Parece um enredo kafkiano, mas
não é. O que me intriga, destroça e ofende é o comportamento de muitos que se
mostram incapazes de entender o grau da parvoíce atingido pelo Brasil da Casa
Grande & da Senzala, cada vez mais próximo da era Medieval. Gilberto Freyre
e Florestan Fernandes não compõem a biblioteca deles (o que é uma
biblioteca mesmo?).
Não me refiro ao quociente de
inteligência a que o País se deixou reduzir, aludo ao quociente de delírio,
propagados aos borbotões pelos oligarcas dos três jornalões, desculpe Mino, que
mandam e desmandam nas investigações judiciais e ditam os rumos da esfera
pública de discussão. Crime de lesa pátria ao exercício do bom jornalismo, e
péssimo para a democracia – que respira com ajuda de aparelhos, e onde residem
os fundamentos da imprensa.
A denúncia do ex-presidente Lula
não passa de uma pregação desvairada e perversa, articulada por barões
ensandecidos por impunidade, vibe o larapio engravatado, Romero Jucá, “o astuto”
como lhe alcunhou a revista Época.
Inexplicavelmente, Lula virou
inimigo público número um, para parafrasear o cineasta Rogério Sganzela, em Bandido da Luz Vermelha. Primeiro, foram
as escutas vazadas por Moro, em março deste ano. Agora, o indiciamento por
causa do famosíssimo tríplex, no Guarujá.
E Cunha e sua mulher? Ah, deixem
eles pra lá, ora pois. O charlatão cristão recebeu apenas 52 milhões de reais,
e os transferiu para paraísos fiscais. Temos de lembrar que o cara é
amiguíssimo do nobre Temer, pô. Jeito peemedebista de resolver as coisas. Fazer
o quê?
Depois do golpe que usava a veste
do impeachment, tudo tem sido permitido. Uma farsa tirara o filme Aquarius da corrida pelo Oscar; uma
emboscada noturna do Congresso tentara fazer do “Caixa 2” uma atividade
primorosa e honrosa e o governo, numa canetada do “poeta”, que deixaria Millôr
Fernandes entristecido, reformulou o ensino médio.
Adiós espanhol, Filosofia, Sociologia.
Adiós à Educação Física, no país, que até ontem, orgulhava-se das Olimpíadas,
mesmo sem ter uma assertiva política esportiva. Dançamos, amigo, no ritmo do
polichinelo. Que lindo! Sem falar no famigerado projeto de 12 horas de labuta,
que tentam botar goela abaixo da população. Querem que acreditemos que será
opcional – a tal da jornada de 12 horas.
Dá pra crer?
Ponto. Parágrafo. E mais uma
cerveja, por favor.
Todo boteco, do sujo ao metido a
chique, tem um elenco de Nelson Rodrigues. Nas mesas do Bar da Tia, ponto de
discussões acaloradas sobre o contexto político, não se falava de outra coisa,
a não ser da prisão estapafúrdia do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega. O
mineiro, digo, brasileiro não é menos solidário no câncer, amigo Edgar – personagem
da peça Bonitinha, mas ordinária, do
Tio Nelson Rodrigues, clássico do teatro brasileiro.
Todo bar tem, ou deve ter, alguém
que assobie, Três da madrugada, da Gal Costa, o hino dos famigerados boêmios
invertebrados. “Três da madrugada/Quase nada”. Tentarei concertar minhas
ressacas morais, políticas e poéticas com poema do mestre do modernismo
brasileiro, Oswald de Andrade:
Negatividade histórico-materialista
Uma criança não tem defesa
Nasceu no morro
É fêmea
O que ela vai ser?
O que a sociedade mandar
Será feita a sua vontade
É destino
Das classes
Menos favorecidas
É, meu nobre Oswald, as classes
menos favorecidas estão condenadas ao ostracismo mesmo. Quem dera se os gênios
que bateram panelas no alto de seus privilégios tivessem conhecimento desse teu
poema. Ou, pra pedir demais, fossem capazes de exercitar a empatia – aquele
conceito inútil da psicologia, “muito bonito na sala de aula, mas sem sentido
algum no mundo real”.
Todo boteco, vai por mim, tem
aquela equivocada tese de que todas as instituições da democracia estão
funcionando, nada fora da normalidade, tudo o que os gregos gostariam de ter
visto.
Agora deixo com Bertold Brecht: “Desconfiai do mais trivial/ na aparência singela/ E examinai, sobretudo, o que parece habitual.”
Não adianta nem disfarçar, os
homens de preto jamais prenderam um grandão do outro lado, digo, tucano. Um
peessedebista no xilindró, nem no fim dos tempos, seu cronista. Você tá louco?
Mais ou menos assim falaram esses
trutas. Ou quase, dependendo das tretas que andam rolando por este Brasil.
Relaxa. Bom mesmo é seguir o conselho de Dalton Trevisan, o Vampiro de
Curitiba, que num livrinho porreta, diz assim: “O amor é como uma corruíra no
jardim — de repente ela canta e muda toda a paisagem.”
A literatura sempre será melhor
que a realidade. Não adianta.
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