segunda-feira, 25 de maio de 2015

A beleza da vida

Enquanto escrevo, a noite desponta no céu. Terminei a frase, deu-me vontade de fumar um cigarro, arejar o pensamento e colocá-lo em ordem. Saí de frente do computador. Enchi uma xícara de café, bebi-a e abri a porta de casa. Ao fechá-la, deparo-me com uma garota. “Olá” – digo. “Tudo bem” – responde ela. Abri um sorriso no canto da boca e segui até a guarita do meu condomínio.

Final de tarde. Calor, preguiça e um texto para escrever. Sempre deixo meus afazeres para depois, e quando chega o dia de entregá-los, fico desesperado. Resmungo e nada resolve. Mas foda-se, a vida é assim. Alguns querem dinheiro, carros, status, eu quero apenas uma boceta e se possível um uísque original para adocicar a transa. Dei uma volta na esquina. “Podia beber hoje, né” – pensei, alimentando uma hipótese, que têm chances de se concretizar. Levei as mãos ao bolso, e encontrei uma cédula de cinco reais. Dava uma cerveja e um cigarro solto. Fui até a distribuidora de bebida e comprei-os.

Caminhando de volta à minha casa, eu pensava em como terminar aquele texto. Precisava pelos menos mandar algo para o jornal. Eles haviam me mandado um e-mail. Nem lhes respondi. Hoje, sem ter escapatória, sentei-me em frente ao computador e escrevi. O ensaio – sobre a contracultura que seria pulicado no caderno opinião pública do Diário do Cerrado – dava-me trabalho.

Levei minha mão ao trinco da porta e girei-a. Entrei em casa, tirei meu tênis e apaguei o cigarro no cinzeiro. Finalizei meu texto. Ele estava com forma e harmonia. “Agora está faltando a birita” – pensei. Recorri ao telefone. Nada. Todos tinham alguma desculpa. “Hoje não dá, amanhã tenho que trabalhar” – falavam sem entusiasmo. “E daí, eu também tenho” – afirmava caindo na gargalhada. Eu não iria ficar sem beber, disso tinha certeza. Estava buscando uma alternativa para biritar. Tudo é motivo para a bebida. Bebemos na alegria. Bebemos na tristeza. Bebemos para afogar as lágrimas. Bebemos para comemorar a solidão, a monotonia. Bebemos por porra nenhuma. A gente bebe, simplesmente.

Peguei minha mochila e coloquei dois livros dentro dela. Eu tinha de devolvê-los para Rogério. O cara cobrava-me em todo momento. Não podia me ver na rua que vinha com sua voz trêmula e rouca: “Cadê meus livros, filha da puta”. “Calma porra, estou lendo” – sussurrei com as cordas vocais repletas de tabaco, maconha e álcool.

Saí de casa por volta das 20h da noite. Rogério morava perto da Avenida Independência, no Setor Vila Nova. Em frente ao seu condomínio, havia um bar. O dono do boteco já me conhecia e sempre tinha um comentário na ponta da língua. “E aí corintiano safado. O quê você vai roubar?”. Quase sempre optava pela risada. “Me dá uma Antarctica” – pedi, enquanto esperava Rogério – “tenho de lubrificar a palavra”. Após dez minutos, o sujeito apareceu. “Estou sem dinheiro. Não consegui nada, nada” – disse com tristeza no olhar. “Acho que nem vou beber nada”. Balancei os braços demonstrando meus pêsames. “Pode deixar que vou beber por você, cara” – provoquei.

Rogério deu-me as costas e fora embora. Com 50 reais na carteira, eu não iria para casa sem mulher. Iria atrás delas. E falaria palavras de conforto. Eu sei o que elas querem ouvir. Talvez declame algum poema. Ou cante Touch Me.

Sinto o cheio de boceta.

- e aí Mano Jaynes – gritou Selton, com o sorriso que lhe era caraterístico no fundo do rosto – vamos chapar?

Como não havia outra escolha, aceitei o convite.

Selton pediu uma cerveja. Silas, rapidamente, trouxe-a. Selton morou em Portugal durante dez anos. Seu sotaque ainda é um pouco lusitano. Ele é uma figura rara entre os homens. Se colocar vinte pessoas ao seu lado, ninguém será igual a ele. A energia, a facilidade para protagonizar histórias bizarras, faz de Selton um cara único. Com ele é assim: ou você vira seu amigo, ou odeia-lhe. Ele fala ininterruptamente na mesa do bar. Selton carrega consigo o furor da boemia, a loucura da vida, a clareza à bebida e quaisquer tipos de entorpecentes.

Bebemos quatro garrafas de cerveja, e ele sugeriu:

- vamos num bar ali embaixo? Só tem bandido!

- claro, por que não?

Ele dera uma risada e emendara:

- vou buscar um uísque em casa. Daqui a pouco eu volto, de boa?

- de boa – repeti – traga para mim, por favor, uma blusa. Tá frio – pedi, tremendo o corpo, quando o vento do centro-oeste contagiavam meus ossos.

Coloquei as mãos no bolso da calça. Uma criança e uma senhora passaram por mim, e ninguém disse nada. Apenas fitaram-me.

Selton apareceu após alguns minutos, com uma dose, gentil, de uísque em mãos. “Tome um gole” – ofereceu. A bebida desceu leve, suave e bravamente pela minha traqueia.

Bâbados, andávamos no meio da rua, gargalhando e falando palavras misteriosas para os ares. 
Chegamos ao bar. A música que saía da jukebox era um sertanejo universitário. Comecei a sentir os sintomas de náusea. Então Selton, brilhantemente, dera-me cinco reais e disse:

- coloque um som pra nós.

Eu peguei o dinheiro e fui até a máquina. Permanecei por alguns minutos tentando entender como se faz para manuseá-la. Quando descobri, chegou um cara ao meu lado e encarou-me profundamente. De fato, o lugar dava medo. As pessoas, todas, tinham uma expressão brava e triste. Eles simulavam feições de durões, mas não passavam de seres ensandecidos, monótonos e solitários – que assim como eu, estão na noite, atrás de bebida e mulher. Selecionei Tim Maia, Planet Hemp e Raul Seixas; Selton pediu mais um litro de cerveja. “Viva, viva, viva a sociedade alternativa/Viva a sociedade alternativa” – cantava Raul. Tive a impressão de que tudo mundo soltou-se quando a canção entoou no boteco. No intervalo de uma música à outra, um amigo de Selton chegara. O sujeito tinha aparência comportada. Falava pouco e quase nunca fazia uma brincadeira. Era o tipo de pessoa que a qualquer momento pode tirar uma arma e pôr em sua têmpora. Tinha o aperto de mão forte e robusto. “Há umas garotas na mesa ali, vamos sentar lá?” – propôs o cara. Sem pestanejar, levantamo-nos e fomos. Distribuí beijos nos rostos das moças e sentei-me ao lado de uma delas.

Sem falar nada, minha mão roçou as pernas da moça que estava sentada próxima de mim. Então tardei a falar junto ao ouvido. As palavras soavam ofensivas. Porém, ela retribuíra. Tocara em meu pau, e ele subira. “Aqui não” – murmurou em meu ouvido, com as mãos dentro de minha calça. Uma garota que sentava-se em meu lado, olhara com espanto. Nada disse.

- vamos sair daqui – disse, enquanto sinalizava para Selton – a gente pode conversar num lugar mais a vontade.

- tudo bem.

Andamos cerca de duas quadras. Ela parou e beijou-me. Enquanto eu sentia seus lábios, suas mãos agarravam meu caralho. Em pouco tempo, ele estava duro, pronto para a foda. Ela notou a ereção e logo desabotoou o zíper da calça, mergulhando em minha rola. Eu só via o movimento de sua cabeça, sendo iluminado por um poste que havia em cima de nós. Quando saciou um pouco, eu virei-a de quatro e enfiei meu pau naquela bocetinha e um cara passou rindo. Eu a bimbava, ali mesmo, na rua. Um guarda parou. 

Tentei tirar o caralho de dentro da boceta, mas não dera tempo. O policial observou-me e falou:

- dando uma trepada no meio da rua, cara?

Sem graça, concordei com a cabeça.

- mas você sabe que é crime, né – disse com segundas intenções. – eu posso levá-los para a delegacia – completou.

Eu acendi um cigarro e pensei em como iria sair deste problema. Cogitei várias desculpas. Depois cheguei à conclusão de que nenhuma o convenceria.

- seria bom se você molhasse minha mão, não? – sugeriu o policial de forma sarcástica. – a vida tá difícil para todo mundo. Com a crise financeira, a gente não sabe o que fazer para viver com dignidade.

Por um momento considerei mandá-lo à merda. Contudo, entreguei ao guarda uma nota de 20 reais. Ele a principio resmungara. Eu vesti as minhas calças, a garota também vestiu as suas e fomos caminhando, devagar.

“Você é maluco demais, mocinho” – disse-me ela. – “Cê não viu nada ainda, não” – completei.

Olhares, risadas e beijos para todos os lados.

As mulheres são a beleza da vida.

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