Não sei se você já encontrou a
clássica garrafa de rolha, comum nos filmes americanos, com um papel dentro.
Pois eu acabo de encontrá-la, e em terra firme, não banhada pelo mar. Foi hoje
de manhã, durante minha caminhada até a banca de revistas pra comprar o jornal
do dia. Na praça, havia alguns skatistas, ciclistas e malandros (todos com o
smartphone em mãos, teclando sem parar) e caçadores de Pokémons – aliás, de
onde vem esse cômico acento agudo se o troço é coreano?
Se há algo em comum entre as
pessoas hoje, é o fato de todas estarem com o celular em mãos. Eu reproduzia em
meu iphone mental Gimme Shelter, dos Rolling Stones, andava distraidamente
pelas ruas, sob o calor matutino goianiense, que evaporava a cerveja consumida
ontem. Olhei pro lado. Todos estavam “whatsapeando”, caçando os absurdos
pokemons (sem acento, gente), vendo pornografia ou sei lá o quê, o aparelho era
uma extensão natural, caro Mcluhan, do corpo humano. Só não vi nenhum cachorro
ou bebe com smartphone em mãos. Ainda.
Tempos atrás era comum ver pessoas
com livro e gibis. Lia-se quando dava, seja no ônibus, no banco das praças e em
outros lugares públicos onde a leitura, com um certo conforto, se tornava
possível. Depois, os livros foram substituídos por fones de ouvido, iPods e
outras caixinhas eletrônicas de música. Hoje, a telinha do smartphone – que,
inclusive, tenho um enorme pânico quando a vejo – está repleta de informações
pessoais, turbilhão de imagens e passa-tempos loucamente estranhos. Tempos
modernos, diria o Chaplin. Tempos irritantemente modernos, desculpe Reinaldão
Moraes, atestamos nós – eu e você.
Mas, sossegado, beleza. Entrei na
banca de revista, comprei O Popular do dia e pedi um maço de Free vermelho.
Foleei o jornal, e resmunguei alguma coisa aleatória. Nestes tempos, abrir um
periódico com inclinações conservadoras não é uma tarefa, digamos, nada fácil.
Primeiro: o editorial já lhe deixa entristecido. Segundo: as reportagens têm
enfoque que beira a cretinice. Terceiro: os articulistas, com raras exceções, redigem
sobre o quê interessa a uma determinada classe social – a elite – e pouco se
importam com os anseios da maioria da população, que tem de enfrentar os
deficientes serviços públicos, como transporte público, todos os dias.
Quem escreve tem de lubrificar o
psiquismo com uma boa caminhada, uma boa foda, um bom porre na esquina e com um
bom tempo coçando o saco até criar pentelhos na ponta dos dedos. O ócio é o
material de um escritor minimamente decente. Desconfie se o cara gargantear
afazeres inúteis, como passar boa parte do dia com o smartphone em mãos.
Inevitavelmente, penso nos grandes das letras. Penso em no velho bucetudo,
Charles Bukowski, penso em William Burroughs, o junkie mor da geração beat,
penso em Baudelaire caminhando bêbado pelas ruas de Paris. Penso nos bons, nos
mestres, nos que não repetem frases feitas e chavões, mas queimam, queimam como
se fossem fogos de artifícios pela noite.
Fechei o jornal. Acendi um
cigarro. E percebi que minha mente caminhava mais rápido que meu corpo. Viajava
por múltiplos paraísos libidinais – coisas que um cara habitualmente faz ao caminhar pelas ruas de uma cidade – quando dei com o pescoço num galho de
arvore que estava solto. Só percebi qual objeto era quando arranhei levemente o
pescoço e bati a testa numa garrafa de vinho tinto. Tirei a tampa e abri.
Dentro havia um texto, escrito em caneta esferográfica preta, numa letra
feminina e com linguagem culta – como
você poderá ver.
Dói, né? Dói ficar pagando o mico do orgasmo que não vem. Às vezes o
cara não tem a manha. Ou é rápido demais, ou é lerdo demais. Isso, quando
simplesmente não tem graça nenhuma. Sei lá. Sem contar que alguns, muito
fresquinhos, têm medo de engravidar. Camisinha pode estourar – e outras
paranoias do gênero. Pode, aliás, até não acontecer nada: o cara pode broxar na
hora H.
Desisti do sexo. Tento me valer desta escolha minha todos os dias. Pelo
menos eu terei mais tempo para dedicar-me a aprender alemão e ler romances
longos. Poderei ir ao supermercado, sair à noite e pensar na vida, nas escolhas
que deixei de fazer. Escreverei um romance, que planejo há, mais ou menos, uns
10 anos dez.
Só não sei, e prefiro nem saber se o sexo desistiu de mim. Eis a
questão. Aliás, quem tiver achado essa mensagem e quiser vir trocar uma ideia
comigo pode me...
Pode me – o quê? O texto morria
ali. A mulher, provavelmente, deve ter se enchido dos homens e agora optou por
viver uma vida sem, talvez, aquilo que a maioria de nós busca: o prazer
corporal, o fluído dos corpos, o gosto da vida, do amor, do desejo. Ela, não.
Já deu. Quer um tempo livre, ela com ela.
Peguei o papel, coloquei dentro
da garrafa e fui caminhando em direção à minha casa. Senti em frente ao
computador, botei Let it Blee, dos
Stones e redigi.
Cada coisa que a gente vê e lê
por aí, né?
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