O bar. André deixara-o. De segunda a segunda ele estava lá.
Participava dos campeonatos de sinuca e, depois, enchia a cara. Às vezes,
ganhava. Em outras, perdia. Mas os amigos iam até sua casa chamar-lhe. André
tinha fama de bom jogador. “André segura um taco como ninguém. Temos que chamar
ele”, comentavam João José – amigos de André.
- cara vai ter um campeonato de sinuca, cê vai participar? –
perguntou José.
- tô sem grana, bicho – respondeu André – além de que estou
tentando parar de jogar e beber. Ultimamente ando bebendo pra cacete. Minha
mulher todos os dias pega no meu pé – completou com a voz rouca de ressaca.
- como assim? Nunca vimos ninguém, na redondeza, jogar
melhor que você – emendou João, com convicção.
André permanecera em silencio. Será que deveria ir jogar?
Ele dissera ao João que pensaria sobre as possibilidades. “Acho que vou, sim. É
uma grana que pode entrar”, pensou, racionalmente. E ele tinha, sim, grandes
chances de faturar o torneio. Já o levara outras vezes. Por que não levaria
agora? Não havia motivo aparente para não levá-lo.
O jogador fora até a geladeira pegara uma cerveja e a
bebera. Estava medindo as probabilidades que tinha de participar do torneio,
enquanto bebericava a birita. “O foda é que tenho de pagar”, falou, “mas é só 5
conto. Não é possível que eu não arrume este dinheiro”, constatou, imaginando o
que falaria à sua esposa.
Rosangela era uma mulher de personalidade forte. Falava o
que lhe vinha à cabeça, sem receios, nem medo. “Não me importo com isso, com o
que os outros vão pensar de mim”, dizia ela. Rosangela sabia da queda pela boêmia
do marido.
O homem resolvera avisar a esposa. Tomou a decisão e quando
chegasse em casa à noite falaria para ela sobre a sua vontade de competir no
torneio. “Que porra, cê vai participar disso mesmo”, imaginou André, vendo a esposa
falar diante de si.
André ouviu o telefone tocar. Era João:
- e aí, vai participar?
- vou, vou, sim. Pode contar comigo.
- e a patroa?
- então, vou falar com ela, ainda...
- ainda?!
- é foda falar com ela, cara. Sei lá o quê vai dizer pra
mim.
João encontrou José no bar “fim de noite” – palco do
torneio. Eles conversavam sobre André:
- acho que essa mulher tá fazendo mal pra ele – constatou João.
- ela o controla demais, bicho – afirmou com veemência José.
- nem parece que é o nosso velho amigo, que conhecemos há
anos – desabafou João – lembra quando éramos jovens e não estávamos nem aí pra
nada? Era do caralho – lembrou.
- nos divertíamos demais!
Os dois continuavam a conversar. Lembravam histórias,
criavam expectativas. Se André participasse da competição, a volta dele à vida
estava consumada. Eles tinham uma conexão invejável. “Certeza que Andrezinho
iria faturar esse torneio de merda”, bradou José. “É, ele sabe jogar. Coisa que
nós nunca soubermos fazer: jogar sinuca decentemente”, disse João, com ares de tristeza.
Passaram-se uma semana. André iria ao campeonato. E logo no
primeiro jogo, duelaria com um dos melhores da sinuca no bairro. “Desce uma
carteira de OFF e uma Antarctica, porque o negócio será pesado”, pediu, com a
face travestida por um sorriso sarcástico, típico de jogador.
Antônio – proprietário do bar – trouxera-lhe a bebida e o
cigarro. “Há tempos não fumo um cigarro”, falou André, com o olhar direcionado
ao oponente. “Que conquista , cara”, elogiou Claudio, despido de emoção.
A feição facial dele era limpa. Tinha postura de quem sempre
ia ao bar. E jogava. Sabia como segurar um taco. Segurava-o com estilo e
desenvoltura. A sinuca era a vida de ambos.
Iniciou-se a peleja. O jogo era técnico. Matemático, pensado
e articulado. Os dois não queriam e não podiam errar. Mas André – com anos de
sinuca nas costas – matou a primeira. E ficou com as bolas pares. Então, começou
a jogar. Matou uma, duas, três, quatro, cinco, seis bolas.
Claudio desesperado clamou:
- que porra é essa aqui? O que você fez derrubar todas essas
bolas?
- anos com o taco na mão, cara.
- não, não, desisto.
- desiste? Não, vamos jogar!
- como?
- ora, segure a merda do taco. E vá pro jogo!
- agora num dá mais, André.
As partidas foram se sucedendo. André despachava seus oponentes.
Parecia um mestre do taco. Todos o olhavam. Ficavam e permaneciam estáticos,
apenas a observar um craque na sinuca. Menos a classe média, cujo lazer passa
longe dos bares periféricos. “Em bar é difícil achar gente que estude”,
afirmavam. E sem rodeios, nem formalidades, todos ficavam contentes quando os
branquinhos ficavam longe. Ou nem iam. Aí o jogo fluía. A risada corria solta.
Olhar fixo, taco e giz na mão. André estava imóvel. Tinha
olhos somente para a mesa. Mas por ironia do destino, ele não conseguira encaçapar
uma bola sequer nesta partida. “André, já deu seu tempo”, falavam, “cê tem é
que ficar em casa e parar de beber”, diziam.
André caminhou até seu Antônio, pediu uma cerveja, sentou-se à mesa – com João e José – e disse: “Hoje é por minha conta”.
André caminhou até seu Antônio, pediu uma cerveja, sentou-se à mesa – com João e José – e disse: “Hoje é por minha conta”.
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