segunda-feira, 6 de junho de 2016

Diálogo socrático

Camarada de boteco, camarada corintiano, camarada biriteiro, sempre me pego em alguns diálogos, imagináveis, sobre o teatro do absurdo do futebol brasileiro, com doutor Sócrates – que brilhou com a camisa 8, na época da Democracia Corintiana. Ele se foi, e num dia em que o Corinthians se sagrou campeão brasileiro, em cima do Palmeiras, em 2011. Foi feito seu desejo.

Mesa de bar. Meio Cartão Verde, da Tv Cultura. O garçom nos traz uma canela de pedreiro e a primeira pergunta: “E o timão, doutor?”. Ele, com toda sua sabedoria, diz: “Vamo fala de muié, que é mais sucesso.”

Sim, doutor. Também prefiro. Muito melhor do que interpretar o limpa que os chineses fizeram no alvinegro paulista. A diretoria disse que está tudo sobre controle, que não há preocupação alguma, que Tite vai reformular o elenco e encontrar uma maneira de armar o time. Essas coisas técnicas e objetivas, que deixariam o tio Nelson puto da vida.

Mas bora falar de mulher, pô. Olha, doutor, que brotinho. Sim, a de calça justa e sorriso reluzente. Óbvio que reconheço. Não superficialmente falando. É a Alice, que resgata, em todos os sentidos, o adjetivo “brotinho”, como na crônica de Paulo Mendes Campos.

“E essa seleção, doutor?”, pergunta o garçom. O doutor afirma: “Difícil. Tudo muito certinho.” Pouco contente com a resposta, o cara continua: “E o Ganso?” O articulador da Democracia Corintiana diz: “Dá pro gasto. Mas sei lá.”

Uma mulher de calça vermelha, o clássico erótico dos botecos, passa em nosso corredor polonês. Por alguns segundos, prendemos a respiração. Todavia, o garçom, impressionado com o doutor Sócrates, da Democracia Corintiana, que estava ao seu lado, perguntou: “Cê viu, doutor, o novo Di Stefano?”. Com toda sua sapiência socrática, o calcanhar de ouro repete o mantra bêbado: “Bora falar de muié.”

Abrirmos mais uma gelada. O doutor contou sobre o período que passou na Itália, quando fora contratado pela Fiorentina, após dizer, publicamente, que se a Emenda Dante de Oliveira não fosse aprovada, ele iria deixar o país. No país da bota, Sócrates mais frequentava os museus e lia Gramsci do que treinava.

Ah, doutor. Que puta saudade. O futebol carece de teus passes. O futebol clama por teus lampejos de genialidade. O futebol brada pela tua voz rebelde que chacoalhava as estruturas conservadora e paternalista dos cartolas. O futebol, doutor, nunca foi o mesmo. A gente parece que esqueceu como se joga, como se toca a bola, como se faz um gol. A gente agora deu de obedecer regras dentro de campo.

Despeço-me com três da madrugada, de Gal Costa:“Três da madrugada/ Quase nada/ A cidade abandonada/ E essa rua que não tem mais fim”.

Valeu pelo diálogo doutor!

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