O lugar: um ponto próximo a
Cuiabá, que é conhecido como Chapada dos Guimarães. Há cachoeiras correndo no
meio das trilhas, um casal de animais caminhando pelo gramado, uma fogueira que
iluminava meus pensamentos entre tragos filosóficos de cerveja e divagações
ontológicas profundas, que deixariam Schopenhauer, Nietzsche e todos os
filósofos do século XIX de cabelo em pé.
Às vezes o frio me ganhava, e eu
apelava prum Campo Largo, vinho tinto que custa aproximadamente 15 paus, mas
não deixa nada a desejar aos importados, que custam os olhos da cara. Num lugar
desses, geralmente levo um monte de coisas pra ler, como Thomas Mann e
Dostoievski – autores que todo escritor alardeia que leu, porém nunca correu os
olhos pelas frases deles. Ah, deve-se, também, acrescentar Proust – o cara que escreveu Em busca do tempo perdido (este, sim,
posso falar que li, numa tradução complicadíssima do poeta Manuel Bandeira.).
Na Chapada dos Guimarães, fiquei cinco dias sem celular, nem internet. Saí da
patética virtualização, literalmente.
Outra coisa
que fiz, em meio a tamanha solidão, porque Zé, meu camarada, estava com sua
mulher, foi pensar. Andávamos juntos, contávamos piadas, riamos das coisas
banais. A vida parecia ser mais fácil do quando estamos trancafiados num
cubículo, ouvindo frases feitas e pensamentos desconexos dos manda-chuvas da
sociedade. Não importa. Deixe isto de lado. O fato é que a Chapada dos
Guimarães lhe coloca dentro de uma máquina introspectiva.
Pra
escrever, por exemplo, é necessário pensar, mesmo que eu ache a maioria das
coisas que escrevo um emaranhado de palavras boiando entre metáforas carregadas
e metonímias sacanas. Ao pegar um texto meu no dia seguinte, vejo que muito
pouco, ou quase nada, houve de pensamento. Deve ser meus critérios literários,
cujos autores que me inspiram têm de enxugar uma birita, tecer trocadilhos
desvairados e delirantes, além discorrer sobre alguma foda, em algum lugar
qualquer. É um critério literário como qualquer outro, simplesmente. Já li
muita gente equilibrada. Agora procuro a esbórnia verbalizante, o hedonismo
literário e a festa entre as páginas ginsberguianas.
É preciso mergulhar profundamente no pensamento. Ou seja, é preciso pensar o
pensamento. Por exemplo: tem-se de entender o que há por trás dos versos do poeta, dos
parágrafos do ensaísta, do romancista, do cronista, do crítico literário e
musical que destila nas páginas dos jornais suas frases de efeito pra
impressionar os leitores ávidos por alguma opinião contundente, sobre o produto
cultural do momento.
Escrever é um ofício maluco, amigo.
Escrever é um ofício maluco, amigo.
Pois bem,
como tô em busca da minha identidade, que ficou perdida na estrada temporal,
ocorreu-me lembrar das crônicas que escrevi pro Diário da Manhã. Na faculdade,
os colegas não eram grandes entusiastas dos textos publicados. Eles rotulavam
meus escritos como inelegíveis, subjetivos demais e outros adjetivos tão equivocados,
quanto idiotas. Sim, idiotas porque a subjetividade é uma das características
do ser-humano, é tudo aquilo que forma nossos valores e norteia nossa visão de
mundo – que pode ser, ou não, ancorada em livros, filmes, músicas, educação escolar,
mas que tem uma forte influencia de sua casa, digo, família.
Outro dia, acho que foi há umas
duas, três semanas, eu conversava com Zé sobre os meandros masculinos e bradava
frases paveseanas aos borbotões. Invariavelmente, cheguei a conclusão de que eu quero – e
preciso – me perder, na vida, no texto, na cama. Me parece intuitivo que temos
uma única identidade na vida, e me parece saudável pro psiquismo transgredi-la.
É fundamental, pondero, seguir os conselhos de Roberto Freire, que num livrinho
porreta, disse que o tesão da vida é você poder fazer várias coisas, e que “sem
tesão não há solução”. Freire, um dos maiores intelectuais, criador de uma
técnica chamada somatepia, desenvolveu suas habilidades em várias áreas do
conhecimento, como a psicanálise, a psicologia, a psiquiatria. Ele, ainda,
afirmava que o capitalismo mascara os sentimentos humanos, dando-lhe remédios
que controlarão suas emoções, de modo que você consiga dançar a música
capitalista, cuja nota musical é uma cifra de 100 paus.
Com o propósito de encontrar minhas
identidades, formulei a seguinte questão: o que eu estava fazendo há 15
minutos?
Então, veio-me outra pergunta à
mente: por que 15? Por que minutos? Asseguro-lhes, que a indagação, inclusive,
não têm quaisquer ligações ou alusões, por mais banal que seja, ao PMDB. E não
sei por que pensei em minutos, e não anos. A única coisa que sei que é se trata
de uma bizarrice assaz. Eu estava, todavia, apenas pensamento. E como disse
Millôr Fernandes livre-pensar é só pensar – e é justamente o que tô tentando fazer
agora, com Paraísos Artificiais, Le fleurs du mal e Tanto Faz em minha frente.
Paro o texto. Vou à janela,
acendo meu último cigarro e beberico meu café. Dou um trago, volto e coloco Monk´s dream, do pianista Thelonious
Monk, a todo volume. Jazz é a música da perdição. Do nada, senti um
estranhamento póstumo, como o narrador de Memórias
Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que narra sua história de
vida, após morrer. Como se vê, a solidão pode resultar em metafísica,
facilmente. Basta um sujeito querer pôr no papel seus pensamentos, como são,
sem censurá-los.
Veja, portanto, como é o
psiquismo. Há 15 minutos eu tinha certeza de que estava vivíssimo, mas bastou
poucos instantes pra eu entrar num lampejo existencial satreano. Entre ser e
não ser, eu apostaria todas as minhas fichas no ser. E seguiria os preceitos do
pai da fenomenologia, Heidegger, e tentaria influenciar e ser influenciado pelo
outro. Eu piraria na cama, no texto, na vida e seria acolhido por qualquer rabo
de saia que passasse sobre mim com algum sorriso acolhedor estampado nos
estonteantes pômulos femininos. Creio ter sido feliz esse momento
filosófico-cafeínico-nicotínico.
Satre tinha razão: a imaginação é
infinita.
Ok, vamos trabaiá, que eu preciso
terminar a porra da pauta do documentário sobre rock goiano. O professor
disse que temos de mudá-la para que o filme seja exibido num cinema, aqui de
Goiânia.
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