Capa da obra |
Um ano com a cara no ócio, em
Paris, fez de Reinaldo Moraes um escritor. Mas não foi tarefa fácil. Após
assistir a quinta aula sobre planificação econômica, Reinaldo teve convicção de
que aquilo não pra ele. Era 1979. Um ano antes, no Brasil, havia sido aprovada
a Lei da Anistia – que livrou do xilindró torturadores e anistiou exilados.
Morto de sono, tomado pelo tédio,
Reinaldo foi chamado para uma conversa franca na universidade. Então, foi-lhe
apresentado um novo orientador. Por acaso, o cara, também, escrevia um romance
e curtia literatura. Os dois encontraram-se no Le Couple, um mítico café de
Montparnasse. O professor tinha uma barba maior que a de Reinaldo, e parecia
que uma bela amizade despontaria ali. Contudo, eles só ficaram frente a frente
apenas naquele dia. E divagaram. E embriagaram-se. E citaram Cèline. O francês
passara ao brasileiro uma lista de leitura e, o mais importante, desobrigou-o a
frequentar as aulas – e que o procurasse dali três meses.
Porém, o escritor brasileiro
estava sempre viajando pela África ou doidão. Ao fim do curso, Reinaldo enviou,
por Correios, sua monografia sobre urbanismo. Passou. Escrito nas horas vagas,
o tal romance de Reinaldo passou se chamar Tanto Faz. Recentemente, a Companhia
das Letras o relançou junto com Abacaxi, inaugurando a coleção Má Companhia. As duas obras foram praticamente reescritas por Reinaldo Moraes, que é um autor
obsessivo.
Lançado em 1981, a primeira
edição de Tanto Faz chegou ao mercado editorial pela coleção Cantadas
Literária, da editora Brasiliense. Até hoje, o texto é complicado de se
digerir. A temática gira em torno de sexo, bebedeiras, drogas, músicas,
literatura e filosofia escrachada. Há tanta coisa no livro, mas nada acontece.
Os personagens deixam-se levar por uma transa, por um téco, por um baseado, por
uma boa música, por um verso. Reinaldo dá show. Sua linguagem transita entre o
coloquial fino e culto, criando uma perfeita consonância morfológica. Além,
claro, dos hilários neologismos. “Ela penabundeou-me” é um deles. “Desencana
que a vida engana”, outra.
O personagem chave dessa zueira
literária é Chico, um sociólogo. Com ele, Ricardo – o protagonista – vive
perambulando pela noite, bebendo vinho barato, filosofando sobre conceitos
esquerdistas e acadêmicos e lembrando episódios do passado. O sociólogo
retratado é Gilberto Vasconcelos, espécie de guru e mentor ideológico e boêmio
de toda uma geração de artistas e intelectuais. Na década de 1970, Chico não
saia do extinto Riveira, bar de esquina, na Consolação, em São Paulo.
Já o segundo romance, Abacaxi, foi
encomendado pelo editor Ivan Pinheiro Machado, da gaúcha LP&M. Ele deu a
Reinaldo seis meses para o finalizá-lo. Depois de torrar o dinheiro,
sem escrever uma linha, Reinaldo refugiou-se e, junto de sua Olivetti 30,
desembocou numa pousada barata de Visconde de Mauá. Em 1985, a obra saiu. E foi uma
espécie de continuação do primeiro romance, Tanto Faz. A história começa onde
terminou a anterior.
O personagem-narrador, um
tagarela doidão de trinta anos, resolve curtir uma breve temporada em Nova
Iorque – que finda num final de semana etílico-pornográfico -, passando pelo
Rio de Janeiro antes de, enfim, chegar a São Paulo. Mas, ao contrário de Tanto
Faz, Abacaxi tem uma escrita linear, criando imagens minuto a minuto dos
acontecimentos que se sucedem na prosa. Percebe-se que a obra foi escrita com
rapidez e alegria, e esta última sensação fica explícita ao leitor.
Depois de Abacaxi, Reinaldo ficou dezessete anos sem publicar, mas não sem escrever. Traduziu Mulheres, do Bukowski. Trabalhou como roteirista de telenovelas. E aguardou vinte e quatro anos para lançar sua obra-prima, Pornopopéia. Isso, contudo, é história pra outra resenha.
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