sábado, 3 de setembro de 2016

Uns e outros

Uns dizem que é impeachment, outros que é golpe. Uns dizem que é repressão, outros que é um simples confronto. Uns agarram às mãos dos barões e os veneram com palavras solenes, outros acusam o papel sujo e classicista dos capitães de areia – vai que a bola é tua, Jorge Amado.   

Uns cegam da forma mais desumana fatos que valiam milhões de editorais em qualquer jornal, em qualquer lugar do mundo – vide o progressista Liberation, da França. Outros, no ápice do cinismo, despacham memorando pela imprensa: “Vamos apurar o caso”. E, enquanto isso, Ronaldo Caiado dá uma de machão, no Senado, relembrando o nebuloso passado da família Caiado, em Goiás.

Uns clamam pelo arrocho econômico, o tal do livre mercado que deixaria Keynes entristecido, outros já sentem a melodia de um blues melancólico nas vísceras de suas barrigas que pede por mais um pedaço de pão. Uns se aposentam aos 50, outros nem chegarão a conhecer uma previdência digna de seus anos dedicados à labuta. Vida que segue, democracia idem, se quiser, é claro.

Uns e outros não se entendem neste enredo fantasmagórico que me evoca os filmes do surreal Luís Buñuel, que fora colega de Salvador Dalí – e que André Breton disse que só queria dinheiro, que apoiou o franquismo na década de 30, na Espanha, mas era, temos de reconhecer, um excelente artista.

Uns levam porrada com cassetetes, outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” dos homens de farda. Uns rasgam seus títulos de eleitores e enrolam um fuminho do capeta nele, enquanto uns afirmam, em suas verborragias descaradas, que o Brasil sairá da “escuridão” e voltará a crescer 10% ao ano.

Uns querem justiça, igualdade, liberdade, fraternidade, outros querem mais do mesmo, digo, a política neoliberal que colocou a economia da Europa em ruínas, cuja dama-de-ferro, Margaret Thatcher, sofrera sonora vaia no dia de sua morte, em 8 de abril de 2013.

Uns e outros não se bicam, no que convoco nosso maior romancista, Machado de Assis, neste maniqueísmo que se tornou o cenário político brasileiro. “O país real é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco.” Vai que vai Machadão. Ponto, parágrafo. E a canalhice segue.

Uns levam porrada com cassetetes, outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” da galera fardada. Outros, para parafrasear Buñuel, em Discreto charme da burguesia, desfrutam de champanhe no banquete da Fiesp (Federação das Indústrias).

“Posso tirar uma selfie, seu PM”, pediam “os cidadãos de bem”, com suas camisetas da CBF, no alto de seus privilégios e ignorâncias, em manifestações articuladas por movimentos sociais que nadavam em dinheiro de partidos reacionários.

“Claro”, confirma o guarda com cara de superior, por portar um artefato que pode arrancar um olho, pasme, como aconteceu com Debora Fabri – que manifestava sua revolta, em São Paulo, ao governo ilegítimo do peemedebista.

Uns e outros, infelizmente, contam com a ajuda do sistema de justiça, que consome 1,8% do erário público; outros seguem com o desnível dos julgamentos porque não têm cédulas para esbanjar por aí. Ponto e vírgula. E a Fantasmagoria segue, amigo leitor.

Uns aderem ao lead da imprensa oligarca e conservadora, outros ignoraram os verbos e adjetivos – um crime para o exercício do bom jornalismo – e não se conformam com os rumos do País. Uns fazem planos, com visões baseadas na esquizofrenia da bolsa de valores, outros pensam que o quê lhes restam é um bom porre no boteco da esquina.

Uns aplaudem o jornalismo de ocasião, com apuração atrelada ao Poder, repletos de textos simplistas e superficiais, outros optam pelo bom jornalismo, que segue os preceitos democráticos, como ouvir os dois lados, checar, humanizar e redigir com responsabilidade e compromisso com a práxis jornalística.

Uns pedem que não sejam chamados de golpista, como o nobre Michael Temer que avisou que não tolerará ser alcunhado como tal, outros são tirados do poder por barões que não se conformam de ter a justiça em seus pés.

Uns, literalmente, caminham à merda, outros a China. 

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