O poeta americano, em seu estúdio, com quadros que pintou neste ano |
Lawrence Ferlinghetti é um poeta
beat. Publicou seu primeiro livro de poemas, Um parque de diversões da cabeça,
na década de 1950. Em sua poesia, é comum abordagens de temas políticos e
sociais. No início da década de 1980, lançou o romance Amor e revolução, que
narra a história de um banqueiro que vive conforme o espírito burguês.
Aos 98 anos, ele se diz “cansado”
e “descontente” com Barack Obama. “Obama acabou se ornando o grande
contemporizador”, diz. Questionado sobre o candidato à presidência dos EUA,
Donald Trump, o poeta comparou-o ao ditador italiano Benito Mussolini. “Ele me
lembra Mussolini. Todos acharam que Trump era apenas uma piada, mas seria um
desastre ele ser presidente dos EUA”, afirma.
Na infância, Ferlinghetti era um
garoto tipicamente americano que virou escoteiro nos subúrbios. Anos depois,
desembarcou na Normandia, com as tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial, e
viajou em vagões de carga com gente desconhecida. Viu a explosão da bomba de
Nagasaki – que vitimou aproximadamente 1 milhão de pessoas, no final da Segunda
Guerra.
Após o término da Guerra,
Ferlinghetti se estabeleceu em San Francisco. Lá, ele abriu a City Lights Book,
livraria e editora que fora o epicentro da poesia beat. Ferlinghett, ainda,
editou e publicou, em 1958, Howl and Other Poems, de Allen Ginsberg, que foi censurado e tornaram ambos famosos.
Em entrevista à Folha de São Paulo, o escritor disse que o papel do
poeta é mostrar o quê o poder esconde. “Por definição o poeta é um inimigo do
Estado. Sua função é contar a verdade que é distorcida”, afirma.
Durante a entrevista, Ferlinghetti
afirmou que nunca foi entusiasta dos escritor de William Burroughs. “Tive a
chance publicar Almoço Nu, mas não gostei do livro. Achei que expressava uma
mentalidade de doidão, cheia de morte e ódio”, avalia.
O poeta contou que ainda vive em San
Francisco, e guarda seu último livro numa caixa com 78 cadernos pequenos, cujo
texto ele chama de “romance-memória.” Na obra, Ferlinghetti narra sua
trajetória da infância a velhice.
Café, letras e poesia disponibiliza a
entrevista com o poeta que concedida à Folha de São Paulo. Confira:
Folha
– O senhor está escrevendo um livro parcialmente autobiográfico. Pode falar
mais sobre ele?
Ferlinghetti – Não é
só uma autobiografia, eu o chamo de romance-memória e o título é “One Stream of
Consciousness”. A parte autobiográfica vai desde quando sou menino e segue até
tudo o que eu tenho a dizer como adulto. No fim das contas, sou uma criança que
ficou velha e está quase cega. Esse é fim. Não é ficção, é vida real. Não gosto
do termo ficção, você diria que “Cem anos de Solidão” é uma ficção?
Naquele
tempo o sr. era um anarquista?
O anarquismo sempre foi um ideal, não
uma ideologia. Ele nasceu no século XIX, e nessa época o mundo não tinha um
terço das pessoas que tem hoje. O anarquismo era possível quando não havia
populações tão grandes.
Mas hoje, a não ser que você tenha
alguma forma de governo, as pessoas vão acabar matando umas às outras. De
qualquer forma, é isso que começa a acontecer.
O
sr. parece ter poucas esperanças com soluções políticas coletivas.
O mundo nunca esteve tão ruim.
Encontrei Günter Grass após ele ter passado um ano nas favelas de Calcutá. Sua
visão do futuro da humanidade era que, em nosso século, países como são conhecidos
hoje não vão mais existir; as fronteiras serão mais porosas; e o mundo vai
acabar ser tomado por hordas étnicas em busca de comida e abrigo.
Acho que já estamos vendo o começo
disso. É claro que do ponto de vista anarquista, pequenas sociedades ou comunas
fora do estado talvez venham a ser realizar. E sem grandes nações não haveria
guerras mundiais.
Como
começou a escrever poesia? Como foi escrever “Um parque de diversões da cabeça?”
Não me dei conta de que eu era poeta,
me dei conta de que eu tinha algo a dizer. Eu havia acabo de voltar de Paris,
onde vivi por 4 anos, fazendo um doutorado. E vem direto para San Francisco,
onde nunca tinha estado.
O que escrevi nos meus primeiros anos
foi influenciado por autores franceses. Mas o que acontecia em San Francisco
passou a afetar diretamente minha escrita.
Os anos 1950 foram uma época
revolucionária. Havia mais oportunidades em São Francisco do que em Nova
Iorque, que já estava vendida, onde tudo já havia sido tomado. Em São Francisco
você podia fazer qualquer coisa, ainda havia uma última fronteira na América, e
era um lugar excelente de se estar.
O
contato com a Filosofia Oriental é muito comum em sua obra.
Não sou budista, nem faço meditação. Na
verdade, no inverno sou budista, e no verão sou nudista.
Para
que serve a poesia hoje em dia?
Por definição o poeta é um inimigo do
Estado. Sua função é contar a verdade que é distorcida pelos políticos.
Como
você vê a possibilidade de Trump ser presidente?
Ele é muito perigoso. Ele me lembra
Mussolini. Todos acham que Trump era apenas uma piada, mas seria um desastre
ele ser presidente dos EUA, seria um regime ditatorial. Se ele escrevesse sua
própria autobiografia deveria se chamar “Mein Trumf” (trocadilho com “Mein Kemf”,
autobiografia de Hitler. Ontem ele fez um discurso em que, pela primeira vez, levanta
seu braço direito com o punho fechado. Sempre foi o gesto de luta dos
oprimidos. É um sinal muito ruim.
Qual
é a sua opinião sobre a administração Obama?
Obama foi uma grande decepção. Mas,
desde o principio, eu dizia: você não pode esperar que uma pessoa faça algo
revolucionário se ela nunca foi um revolucionário.
Obama gostaria de ser como Abraham
Lincoln, esse era seu modelo. O grande conciliador. Mas Obama acabou se ornando
o grande contemporizador.
Mas ele fez muitas coisas boas, como a
retomada das relações com Cuba. Acho que ele irá para a suprema corte e que
seria um grande juiz.
Como
era sua relação com o poeta William Burroughs?
Nós publicamos muito pouco de Burroughs,
nunca fui um entusiasta de seus primeiros escritos. Tive chance de publicar “Almoço
Nu”, mas não gostei do livro. Achei que expressava uma mentalidade de doidão,
cheia de morte e ódio.
Burroughs era “el hombre invisible”,
veio a livraria mais de uma vez para fazer leituras, mas você via que ele não
estava lá. Era como tanto outros velhos doidões, que estão presentes fisicamente,
mas não estão presentes de fato. Eu nunca entrei na mesma onda que ele.
Como
foi ler “Uivo, o grande poema de Allen Ginsberg, pela primeira?
Quando você lê um poema como esse, a única
coisa que pode pensar é que nunca viu a realidade dessa maneira antes. E esse é
o teste, se você está lendo uma grande obra, a impressão é de nunca ter visto
um mundo como esse antes. Era uma visão totalmente nova que nunca havia sido
expressada na poesia americana.
Como você se sente com 97 anos?
Como eu mostro no meu novo livro,
estou quase cego, esperando pelo blecaute final. Não é divertido.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/09/1809631-estou-quase-cego-esperando-pelo-blecaute-final-diz-ferlinghetti.shtml
http://www.lpm-blog.com.br/?p=27628
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