sábado, 8 de outubro de 2016

Divagações ontológicas numa noite qualquer de trabaio

O lugar: um ponto próximo a Cuiabá, que é conhecido como Chapada dos Guimarães. Há cachoeiras correndo no meio das trilhas, um casal de animais caminhando pelo gramado, uma fogueira que iluminava meus pensamentos entre tragos filosóficos de cerveja e divagações ontológicas profundas, que deixariam Schopenhauer, Nietzsche e todos os filósofos do século XIX de cabelo em pé.

Às vezes o frio me ganhava, e eu apelava prum Campo Largo, vinho tinto que custa aproximadamente 15 paus, mas não deixa nada a desejar aos importados, que custam os olhos da cara. Num lugar desses, geralmente levo um monte de coisas pra ler, como Thomas Mann e Dostoievski – autores que todo escritor alardeia que leu, porém nunca correu os olhos pelas frases deles. Ah, deve-se, também, acrescentar Proust – o cara que escreveu Em busca do tempo perdido (este, sim, posso falar que li, numa tradução complicadíssima do poeta Manuel Bandeira.). Na Chapada dos Guimarães, fiquei cinco dias sem celular, nem internet. Saí da patética virtualização, literalmente.

Outra coisa que fiz, em meio a tamanha solidão, porque Zé, meu camarada, estava com sua mulher, foi pensar. Andávamos juntos, contávamos piadas, riamos das coisas banais. A vida parecia ser mais fácil do quando estamos trancafiados num cubículo, ouvindo frases feitas e pensamentos desconexos dos manda-chuvas da sociedade. Não importa. Deixe isto de lado. O fato é que a Chapada dos Guimarães lhe coloca dentro de uma máquina introspectiva.

Pra escrever, por exemplo, é necessário pensar, mesmo que eu ache a maioria das coisas que escrevo um emaranhado de palavras boiando entre metáforas carregadas e metonímias sacanas. Ao pegar um texto meu no dia seguinte, vejo que muito pouco, ou quase nada, houve de pensamento. Deve ser meus critérios literários, cujos autores que me inspiram têm de enxugar uma birita, tecer trocadilhos desvairados e delirantes, além discorrer sobre alguma foda, em algum lugar qualquer. É um critério literário como qualquer outro, simplesmente. Já li muita gente equilibrada. Agora procuro a esbórnia verbalizante, o hedonismo literário e a festa entre as páginas ginsberguianas.

É preciso mergulhar profundamente no pensamento. Ou seja, é preciso pensar o pensamento. Por exemplo: tem-se de entender o que há por trás dos versos do poeta, dos parágrafos do ensaísta, do romancista, do cronista, do crítico literário e musical que destila nas páginas dos jornais suas frases de efeito pra impressionar os leitores ávidos por alguma opinião contundente, sobre o produto cultural do momento.

Escrever é um ofício maluco, amigo.

Pois bem, como tô em busca da minha identidade, que ficou perdida na estrada temporal, ocorreu-me lembrar das crônicas que escrevi pro Diário da Manhã. Na faculdade, os colegas não eram grandes entusiastas dos textos publicados. Eles rotulavam meus escritos como inelegíveis, subjetivos demais e outros adjetivos tão equivocados, quanto idiotas. Sim, idiotas porque a subjetividade é uma das características do ser-humano, é tudo aquilo que forma nossos valores e norteia nossa visão de mundo – que pode ser, ou não, ancorada em livros, filmes, músicas, educação escolar, mas que tem uma forte influencia de sua casa, digo, família.

Outro dia, acho que foi há umas duas, três semanas, eu conversava com Zé sobre os meandros masculinos e bradava frases paveseanas aos borbotões. Invariavelmente, cheguei a conclusão de que eu quero – e preciso – me perder, na vida, no texto, na cama. Me parece intuitivo que temos uma única identidade na vida, e me parece saudável pro psiquismo transgredi-la. É fundamental, pondero, seguir os conselhos de Roberto Freire, que num livrinho porreta, disse que o tesão da vida é você poder fazer várias coisas, e que “sem tesão não há solução”. Freire, um dos maiores intelectuais, criador de uma técnica chamada somatepia, desenvolveu suas habilidades em várias áreas do conhecimento, como a psicanálise, a psicologia, a psiquiatria. Ele, ainda, afirmava que o capitalismo mascara os sentimentos humanos, dando-lhe remédios que controlarão suas emoções, de modo que você consiga dançar a música capitalista, cuja nota musical é uma cifra de 100 paus.

Com o propósito de encontrar minhas identidades, formulei a seguinte questão: o que eu estava fazendo há 15 minutos?

Então, veio-me outra pergunta à mente: por que 15? Por que minutos? Asseguro-lhes, que a indagação, inclusive, não têm quaisquer ligações ou alusões, por mais banal que seja, ao PMDB. E não sei por que pensei em minutos, e não anos. A única coisa que sei que é se trata de uma bizarrice assaz. Eu estava, todavia, apenas pensamento. E como disse Millôr Fernandes livre-pensar é só pensar – e é justamente o que tô tentando fazer agora, com Paraísos Artificiais, Le fleurs du mal e Tanto Faz em minha frente.

Paro o texto. Vou à janela, acendo meu último cigarro e beberico meu café. Dou um trago, volto e coloco Monk´s dream, do pianista Thelonious Monk, a todo volume. Jazz é a música da perdição. Do nada, senti um estranhamento póstumo, como o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que narra sua história de vida, após morrer. Como se vê, a solidão pode resultar em metafísica, facilmente. Basta um sujeito querer pôr no papel seus pensamentos, como são, sem censurá-los.

Veja, portanto, como é o psiquismo. Há 15 minutos eu tinha certeza de que estava vivíssimo, mas bastou poucos instantes pra eu entrar num lampejo existencial satreano. Entre ser e não ser, eu apostaria todas as minhas fichas no ser. E seguiria os preceitos do pai da fenomenologia, Heidegger, e tentaria influenciar e ser influenciado pelo outro. Eu piraria na cama, no texto, na vida e seria acolhido por qualquer rabo de saia que passasse sobre mim com algum sorriso acolhedor estampado nos estonteantes pômulos femininos. Creio ter sido feliz esse momento filosófico-cafeínico-nicotínico.

Satre tinha razão: a imaginação é infinita.

Ok, vamos trabaiá, que eu preciso terminar a porra da pauta do documentário sobre rock goiano. O professor disse que temos de mudá-la para que o filme seja exibido num cinema, aqui de Goiânia. 

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