Nelson Rodrigues falou e tá
falado: “Não tem para ninguém, barbada, meu filho, ninguém representa a ideia
de pecado e liberdade ao mesmo tempo como essa minha Engraçadinha”.
E não mesmo. Um dia desses, entre
xingamentos e contestações urbano burguesa, veio-me à mente a imagem dela.
Loira, shortinho azul polaco curto, pernas branquinhas, rosto lascivo. Uma
loucura, amigo leitor.
Pode acontecer tudo nessa vida
maluca e desvairada. Contudo, pouca coisa é melhor do que amar. Ah, como é bom
aquele cheiro de mulher. Aquelas mãos leves e macias. Aquele sorriso sedutor e
conquistador.
Sábio velho safado. Não o
Bukowski. E sim Henry Miller – o cara que escrevera a trilogia de sacanagem
filosófica/existencial, A crucificação
encarnada. Livrão, cara. Já o li e reli umas duzentas vezes. Mestre Miller
andara pelas ruas de Nova Iorque recheado de indagações sobre a vida, mas com dois
propósitos em mente: amor e buceta.
Oh, que vestidinho! Outro dia,
cheguei bêbado às duas da madrugada. Dei de cara com ela, acredita? Tive de dar
aquele sorriso etílico de boêmio invertebrado. Pra minha sorte, ela retribuiu-me
a gentileza e abrira a boquinha, expressando um maravilhoso e belo cumprimento
entre dois vizinhos estranhos.
“Obrigada”, agradeceu, quando
abri a porta, dando-lhe a passagem.
“Não há de quê”, falei, com minha
fala arrastada pela birita.
Bbrrrzzzz.... “Você é o meu ponto
fraaaccccoooooo, por que não?”.
Ao chegar em casa, liguei um BB
King – rei do blues e uma trilha sonora excepcional pruma foda. O som
deu-me uma vontade de amar, de deliciar-me no sexo feminino e carinhoso. A
birita deixa-nos aturdidos. Quando bebe-se, algo acontece. Sábio velho Buk – o
cafajestão da literatura.
Diga sim à vida. Diga sim ao
amor. Diga sim à embriaguez, ao sexo, à arte. Lembrei-me de Nietzsche. E,
depois, de Morrison – o vocalista do The Doors, a banda mais louca da história
do rock.
Trocamos pouquíssimos olhares,
naquela noite. Fui pra casa. E curti o término de meu porre sozinho. Ela deveria
estar em sua casa, cuidando de seu filho – sim, ela tem um filho -, enquanto eu
penso em algumas linhas trôpegas. Clap-clap, penso em algumas linhas! Ninguém
as lê! Acho que nem o pessoal deste jornal as lê.
Um dia desses, acho que ontem,
ela passou com um carrinho de bebê. Que coisa linda. Uma mulher com bebê
representa e simboliza o amor materno – aquele que o doidão do Freud disse que
é a primeira atração pelo sexo oposto que sentimos.
Eu fumava meu último Minister. E pensava nas crônicas de Xico
Sá e em sua definição de estria e celulite. “Homem que é homem não sabe a diferença
entre estria e celulite”, escreveu. E se eu te contar que ela não tem estria, nem
celulite, ou qualquer coisa? Eu também não sei diferenciar essa porra. Mas
foda-se: ela é uma coisinha de louco. Ela lembrou-me de Judite, Vera Fischer,
em Perdoe-me por me traíres, filme
dirigido Braz Chediak, baseado na peça do Nelsão.
Até o porteiro de meu condomínio
a acha lasciva. Fui pedir um cigarro pra ele, e ela estava na portaria, com seu
filho. Cheguei, todo desengonçado, tentando parecer simpático, pra conversar e
brincar com a criança. Falei alguma coisa, mas nem a criança, nem a mãe, nem o
porteiro entenderam. Tive de abrir uma feição descontraída. Tive de forçar, ali,
uma situação qualquer pra não dar uma de otário. De qualquer forma, acho que
não deu.
Ela foi embora, com seu filho no
cangote.
“Tem um cigarro pra me arrumar,
vey?”, perguntei ao porteiro.
“Na hora”, respondeu.
“Que gata, né?”, indagou.
Acendi o pito. Vi a fumaça subir
pelo céu, e respondi:
“Pra caralho.”
“Literalmente”, brincou.
Forcei um riso, e conclui:
“O dia fica até mais claro, ao
vê-la.”
Pelo visto Rodrigo não tinha entendido
o sentido da colocação.
“Vou indo nessa, meu”, falei.
“Falou.”
Virei às costas.
Que gata! Que linda! Que vontade
de abraçá-la. Que vontade de cuidar dela e do filho e da mãe e de
sua família
toda!
Ela, cujo nome ainda não
descobri, tem a maldade, a sacanagem, a perversão nas pupilas. Taí, talvez
sacanagem na pupila lhe seja a característica mais atrativa. Ou magnética, como
cantou Jorge Ben Jor. Ela dá uma risadinha tímida pras pessoas. Uma garota
tipicamente do interior, que vive na capital de Goiás.
Nela, encontro uma pitada rodriguena.
Ela é tesuda. Claro que por não ser científica, minha pesquisa apontou que
todos, nos bares por aí, preferem as loirinhas novinhas. Sinto que não devo
reproduzir neste espaço o conhecidíssimo vexame onomatopeico dos homens diante
da gostosinha-mor dessa caceta.
Trimmmmmmm.... era ela. Atendi:
“Ãn...”
“O que tá fazendo?”, ela quis
saber.
“O de sempre”, respondi.
“Tá bêbado, né?”
“Um pouco.”
“Te ligo depois.”
“Beleza”.
Deixarei pra respondê-la depois
desta crônica etílica, tarada, lisérgica, fumada e pirada.
Que loirinha tesuda.
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