terça-feira, 28 de abril de 2015

"Eu sou feliz aqui", diz morador de rua


Xan vive nas ruas de Goiânia há tempos. Ele - mestre de capoeira – se mostrou acessível ao diálogo. “Não estou bem”, sussurrou, antes de iniciar a conversa, apontando para a sua perna. Os cabelos grisalhos contam sobre a personalidade dele. Calçava all star, calça jeans e uma camiseta. A vestimenta era simples, humilde, velha para a sociedade.  Aparentava ter 40 e poucos anos, mas olhar de quem ainda quer viver, sem maldade, sem divagações. “Sou feliz aqui, assim”, afirmou. A ele cabe a frase do filósofo Jean-Paul Satre: “Somos condenados a ser livres”, escreveu o pensador em O ser e o nada.

“Cacete, outro dia desses levei uma porrada”, disse. “Ele – falara com o dedo em direção ao Gamba – fez merda. Aí já viu, né”, disse, “levei umas pancadas da polícia”, revelou, com a face pálida, revestida da voz carregada de birita. “Sinto muita dor nas pernas. Mas é só tomar umas cachaças e já revolve”, brincou. Seu amigo e companheiro das ruas, Gamba, permanecia em silêncio. “Aprendi a lutar com ele”, declarou. Corcunda, com feição física desgastada, trajando roupas surradas, Gamba mostrou-se feliz com a vida que leva. “Curto rock satânico”, bradou. Mas ele não queria saber de muito papo. Ficava quieto, enquanto Xan, a gesticular, relatava fatos de sua vida.

De repete chegara Salomão, a segurar um cigarro enrolado num papel de caderno. Cheirava a álcool. “Irmão, tem como você me presentear esse isqueiro?”, perguntou. O isqueiro fora às mãos dele. Imediatamente uma expressão de felicidade ganhou o rosto sofrido de Salomão. Acendeu o cigarro, e dera algumas tragadas. “Tá vendo ele ali. Esse não tem medo de descer a porrada”, afirmou Xan, referindo-se a Salomão, cuja fama era de ser o zelador deles. O trio ao fundo se completava. Eles são “companheiros das ruas”. Moram nas proximidades da Praça Cívica. 

Polícia

O cabo da Polícia Militar, Emanuel Francisco Dias, 47, afirmou que o cruzamento entre as avenidas 84 e Pedro Ludovico é ponto de concentração de moradores de rua. “Eles têm histórico de abandono, e uma estrutura familiar que os facilitou para se tornarem moradores de rua”, disse.

Emanuel ainda disse que a melhor forma de solucionar este problema é investir em educação. “Precisa melhorar todo o sistema”, afirmou. O cabo acredita que a corrupção é uma das causas de haver este contraste social. “Nossos governantes atuam em causa própria”, falou.

Nas dependências da Praça Cívica, no entanto, não há algum morador de rua. “Aqui dentro da Praça não tem moradores”, disse Emanuel.  Eles se concentram próximos da praça. Basta descer a Avenida Goiás para vê-los. Os moradores sentam-se nas calçadas, encostados nas portas das lojas, e por ali permanecem noite adentro.

Pesquisa

A ONU (Organização das Nações Unidas) desenvolveu pesquisa sobre as cidades mais desiguais do Brasil. E Goiânia está entre elas. Numa escala de 0 a 1 – com um a ser o ápice da desigualdade – Goiânia se junta a Fortaleza, Brasília e Belo Horizonte, como uma das capitais mais desiguais do Brasil, com 0,6.

Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) cerca de 28 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza. Antigamente, afirma a pesquisa, quem usufruía do Estado de Bem-Estar Social era a classe média. Aproximadamente 13 milhões de pessoas, acima dos 15 anos, ou 8,8%, não estão na escola. Já o ensino fundamental os números de matrícula são altos. De acordo com a pesquisa, 98,4% das crianças estão com frequência confirmada no ensino fundamental.

À margem da sociedade

“Você tem três reais?”, perguntou-me um morador de rua, enquanto saía de um posto de combustível em frente à Praça Cívica.

“Não tenho, amigo”, disse - “sou quebrado igual vocês”, completei.

“Não é não”, afirmou - “está bem vestido, de óculos, camiseta, bermuda, tênis novo. E ainda vem dizer que é como nós?”, finalizou.

Por fim, acabei cedendo. Tirei do bolso um real. Ele olhou para o meu maço de cigarros e afirmou:

“Ou três conto, ou três cigarros”

Eu analisei-o, esbocei uma risada, e falei:

“Assim não dá, chefe”, falei.

Ele saiu e foi embora. Eu virei às costas, caminhei em direção ao outro lado da rua e acendi um cigarro. Pensei na vida que levam os moradores de rua. Ninguém os vê. E quando os vê, estão carregados de ideias pré-fabricadas.

Xan e Gamba estavam juntos com o rapaz que me pedira três reais. Eles olharam-me e deram um sorriso. Gamba segurava uma garrafa de 29 – cachaça poderosa no submundo do álcool. Xan, com seus cabelos grandes, calça jeans e tênis, também estava alcoolizado. Acho que Xan nem me reconhecera, devido ao furor do álcool em seu organismo.

“O Gamba e o Xan estavam ali”, comentei com Raphael, enquanto ele abria uma garrafa de vinho.

“Eles te reconheceram?”, perguntou-me.


“Acho que não”, disse – “foda, eles vivem à margem da sociedade. Fazer o quê?”, completei.

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