domingo, 19 de abril de 2015

Os doidões da noite

Raphael levantou-se e foi comprar um maço de cigarros. Eu fiquei na mesa. Esperei-o, e dei uma bebericada num Cantina da Serra – o vinho mais agressivo que há no submundo do álcool.

Via-o andar em direção ao posto de combustível. Apenas lá vendia cigarro. E ele ficava do outro lado da rua. Atravessá-la com álcool e maconha no cérebro era uma atividade que exigia atenção. Enchi meu copo. “Porra, bem que podia ter um cigarro aqui”, pensei. Mas Raphael havia ido comprá-lo. “Espere seu fumante invertebrado”, disse a mim mesmo, num exercício introspectivo.

- posso me sentar com você? – perguntou-me um cara estranho – estou sem amigos – completou.

- claro bicho – respondi, educadamente e demasiadamente comovido pelo retraimento dele – meu brother foi ali comprar um cigarro. Ele já volta – falei.

Profano vestia uma camisa do Black Sabbath. Pelo menos no som o sujeito representava. Gostava de hard rock/heavy metal. Não eram meus sub-gêneros de rock prediletos. Mas era rock and roll. Entretanto, sua aparência assustava. Cabelos longos, que iam até as costas. Olhos pretos cuja mensagem era “quero te matar”. Parecia ser um neonazista pronto para assassinar um cara que trajava uma camisa do Jimi Hendrix e tinha alguns colares pendurados no pescoço com o símbolo da paz. Comecei a ficar trêmulo. Em poucos minutos, estava sóbrio novamente.

- qual é a cerveja mais barata que você tem? – perguntou ao dono do bar.

- imperial – respondeu.

- quanto é?

- 5 reais.

- manda vir.

Passei a analisá-lo. Dei um longo gole em meu vinho. Comecei a pensar em como iria embora da mesa. Não confiava na aparência deste sujeito. Vestia-se todo de preto, com coturnos, óculos pendurado na gola da camiseta. Imagina fumar um baseado ali?

Raphael voltou com cigarro em mãos. “Quer um cigarro, cara?”, disse. “Claro”, redargui. Acendi-o e joguei fumaças ao ar. Minha mente divagava em pensamentos lunáticos.

- como é o teu nome, cara? – Raphael quis saber.

- Profano.

- como?

- Profano.

Profano colocou as mãos no bolso e pôs sobre a mesa várias bitucas de cigarro. Havia mais ou menos umas cinco. “Então vocês não vão pagar?”, esbravejou. “Não temos dinheiro”, afirmou Raphael, sabiamente. “Como assim?”, reagiu. “Ele aqui – disse apontando pra mim – só tem cartão”. “Você saí pros lugares só com cartão?”, interrogou, “que tal você pagar no cartão e eu te pagar, depois, em dinheiro”, propôs. Eu o alertei de que não aceitavam cartão no bar. Ele resmungou alguma coisa. Não entendi.

O dono do bar viera até nossa mesa. Conversara com Profano. Poucos minutos depois, ele levantou-se e fora até o porcão - bar do lado. O que fora fazer? Pegar uma arma, talvez. Confesso que este era o meu palpite quando Profano levantou-se. “Cara vá ali e veja o que ele foi fazer?”, sugeriu Raphael. Levantei-me e fui. Não o vi. “Meu, vamos vazar”, propus. Raphael imediatamente acatou minha ideia. Fomos embora. “Acho que vou dar um gole naquela cerveja dele”, falei. “Deixe de ser maluco. Já imaginou cê encontrar o cara? Ele ia olhar pra sua cara e ia te quebrar no meio”, alertou.

Caímos na gargalhada. E tentávamos descobrir de onde surgira aquela figura exótica.

- como ele apareceu? – perguntou Raphael.

- eu estava sentado, bebendo meu vinho. Profano apareceu. Pediu para se sentar. Disse que estava sem nenhum amigo. Porra, eu olhei pro cara, e disse: “de boa, senta aí”.

- sério que ele disse isto? Até eu, então, iria me comover – afirmou Raphael com a sua ironia caraterística.

Andamos um pouco. Chegamos ao Martin Cererê. Estávamos sem grana. Apenas tínhamos uma Cantina da Serra – pela metade – nas mãos. Sentamos. Outro baseado fora confeccionado.

- uma hora dessas o cara já deve ter se matado – ironizei.

Raphael dera uma olhada nas mulheres que passavam do outro lado da rua. Nem prestara atenção no que eu falara.

- porra, eu dei um cigarro praquele cara – reclamou – vamos pra 10. Bebemos uma cerveja lá e eu posso comprar um skini pra comer – sugeriu.

Levantamos e seguimos atrás de umas garotas que saíram do evento no Martin. "Olhe as tatuagens dela, se mexendo ao andar", clamei, todo espalhafatoso. "Que gatinha", afirmou Raphael. Viramos a rua. Aprendi que quando se está a dobrar uma esquina bêbado, jamais deve-se evitar a parede. O fiz, por precaução. Esbarrei-me nela, e não caí. Mantive-me em pé, firme. Descemos até a 10, no Universitário. "Cara, me dê um cigarro", pedi. Acendi-o. Chegamos e fomos em direção a uns bancos que haviam numa praça ao lado.

Enquanto Raphael estava a produzir outro baseado, um cara chegara:

- posso dar umas bolas?

- pode sim, brother – disse Raphael.

O cara ficara de pé, a olhar-nos. Ele pedira um cigarro e um gole de vinho para a caminhada. Não tínhamos motivos para ficar com receio dele. Estava vestido de acordo com os padrões. Trajava uma regata laranja, um tênis novo nos pés e uma bermuda jeans.

- que rolê miado – resmungou Raphael.

- só tomamos no cu hoje.

- pois é. Primeiro foi aquele cara na pastela. Agora esse maluco aqui na 10. Só o serrote.

Comprei mais duas latinhas de cerveja. Tive um breve desentendimento com o vendedor da distribuidora. Perguntei a ele se tinha latão. A resposta foi "sim". Porém, o rapaz afirmara que só podia passar, no cartão, acima de R$5. Então, pedi duas latinhas.

- não dá, né – falei.

- uai, claro que dá.

Abri a cerveja e resmunguei: “que rolê”.

Tim-tim.

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