terça-feira, 21 de junho de 2016

Desligue a tv e embriague-se

Bati a mão na mesa do bar. Discorri sobre mulheres, sobre filosofia, sobre arte, sobre medos e delírios. Alguém deu uma risada qualquer. Nem prestei atenção. Segui minha peregrinação intelectual, alcoólica, canábica e vagabunda. A gente tem medo de falar. Pensamos, pensamos, pensamos... somos presos ao carro, ao celular. Somos possessivos. Não sabemos o que é amar. Aliás, nosso conceito de amor encontra-se deturpado pelos “bons costumes”. Padres e pastores dão às mãos, neste espetáculo teológico, eclesiástico e pentecostal. Dispensamos uma foda, cara. Você acredita? Pois é. Às vezes, tenho medo. Vou ao jornal. Leio alguma coisa sobre crise. Tanto se fala nela, que nem sei o que está acontecendo. Talvez eu seja apenas um maluco, que venera uma buceta, que chupa um cu feminino de vez em quando. Todo cabra macho deve chupá-lo. Até Leminski o saudou, num poema. “Ao cu feminino/supremo/ culto e glória”, poetizou.

A arte. Apenas ela pode livrar-nos do meio careta e pragmático que vivemos. As pessoas estão preocupadas com a objetividade do ser humano. Na televisão, naquele jornal famoso do horário nobre, o apresentador apenas lê notícias. E todos acham que estão informados, que a emissora cumpriu sua função social, que o galã do jornalismo é, de fato, um sujeito decente, honesto e íntegro. Aí, recorre-se às redes sociais. E a verborragia corre solta. O vernáculo apanha, levando murro, socos e ponta pés. Tenho pena. Mas a moral, contudo, está com a razão. Cidadãos de bem tem direito de expressar-se, e não importa de quê forma. Se ousar questioná-los, danou-se...porra... a gente esqueceu do amor. Ninguém ama. Ninguém pega na mão uns dos outros para proferir uma palavra leve, agradável, singela, amável.

Viva a arte. Viva o aqui e o agora. Viva, simplesmente, cara. Amanhã é outro dia. E a música pode parar. E o poeta pode fechar o livro. E a gente postergou o beijo, a foda, o fogo, o dionisíaco e o apolíneo. Precisamos da dualidade. A gente vive uma crise da moral burguesa e cristã. Não há poesia. Não há embriaguez. Nietzsche, mais uma vez, estava certo. “Só há arte com embriaguez”, escreveu, em Crepúsculo dos ídolos. William James, psicólogo e filosofo, disse que “a embriaguez une, expande e diz sim; a sobriedade recrimina, separa e diz não”.. A tela faz a alegria da tradicional família brasileira – cujos ideias, evoluidíssimos, são sair às janelas de seus milionários apartamentos para gritar os manjados cânticos virulentos.

O arquétipo mesquinho dobra a esquina, com duas garotas. Uma loira, quadril generoso, sorriso frívolo e cansado. A outra, cabelos negros, voz fina e oprimida, sorriso estático e beligerante. Eles não têm vida. Eles não se embriagam. Eles não sabem o quê é uma foda no meio da rua às quatro da madrugada. Eles, bicho, têm medo. Moças... sigam-me ao paraíso. Eu lhes apresentarei o mundo, a vida, a embriaguez, a poesia. Temos de abraçar o mundo, e temos de abraçá-lo agora. Sábio Jim Morrison. Cadê você, cara? O mundo precisa dos teus versos flamejantes. Hoje, Jim, crianças compram armas com cartão de crédito dos pais, meu.

No início dos anos 60, Jim decidiu cursar cinema na UCLA (Universidade da Califórnia). Lá, ele aprendera truques da Psicologia Analítica de Carl Jung. Manzarek, tecladista do The Doors, também se formara em Cinema, na mesma universidade. Certo dia, Jim lera “Moonlight drive”. Manzarek, sem dúvida, achara aqueles versos “do caralho”. Em seguida, o The Doors sacudira os bons costumes da conservadora sociedade estadunidense. Seus shows eram loucos, alucinados, psicodélicos. Doors era o som da catarse. Era o Apolíneo e Dionisíaco, que seus shows pregavam à risca. Isso era o The Doors.

Schopenhauer disse que a música é a representação sonora da vida, além de ser a arte mais nobre de todas. Ela é a própria essência, e não a essência das coisas. A gente a tem para libertarmo-nos. Há o medo e a segurança. E optamos, quase sempre, pela segurança porque ela é uma terra segura e livre, onde ninguém terá de se arriscar. A gente não quer arriscar-se. Segurança... segurança... segurança... ensinam isso nas escolas: segurança. Pra quê? Pra que consigamos, talvez, viver com algum dinheiro. Mas acontece que nem todos querem segurança. Eu quero liberdade. Sou responsável por minha liberdade. Somos condenados a ser livres.

Freud acreditava que o homem ao sonhar desenvolve um mecanismo de autocensura. Ou seja, aquilo que vivemos negativamente aparece no sonho. Nossos sonhos são símbolos. Salvador Dalí e Luis Buñuel o retrataram, em suas respectivas obras. Este em seus quadros surreais. Aquele, por sua vez, na imagem em movimento (cinema), no corte para outro plano – como em Cão andaluz. Posteriormente, o cineasta italiano Federico Fellini, impulsionado pelas ideias jungianas, filmara Oito e meio. No longa, Fellini retrata um cineasta que passa por uma crise criativa, e não consegue finalizar seu filme. O espectador não sabe quando é sonho, ou realidade.

A vida humana não tem sentido. A gente vive pensando na morte. Tentamos entendê-la, mas não conseguimos. Ligamos a televisão. E aquilo faz-nos um bem. Ali, na tela, há um sonho, um propósito de vida, uma forma leve e superficial de interpretar os fatos. Ali, há felicidade. Ninguém briga. Todos parecem se amar. Contexto? Pra quê, cara. Você não precisa escolher o conteúdo que vai ser vinculado na TV. Eles fazem-no. E você assiste. A imagem é uma ligação entre o homem e seu imaginário. Segundo Satre, a imaginação é infinita. Ela cria um elo entre a pessoa e o espírito. Então, o sonho tornou-se eletronizado, pela TV.

Tudo fora banalizado. O discurso. A arte. O sonho. A torre redige a mensagem, e a gente, educadamente, aceita. Penso em Rimbaud, em Baudelaire, em William Blake, em Henry Miller, em Allen Ginsberg, em Jack Keroauc, em Hunter Thompson, em Luiz Carlos Maciel. Os loucos, desajustados, os sensíveis demais para perceberem que a peça de teatro não vai parar, que o músico vai seguir com sua guitarra, que o poeta vai dar um jeito de abrir o livro e declamar seus versos dilacerantes. Miller fora a Paris. Rimbaud à África. Ginsberg perambulou pelas ruas. Keroauc cruzou os EUA. Thompson viveu o sonho americano e retratou-o, em Medos e delírios em Las Vegas.

E eu, bicho, consegui terminar esse texto.

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