Outro dia, encontrei
um rabisco no meio do livro, na página 122. “Saudades, gatinho”, dizia o
bilhete, em uma letra bem desenhada. Como minha memória, às vezes, é enfumaçada
demorei pra perceber de quem era o recado. Após matutar, descobri: era dela.
Sempre ela. A luz em minha escuridão. Com ela, aprendi sobre a vida, sobre o
mundo, sobre as coisas que nos cercam.
Puta saudades. Fazer o quê? É a
vida. É o mundo. É a realidade, pura e simples. Acho que por isso as coisas são
tão chatas, meu. Sempre a realidade pra nos puxar, pra nos tirar dos sonhos,
pra nos fazer renunciar a vida. Porra, acho que não a verei mais, talvez. Só
não uso o vocábulo ‘nunca’ porque é forte demais. Nunca é nunca. A gente não
consegue ser sutil, ao bradar o tal do ‘nunca’.
Tá, eu sei. Tô divagando, já.
Foda-se. É apenas uma crônica – o gênero mais brasileiro, o samba da
literatura.
Voltando à literatura. Já li Drummond,
e já o fumei. Há algumas folhas milimétricamente cortadas, numa compilação de
poemas que tenho. A qualidade sedal era impressionante.
Imagine daqui duzentos anos:
Imagine daqui duzentos anos:
“Já leu o Marcus Vinícius Beck?”
“Não. Mas já fumei.”
“Sério?”
“Aham.”
Eu acharia hilário. Primeiro: é a
forma mais eficiente de a literatura entrar em seu cérebro. Segundo: pitar um
beque de vez em quando não causa mal a ninguém.
Ah... se na página 122 de Mulheres encontrei um bilhete, na 280 havia
uma pontinha de um baseado. Estava lá há tempos, viu. Tanto que dei um trago, e
não deu nada. Nem uma pequena onda.
Alguns autores a gente lê. Outros
a gente fuma. Outros, apenas olhamos e nos ensaiamos para lê-lo, mas não o
fazemos. Esse negócio de clássico é complicado. Requer o tempo certo pra
leitura. Sou assim com Ulysses, de
James Joyce. Já o emprestei na biblioteca da faculdade, dei algumas foleadas e
coloquei-o de lado. Eu era assim, também, com Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust – o célebre autor
francês que descreveu a sociedade burguesa do início do século XX – , até que
decidi enfrentá-lo.
“Cê cria personagens com uma
facilidade incrível”, me disse uma colega.
“Sério?”, falei. “Isso que nem li
nada, ainda.”
“Consigo imaginar as cenas que
descreve em minha cabeça”, constatou ela.
“Então deve ser bom”, falei.
“E é”, completou.
Com música é a mesma coisa. Há
discos que ouço, sem o menor problema. Outros, tenho uma forte resistência. Já
tentei ouvir alguns dos Beatles, e parei no meio do caminho. Por outro lado, The
Doors é foda. Marcou-me alguns momentos, que os tenho com o barítono de
Morrison, de fundo sonoro.
Várias viagens de ácido, várias fodas, várias
conversas. É o Doors, né.
Um dia desses, uma moça tentou-me
persuadir. Disse pra eu escutar os garotos de Liverpool. Pus pra tocar White álbum, cujas músicas são melhores
que as da Invasão Britânica. É uma boa obra, e só.
Talvez minha cabeça esteja
com muita psicodelia. Ou, não.
O rock tem de ser transgressor.
Eric Clapton é transgressor, Hendrix é transgressor – sua guitarra uiva e chora
-, Little Richards é transgressor, Chuck Berry é transgressor.
“Beatles ou Stones?”,
perguntam-me.
“The Who”, respondo.
A propósito: os riffs de Townshend
são a alma do Who.
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