Uns dizem que é impeachment, outros
que é golpe. Uns dizem que é repressão, outros que é um
simples confronto. Uns agarram às mãos dos barões e os veneram com palavras
solenes, outros acusam o papel sujo e classicista dos capitães de areia – vai
que a bola é tua, Jorge Amado.
Uns cegam da forma mais desumana fatos
que valiam milhões de editorais em qualquer jornal, em qualquer lugar do mundo –
vide o progressista Liberation, da
França. Outros, no ápice do cinismo, despacham memorando pela imprensa: “Vamos
apurar o caso”. E, enquanto isso, Ronaldo Caiado dá uma de machão, no Senado,
relembrando o nebuloso passado da família Caiado, em Goiás.
Uns clamam pelo arrocho econômico,
o tal do livre mercado que deixaria Keynes entristecido, outros já sentem a melodia
de um blues melancólico nas vísceras de suas barrigas que pede por mais um pedaço de pão. Uns se aposentam aos 50,
outros nem chegarão a conhecer uma previdência digna de seus anos dedicados à
labuta. Vida que segue, democracia idem, se quiser, é claro.
Uns e outros não se entendem
neste enredo fantasmagórico que me evoca os filmes do surreal Luís Buñuel, que fora colega de Salvador Dalí – e que André Breton disse que só
queria dinheiro, que apoiou o franquismo na década de 30, na Espanha, mas era,
temos de reconhecer, um excelente artista.
Uns levam porrada com cassetetes,
outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” dos homens
de farda. Uns rasgam seus títulos de eleitores e enrolam um fuminho do capeta nele,
enquanto uns afirmam, em suas verborragias descaradas, que o Brasil sairá da “escuridão”
e voltará a crescer 10% ao ano.
Uns querem justiça, igualdade,
liberdade, fraternidade, outros querem mais do mesmo, digo, a política
neoliberal que colocou a economia da Europa em ruínas, cuja dama-de-ferro, Margaret
Thatcher, sofrera sonora vaia no dia de sua morte, em 8 de abril de 2013.
Uns e outros não se bicam, no que
convoco nosso maior romancista, Machado de Assis, neste maniqueísmo que se
tornou o cenário político brasileiro. “O país real é bom, revela os melhores
instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco.” Vai que vai
Machadão. Ponto, parágrafo. E a canalhice segue.
Uns levam porrada com cassetetes,
outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” da
galera fardada. Outros, para parafrasear Buñuel, em Discreto charme da burguesia, desfrutam de champanhe no banquete da
Fiesp (Federação das Indústrias).
“Posso tirar uma selfie, seu PM”,
pediam “os cidadãos de bem”, com suas camisetas da CBF, no alto de seus
privilégios e ignorâncias, em manifestações articuladas por movimentos sociais que nadavam em dinheiro de partidos reacionários.
“Claro”, confirma o guarda com
cara de superior, por portar um artefato que pode arrancar um olho, pasme, como
aconteceu com Debora Fabri – que manifestava sua revolta, em São Paulo, ao governo
ilegítimo do peemedebista.
Uns e outros, infelizmente,
contam com a ajuda do sistema de justiça, que consome 1,8% do erário público;
outros seguem com o desnível dos julgamentos porque não têm cédulas para
esbanjar por aí. Ponto e vírgula. E a Fantasmagoria segue, amigo leitor.
Uns aderem ao lead da imprensa
oligarca e conservadora, outros ignoraram os verbos e adjetivos – um crime
para o exercício do bom jornalismo – e não se conformam com os rumos do País. Uns
fazem planos, com visões baseadas na esquizofrenia da bolsa de valores, outros pensam
que o quê lhes restam é um bom porre no boteco da esquina.
Uns aplaudem o jornalismo de
ocasião, com apuração atrelada ao Poder, repletos de textos simplistas e
superficiais, outros optam pelo bom jornalismo, que segue os preceitos democráticos,
como ouvir os dois lados, checar, humanizar e redigir com responsabilidade e compromisso
com a práxis jornalística.
Uns pedem que não sejam chamados
de golpista, como o nobre Michael Temer que avisou que não tolerará ser alcunhado
como tal, outros são tirados do poder por barões que não se conformam de ter a justiça em seus pés.
Uns, literalmente, caminham à
merda, outros a China.
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