sábado, 24 de setembro de 2016

A hora da demência

Parece um enredo kafkiano, mas não é. O que me intriga, destroça e ofende é o comportamento de muitos que se mostram incapazes de entender o grau da parvoíce atingido pelo Brasil da Casa Grande & da Senzala, cada vez mais próximo da era Medieval. Gilberto Freyre e Florestan Fernandes não compõem a biblioteca deles (o que é uma biblioteca mesmo?).

Não me refiro ao quociente de inteligência a que o País se deixou reduzir, aludo ao quociente de delírio, propagados aos borbotões pelos oligarcas dos três jornalões, desculpe Mino, que mandam e desmandam nas investigações judiciais e ditam os rumos da esfera pública de discussão. Crime de lesa pátria ao exercício do bom jornalismo, e péssimo para a democracia – que respira com ajuda de aparelhos, e onde residem os fundamentos da imprensa.

A denúncia do ex-presidente Lula não passa de uma pregação desvairada e perversa, articulada por barões ensandecidos por impunidade, vibe o larapio engravatado, Romero Jucá, “o astuto” como lhe alcunhou a revista Época.

Inexplicavelmente, Lula virou inimigo público número um, para parafrasear o cineasta Rogério Sganzela, em Bandido da Luz Vermelha. Primeiro, foram as escutas vazadas por Moro, em março deste ano. Agora, o indiciamento por causa do famosíssimo tríplex, no Guarujá.

E Cunha e sua mulher? Ah, deixem eles pra lá, ora pois. O charlatão cristão recebeu apenas 52 milhões de reais, e os transferiu para paraísos fiscais. Temos de lembrar que o cara é amiguíssimo do nobre Temer, pô. Jeito peemedebista de resolver as coisas. Fazer o quê?

Depois do golpe que usava a veste do impeachment, tudo tem sido permitido. Uma farsa tirara o filme Aquarius da corrida pelo Oscar; uma emboscada noturna do Congresso tentara fazer do “Caixa 2” uma atividade primorosa e honrosa e o governo, numa canetada do “poeta”, que deixaria Millôr Fernandes entristecido, reformulou o ensino médio.

Adiós espanhol, Filosofia, Sociologia. Adiós à Educação Física, no país, que até ontem, orgulhava-se das Olimpíadas, mesmo sem ter uma assertiva política esportiva. Dançamos, amigo, no ritmo do polichinelo. Que lindo! Sem falar no famigerado projeto de 12 horas de labuta, que tentam botar goela abaixo da população. Querem que acreditemos que será opcional – a tal da jornada de 12 horas. 

Dá pra crer?

Ponto. Parágrafo. E mais uma cerveja, por favor.

Todo boteco, do sujo ao metido a chique, tem um elenco de Nelson Rodrigues. Nas mesas do Bar da Tia, ponto de discussões acaloradas sobre o contexto político, não se falava de outra coisa, a não ser da prisão estapafúrdia do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega. O mineiro, digo, brasileiro não é menos solidário no câncer, amigo Edgar – personagem da peça Bonitinha, mas ordinária, do Tio Nelson Rodrigues, clássico do teatro brasileiro.

Todo bar tem, ou deve ter, alguém que assobie, Três da madrugada, da Gal Costa, o hino dos famigerados boêmios invertebrados. “Três da madrugada/Quase nada”. Tentarei concertar minhas ressacas morais, políticas e poéticas com poema do mestre do modernismo brasileiro, Oswald de Andrade:

Negatividade histórico-materialista
Uma criança não tem defesa
Nasceu no morro
É fêmea
O que ela vai ser?
O que a sociedade mandar
Será feita a sua vontade
É destino
Das classes
Menos favorecidas

É, meu nobre Oswald, as classes menos favorecidas estão condenadas ao ostracismo mesmo. Quem dera se os gênios que bateram panelas no alto de seus privilégios tivessem conhecimento desse teu poema. Ou, pra pedir demais, fossem capazes de exercitar a empatia – aquele conceito inútil da psicologia, “muito bonito na sala de aula, mas sem sentido algum no mundo real”.

Todo boteco, vai por mim, tem aquela equivocada tese de que todas as instituições da democracia estão funcionando, nada fora da normalidade, tudo o que os gregos gostariam de ter visto.

Agora deixo com Bertold Brecht: “Desconfiai do mais trivial/ na aparência singela/ E examinai, sobretudo, o que parece habitual.”

Não adianta nem disfarçar, os homens de preto jamais prenderam um grandão do outro lado, digo, tucano. Um peessedebista no xilindró, nem no fim dos tempos, seu cronista. Você tá louco?

Mais ou menos assim falaram esses trutas. Ou quase, dependendo das tretas que andam rolando por este Brasil. Relaxa. Bom mesmo é seguir o conselho de Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba, que num livrinho porreta, diz assim: “O amor é como uma corruíra no jardim — de repente ela canta e muda toda a paisagem.”

A literatura sempre será melhor que a realidade. Não adianta.  

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