segunda-feira, 20 de abril de 2015

O jogador e a derrota

O bar. André deixara-o. De segunda a segunda ele estava lá. Participava dos campeonatos de sinuca e, depois, enchia a cara. Às vezes, ganhava. Em outras, perdia. Mas os amigos iam até sua casa chamar-lhe. André tinha fama de bom jogador. “André segura um taco como ninguém. Temos que chamar ele”, comentavam João José – amigos de André.

- cara vai ter um campeonato de sinuca, cê vai participar? – perguntou José.

- tô sem grana, bicho – respondeu André – além de que estou tentando parar de jogar e beber. Ultimamente ando bebendo pra cacete. Minha mulher todos os dias pega no meu pé – completou com a voz rouca de ressaca.

- como assim? Nunca vimos ninguém, na redondeza, jogar melhor que você – emendou João, com convicção.

André permanecera em silencio. Será que deveria ir jogar? Ele dissera ao João que pensaria sobre as possibilidades. “Acho que vou, sim. É uma grana que pode entrar”, pensou, racionalmente. E ele tinha, sim, grandes chances de faturar o torneio. Já o levara outras vezes. Por que não levaria agora? Não havia motivo aparente para não levá-lo.

O jogador fora até a geladeira pegara uma cerveja e a bebera. Estava medindo as probabilidades que tinha de participar do torneio, enquanto bebericava a birita. “O foda é que tenho de pagar”, falou, “mas é só 5 conto. Não é possível que eu não arrume este dinheiro”, constatou, imaginando o que falaria à sua esposa.

Rosangela era uma mulher de personalidade forte. Falava o que lhe vinha à cabeça, sem receios, nem medo. “Não me importo com isso, com o que os outros vão pensar de mim”, dizia ela. Rosangela sabia da queda pela boêmia do marido.

O homem resolvera avisar a esposa. Tomou a decisão e quando chegasse em casa à noite falaria para ela sobre a sua vontade de competir no torneio. “Que porra, cê vai participar disso mesmo”, imaginou André, vendo a esposa falar diante de si.

André ouviu o telefone tocar. Era João:

- e aí, vai participar?

- vou, vou, sim. Pode contar comigo.

- e a patroa?

- então, vou falar com ela, ainda...

- ainda?!

- é foda falar com ela, cara. Sei lá o quê vai dizer pra mim.

João encontrou José no bar “fim de noite” – palco do torneio. Eles conversavam sobre André:

- acho que essa mulher tá fazendo mal pra ele – constatou João.

- ela o controla demais, bicho – afirmou com veemência José.

- nem parece que é o nosso velho amigo, que conhecemos há anos – desabafou João – lembra quando éramos jovens e não estávamos nem aí pra nada? Era do caralho – lembrou.

- nos divertíamos demais!

Os dois continuavam a conversar. Lembravam histórias, criavam expectativas. Se André participasse da competição, a volta dele à vida estava consumada. Eles tinham uma conexão invejável. “Certeza que Andrezinho iria faturar esse torneio de merda”, bradou José. “É, ele sabe jogar. Coisa que nós nunca soubermos fazer: jogar sinuca decentemente”, disse João, com ares de tristeza.

Passaram-se uma semana. André iria ao campeonato. E logo no primeiro jogo, duelaria com um dos melhores da sinuca no bairro. “Desce uma carteira de OFF e uma Antarctica, porque o negócio será pesado”, pediu, com a face travestida por um sorriso sarcástico, típico de jogador.

Antônio – proprietário do bar – trouxera-lhe a bebida e o cigarro. “Há tempos não fumo um cigarro”, falou André, com o olhar direcionado ao oponente. “Que conquista , cara”, elogiou Claudio, despido de emoção.
A feição facial dele era limpa. Tinha postura de quem sempre ia ao bar. E jogava. Sabia como segurar um taco. Segurava-o com estilo e desenvoltura. A sinuca era a vida de ambos.

Iniciou-se a peleja. O jogo era técnico. Matemático, pensado e articulado. Os dois não queriam e não podiam errar. Mas André – com anos de sinuca nas costas – matou a primeira. E ficou com as bolas pares. Então, começou a jogar. Matou uma, duas, três, quatro, cinco, seis bolas.

Claudio desesperado clamou:

- que porra é essa aqui? O que você fez derrubar todas essas bolas?

- anos com o taco na mão, cara.

- não, não, desisto.

- desiste? Não, vamos jogar!

- como?

- ora, segure a merda do taco. E vá pro jogo!

- agora num dá mais, André.

As partidas foram se sucedendo. André despachava seus oponentes. Parecia um mestre do taco. Todos o olhavam. Ficavam e permaneciam estáticos, apenas a observar um craque na sinuca. Menos a classe média, cujo lazer passa longe dos bares periféricos. “Em bar é difícil achar gente que estude”, afirmavam. E sem rodeios, nem formalidades, todos ficavam contentes quando os branquinhos ficavam longe. Ou nem iam. Aí o jogo fluía. A risada corria solta.

Olhar fixo, taco e giz na mão. André estava imóvel. Tinha olhos somente para a mesa. Mas por ironia do destino, ele não conseguira encaçapar uma bola sequer nesta partida. “André, já deu seu tempo”, falavam, “cê tem é que ficar em casa e parar de beber”, diziam.

André caminhou até seu Antônio, pediu uma cerveja, sentou-se à mesa – com João e José – e disse: “Hoje é por minha conta”.


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