Camarada de boteco, camarada corintiano, camarada biriteiro,
sempre me pego em alguns diálogos, imagináveis, sobre o teatro do absurdo do
futebol brasileiro, com doutor Sócrates – que brilhou com a camisa 8, na época
da Democracia Corintiana. Ele se foi, e num dia em que o Corinthians se sagrou
campeão brasileiro, em cima do Palmeiras, em 2011. Foi feito seu desejo.
Mesa de bar. Meio Cartão Verde, da Tv Cultura. O garçom nos traz uma canela
de pedreiro e a primeira pergunta: “E o timão, doutor?”. Ele, com toda sua
sabedoria, diz: “Vamo fala de muié, que é mais sucesso.”
Sim, doutor. Também prefiro. Muito melhor do que interpretar o limpa que os chineses fizeram no alvinegro paulista. A diretoria disse que está tudo sobre
controle, que não há preocupação alguma, que Tite vai reformular o elenco e
encontrar uma maneira de armar o time. Essas coisas técnicas e objetivas, que
deixariam o tio Nelson puto da vida.
Mas bora falar de mulher, pô. Olha, doutor, que brotinho.
Sim, a de calça justa e sorriso reluzente. Óbvio que reconheço.
Não superficialmente falando. É a Alice, que resgata, em todos os sentidos, o
adjetivo “brotinho”, como na crônica de Paulo Mendes Campos.
“E essa seleção, doutor?”, pergunta o garçom. O doutor
afirma: “Difícil. Tudo muito certinho.” Pouco contente com a resposta, o cara
continua: “E o Ganso?” O articulador da Democracia Corintiana diz: “Dá pro
gasto. Mas sei lá.”
Uma mulher de calça vermelha, o clássico erótico dos botecos,
passa em nosso corredor polonês. Por alguns segundos, prendemos a respiração.
Todavia, o garçom, impressionado com o doutor Sócrates, da Democracia
Corintiana, que estava ao seu lado, perguntou: “Cê viu, doutor, o novo Di
Stefano?”. Com toda sua sapiência socrática, o calcanhar de ouro repete o
mantra bêbado: “Bora falar de muié.”
Abrirmos mais uma gelada. O doutor contou sobre o período
que passou na Itália, quando fora contratado pela Fiorentina, após dizer,
publicamente, que se a Emenda Dante de Oliveira não fosse aprovada, ele iria
deixar o país. No país da bota, Sócrates mais frequentava os museus e lia
Gramsci do que treinava.
Ah, doutor. Que puta saudade. O futebol carece de teus
passes. O futebol clama por teus lampejos de genialidade. O futebol brada pela
tua voz rebelde que chacoalhava as estruturas conservadora e paternalista dos cartolas. O
futebol, doutor, nunca foi o mesmo. A gente parece que esqueceu como se joga,
como se toca a bola, como se faz um gol. A gente agora deu de obedecer regras
dentro de campo.
Despeço-me com três da madrugada, de Gal Costa:“Três da
madrugada/ Quase nada/ A cidade abandonada/ E essa rua que não tem mais fim”.
Valeu pelo diálogo doutor!
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