quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Tempos irritantemente modernos

Não sei se você já encontrou a clássica garrafa de rolha, comum nos filmes americanos, com um papel dentro. Pois eu acabo de encontrá-la, e em terra firme, não banhada pelo mar. Foi hoje de manhã, durante minha caminhada até a banca de revistas pra comprar o jornal do dia. Na praça, havia alguns skatistas, ciclistas e malandros (todos com o smartphone em mãos, teclando sem parar) e caçadores de Pokémons – aliás, de onde vem esse cômico acento agudo se o troço é coreano?

Se há algo em comum entre as pessoas hoje, é o fato de todas estarem com o celular em mãos. Eu reproduzia em meu iphone mental Gimme Shelter, dos Rolling Stones, andava distraidamente pelas ruas, sob o calor matutino goianiense, que evaporava a cerveja consumida ontem. Olhei pro lado. Todos estavam “whatsapeando”, caçando os absurdos pokemons (sem acento, gente), vendo pornografia ou sei lá o quê, o aparelho era uma extensão natural, caro Mcluhan, do corpo humano. Só não vi nenhum cachorro ou bebe com smartphone em mãos. Ainda.

Tempos atrás era comum ver pessoas com livro e gibis. Lia-se quando dava, seja no ônibus, no banco das praças e em outros lugares públicos onde a leitura, com um certo conforto, se tornava possível. Depois, os livros foram substituídos por fones de ouvido, iPods e outras caixinhas eletrônicas de música. Hoje, a telinha do smartphone – que, inclusive, tenho um enorme pânico quando a vejo – está repleta de informações pessoais, turbilhão de imagens e passa-tempos loucamente estranhos. Tempos modernos, diria o Chaplin. Tempos irritantemente modernos, desculpe Reinaldão Moraes, atestamos nós – eu e você.

Mas, sossegado, beleza. Entrei na banca de revista, comprei O Popular do dia e pedi um maço de Free vermelho. Foleei o jornal, e resmunguei alguma coisa aleatória. Nestes tempos, abrir um periódico com inclinações conservadoras não é uma tarefa, digamos, nada fácil. Primeiro: o editorial já lhe deixa entristecido. Segundo: as reportagens têm enfoque que beira a cretinice. Terceiro: os articulistas, com raras exceções, redigem sobre o quê interessa a uma determinada classe social – a elite – e pouco se importam com os anseios da maioria da população, que tem de enfrentar os deficientes serviços públicos, como transporte público, todos os dias.

Quem escreve tem de lubrificar o psiquismo com uma boa caminhada, uma boa foda, um bom porre na esquina e com um bom tempo coçando o saco até criar pentelhos na ponta dos dedos. O ócio é o material de um escritor minimamente decente. Desconfie se o cara gargantear afazeres inúteis, como passar boa parte do dia com o smartphone em mãos. Inevitavelmente, penso nos grandes das letras. Penso em no velho bucetudo, Charles Bukowski, penso em William Burroughs, o junkie mor da geração beat, penso em Baudelaire caminhando bêbado pelas ruas de Paris. Penso nos bons, nos mestres, nos que não repetem frases feitas e chavões, mas queimam, queimam como se fossem fogos de artifícios pela noite.

Fechei o jornal. Acendi um cigarro. E percebi que minha mente caminhava mais rápido que meu corpo. Viajava por múltiplos paraísos libidinais – coisas que um cara habitualmente faz ao caminhar pelas ruas de uma cidade – quando dei com o pescoço num galho de arvore que estava solto. Só percebi qual objeto era quando arranhei levemente o pescoço e bati a testa numa garrafa de vinho tinto. Tirei a tampa e abri. Dentro havia um texto, escrito em caneta esferográfica preta, numa letra feminina e com  linguagem culta – como você poderá ver.

Dói, né? Dói ficar pagando o mico do orgasmo que não vem. Às vezes o cara não tem a manha. Ou é rápido demais, ou é lerdo demais. Isso, quando simplesmente não tem graça nenhuma. Sei lá. Sem contar que alguns, muito fresquinhos, têm medo de engravidar. Camisinha pode estourar – e outras paranoias do gênero. Pode, aliás, até não acontecer nada: o cara pode broxar na hora H.  

Desisti do sexo. Tento me valer desta escolha minha todos os dias. Pelo menos eu terei mais tempo para dedicar-me a aprender alemão e ler romances longos. Poderei ir ao supermercado, sair à noite e pensar na vida, nas escolhas que deixei de fazer. Escreverei um romance, que planejo há, mais ou menos, uns 10 anos dez.

Só não sei, e prefiro nem saber se o sexo desistiu de mim. Eis a questão. Aliás, quem tiver achado essa mensagem e quiser vir trocar uma ideia comigo pode me...

Pode me – o quê? O texto morria ali. A mulher, provavelmente, deve ter se enchido dos homens e agora optou por viver uma vida sem, talvez, aquilo que a maioria de nós busca: o prazer corporal, o fluído dos corpos, o gosto da vida, do amor, do desejo. Ela, não. Já deu. Quer um tempo livre, ela com ela.

Peguei o papel, coloquei dentro da garrafa e fui caminhando em direção à minha casa. Senti em frente ao computador, botei Let it Blee, dos Stones e redigi.

Cada coisa que a gente vê e lê por aí, né?

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